Até quando o Legislativo de São Bernardo, de rédeas curtas como a maioria dos Legislativos municipais e estaduais, vai continuar em silêncio escandalosamente condenatório diante do escândalo do Marco Zero, empreendimento irregular da MBigucci que o Ministério Público de São Bernardo apurou apenas superficialmente, dando-lhe o arquivo como destino?
Está certo que os vereadores aliados da Administração Luiz Marinho façam-se de desentendidos, como se o Diário do Grande ABC não houvesse publicado durante dias seguidos provas materiais e testemunhais da falcatrua. Afinal, o prefeito é parceiro de Milton Bigucci, magnata do mercado imobiliário da região.
Está certo que os carneirinhos do prefeito se calem. Mas e os opositores? Seriam opositores de fato ou só fazem encenação para o distinto público, participando, portanto, de uma farsa bananeira?
A gravidade do caso é espantosa demais para ser mantida à distância pelos legisladores. Até porque o escândalo é apenas mais uma irregularidade da ficha corrida da MBigucci, o conglomerado do presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários da Província do Grande ABC.
A omissão que permeia a Câmara de Vereadores depois de seguidas publicações do Diário do Grande ABC só não estarrece porque aquele endereço supostamente de representatividade da sociedade está doutrinariamente preparado para fazer de conta que tem importância ao conjunto da sociedade.
Está certo que a democracia é o pior dos regimes políticos, exceto todos os demais, mas os vereadores de São Bernardo, especificamente nesse caso em que os cofres públicos municipais foram atingidos por um conluio de empresários que patrocinaram uma encenação de leilão da área na qual se constrói o empreendimento Marco Zero, estão exagerando na dose de sem-vergonhice. Ou haveria outra adjetivação para algo tão escancaradamente exposto aos leitores?
Se em casos como esse, em que todas as digitais de pilantragem empresarial e de gestão pública pusilânime foram exibidas ao público, nada sugere que será recuperado, imaginem então o que ocorre em situações que fogem ao controle dos meios de comunicação.
Sabe-se que a ordem geral da Administração Luiz Marinho para o escândalo do Marco Zero é o completo desprezo, porque as consequências poderão ser desastrosas. Prevaricação possivelmente é o verbete adequado à configuração do crime cometido pela gestão petista ao comunicar ao MP que toda aquela lambança seguiu os rituais da legislação. Se não houve conivência da gestão Marinho com as irregularidades apontadas, sobraram marcas de descaso.
Os vereadores de oposição em São Bernardo só permitirão aos leitores e contribuintes a conclusão de que não fazem parte de um bloco situacionista envergonhado, com direitos semelhantes ao tratamento especial dos companheiros declaradamente favoráveis à gestão de Luiz Marinho, se deixarem o buraco escuro e imundo em que se meteram desde que o escândalo foi reavivado pelo Diário do Grande ABC.
Não se pretende reverberação que vise a instauração de uma CPI. Na maioria das vezes essa é uma jogada viciada de raros efeitos objetivos e, mais que isso, serve como instrumento para aprimorar relações incestuosas entre parlamentares e Executivo. Os supostos vereadores de oposição poderiam, isto sim, preparar documento oficial que seria encaminhado pessoalmente, em bloco, à Corregedoria-Geral do Ministério Público no Estado de São Paulo, instância à qual estaria reservado o desengavetamento do processo escandalosamente mal investigado.
A blindagem às travessuras legais e éticas do empresário Milton Bigucci já sofreu sérios danos e tudo indica que haverá outros impactos. Afinal, há pelos menos dois pontos controversos que a grande maioria dos empresários do setor imobiliário atribui a Milton Bigucci: primeiro, trata-se de uma raposa do setor, com ampla capacidade de transformar área física em dinheiro, muito dinheiro; segundo, não leva muito em consideração alguns requisitos que a maioria pratica. Não à toa foi ainda recentemente condecorado publicamente pelo Ministério Público do Consumidor de São Bernardo como campeão regional de danos financeiros contra adquirentes de imóveis.
Ações condenatórias
Os critérios empresariais de Milton Bigucci são contestáveis e em muitos casos penalizados. O noticiário de hoje, por exemplo, inclusive nas páginas do Diário do Grande ABC, afirma que o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou a incorporadora MBigucci à restituição de 90% dos valores pagos em contrato pelos compradores de unidade residencial do empreendimento Condomínio Olimpic MBigucci, Edifício Londres, em São Paulo. Diz a noticia:
“Analisando recurso de apelação interposto pela incorporadora Formignano (MBigucci), a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, através do relator-desembargador Salles Rossi, datado de 29 de outubro de 2014, decidiu negar provimento por votação unânime ao recurso da incorporadora, mantendo integralmente a sentença do juiz que a havia condenado à devolução à vista de 90% dos valores pagos, inclusive a integralidade da comissão de corretagem (R$ 16.430,00) e taxa SATI (R$ 2.863,53), tudo acrescido de correção monetária desde cada pagamento – correção retroativa – e juros de 1% ao mês desde a citação da empresa até o mês efetivo de pagamento”.
Ainda segundo a decisão, nas razões de recurso a incorporadora tentou se furtar da responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem e taxa SATI, sob a alegação de que não recebeu os valores, já que os compradores haviam pagado exclusivamente à corretora Abyara, não tendo, pois, legitimidade passiva para ser responsabilizada nessa restituição. O Tribunal rechaçou o argumento de defesa sob a afirmação de que “em que pese o fato de tratar-se de empresas distintas (Formignano Incorporadora Ltda, Abyara Brokes Intermediação Imobiliária e BBAX Intermediação Imobiliária Ltda), há que se ter em conta o artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie, que dispõe que, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstas nas normas de consumo”.
Parceria danosa
Também afirmou o Tribunal: “Ao consumidor, é assegurado o direito de voltar-se contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que lhe causaram danos, seja na esfera de prestação de serviços ou na de fornecimento de produtos. A responsabilidade, nesse caso, é solidária”. E seguiu o desembargador-relator: “No caso em análise, tendo havido parceria comercial entre a incorporadora e os prestadores de serviço de corretagem e assessoria, pode o consumidor voltar-se somente contra uma ou contra todas as empresas que participaram do negócio em parceria comercial, afastando-se, assim, a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela incorporadora”.
Ainda segundo a notícia, “quanto ao mérito do recurso, o Tribunal afirmou que os serviços de corretagem de imóveis vendidos na planta são contratados pela vendedora, com o intuito de promover a venda e realizar a intermediação do negócio. Nesse caso, os profissionais contratados pela incorporadora para vender os imóveis do empreendimento não efetuam trabalho de aproximação das partes; o interessado/comprador dirige-se ao stand de vendas e lá se depara com profissionais treinados para venda. Logo, se a incorporadora contrata os corretores para promover a venda do empreendimento, é ela quem deve responsabilizar-se pelo pagamento da comissão de corretagem”.
Para completar, o desembargador-relator afirma: “Com relação à retenção de parte dos valores pagos, as razões de defesa da incorporadora não eram sustentáveis, pois como foram os autores que desistiram do negócio, a eles atribui-se a culpa pela rescisão, porém, no entanto, não se justificaria a retenção de mais do que 10% do valor pago, tal como constou da sentença, sendo abusiva a cláusula contratual em sentido contrário e esse percentual afigura-se suficiente para suprir os gastos administrativos da incorporadora com a venda do imóvel, tal como previsto na súmula No 1 do mesmo Tribunal.
Outra condenação
Em fevereiro deste ano a MBigucci sofreu revés judicial semelhante. O Tribunal de Justiça acolheu recursos do Ministério Público e condenou a empresa, e também a Estratégia Empreendimentos Imobiliários, do mesmo grupo de Milton Bigucci, proibindo-as de impor ao consumidor o pagamento de corretagem como condição para a aquisição de imóveis lançados pelas empreendedoras.
Em 2014 o promotor de Justiça Marcelo Sciorilli ajuizou ação civil pública contra as duas empresas pela prática de impor ao consumidor o preenchimento de cheques destinados ao pagamento de comissão de corretagem, que sequer foi contratada pelo adquirente da unidade habitacional.
A ação do promotor de Justiça de São Bernardo foi julgada improcedente em primeira instância, mas o MP recorreu e a 35ª Câmara de Direito Privado reformou a sentença, condenando as duas empresas. Um dos trechos da decisão: “É certo que, na realidade, trata-se de prática abusiva e contrária à legislação consumerista, além de ofender a boa-fé subjetiva e objetiva”, segundo fundamentação do desembargador relator Melo Bueno. Também votaram no julgamento os desembargadores Gilberto Leme e Morais Pucci.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!