Sociedade

Máfia do Semasa: promotor não
convence em entrevista ao Diário

DANIEL LIMA - 07/05/2015

O Diário do Grande ABC ouviu o promotor criminal Roberto Wider Filho sobre o fato de ter excluído mercadores imobiliários corruptos (isso é pleonasmo!) da denúncia da Máfia do Semasa, autarquia de água e esgoto -- mais esgoto do que água -- de Santo André. As declarações do promotor são tecnicamente tão esfareladas que não resisto: vou preparar no final de semana e vou lhe enviar em seguida o que chamo de “Entrevista Indesejada”. Como já respondi a uma das baterias de “Entrevista Indesejada”, preparada por leitores, não consigo interpretar essa modalidade como algo de conteúdo agressivo. É o puro exercício do jornalismo sem rabo preso. Certamente o promotor criminal não se furtará a dar explicações.


 


São muitas as questões que vou colocar ao representante do Ministério Público Estadual designado para apurar a roubalheira no Semasa. Uma roubalheira que não é nada diferente de outras roubalheiras envolvendo o uso e a ocupação do solo na região, às quais as autoridades legais fazem vista grossa ou não têm tempo e infraestrutura de trabalho para esmiuçar.


 


Por isso mesmo, ou seja, por serem muitos os questionamentos, prefiro me ater exclusivamente agora sobre a entrevista ao Diário do Grande ABC. Sob o título “Caso Semasa é distinto de Máfia do ISS e Petrolão”, inspirado nas declarações do entrevistado, o Diário do Grande ABC produz um enunciado que não é justo à compreensão das entranhas da Máfia do Semasa. O promotor criminal embolou o meio de campo ao colocar o Petrolão como referência à Máfia do Semasa.


 


Ações abrangentes


 


A apuração da Máfia do ISS da Capital, que está fazendo um rapa nos corruptos e nos corruptores, tem sim muita semelhança com o que aconteceu em Santo André. Até porque a Máfia do ISS teve desdobramentos técnicos que constroem a estrutura de malandragens da Máfia do Semasa. Afinal, não se trata apenas de artimanhas ilegais para a redução da carga do Imposto Sobre Serviços. A abrangência é ampla e irrestrita em tudo que se refere ao fisco municipal. Caso do IPTU, por exemplo.


 


Há um trecho emblemático na matéria do Diário do Grande ABC de hoje sobre o descuido analítico do promotor criminal Roberto Wider Filho sobre a Máfia do Semasa. Leiam:


 


 Como comparativo, Wider citou que, quando guarda de trânsito solicita “cafezinho”, o motorista não pratica crime. O delito é oferecer vantagem e não sucumbir ao pedido. “Foi o que aconteceu no Semasa”.


 


Está equivocado o promotor criminal, embora o enunciado esteja confuso. O cafezinho em questão foi regiamente pago pelo motorista. Ou pelos motoristas. Tanto que nenhum deles lançou-se à denúncia pública, só o fazendo, alguns, após a porta do escândalo ser arrombada, quando ouvidos pelas autoridades competentes. Ou seja: refestelaram-se porque grande parte dos empreendimentos reunia irregularidades quando confrontados com normas de uso e ocupação do solo de Santo André.


 


Corrupção de mão dupla


 


Excluir mercadores imobiliários da denúncia colide com o histórico do escândalo do Semasa e contraria os rigores legais. O crime de corrupção ativa e passiva está configurado nas declarações dos denunciantes. Se o policial sugere o cafezinho ao motorista e o motorista aceita, o motorista cometeu o crime de corrupção passiva e o policial de corrupção ativa. No caso da Máfia do Semasa havia muito mais que cafezinho em jogo e todos nadaram de braçadas nas águas de conveniências.


 


Mudanças arbitrárias que eliminam barreiras protetoras à mobilidade urbana, sobretudo com o aumento ilegal das margens de construção, entre outros expedientes largamente utilizados pelos mercadores imobiliários, alimentam um jogo de malandragens que vai além da atuação de fiscais corruptos. O Semasa era o ponto terminal e decisivo à prestação de contas de acertos espúrios que começam na fita de largada da aprovação da obra e passa pela inspeção seletiva de fiscais de campo.


 


O promotor criminal Roberto Wider Filho deveria ter ouvido, com a representatividade legal de que dispõe, algumas fontes insuspeitas sobre o conjunto marginal de medidas adotadas há muito tempo pelos meliantes travestidos de empresários do setor de construção civil em associação com servidores público espertíssimos.


 


Fosse previdente nesse sentido, teria, certamente, construído outra faixa de segurança à avaliação da Máfia do Semasa. Não seria atropelado pelos fatos. No fundo, no fundo, nem das fontes que tenho precisaria contar o promotor criminal. O denunciante Calixto Antônio Júnior, um dos 11 denunciados à Justiça, produziu declarações mais que esclarecedoras sobre o assalto aos cofres públicos que se transformou, vejam só, exclusivamente em abuso unilateral contra os mercadores imobiliários.


 


Pagamento às vantagens


 


Num outro trecho da entrevista ao Diário do Grande ABC o promotor criminal afirma que “as empresas pagaram valores, em média de R$ 300 mil, sem oferecer ou obter vantagens” na liberação de licenças ambientais. Pelo contrário, segundo o promotor, os proprietários foram vítimas de achaque, o que não caracteriza crime: “Se tivesse a existência da compra ilegal de certificados, por exemplo, haveria implicação aos empresários; entretanto, não foi isso que se verificou na apuração. A investigação aponta que os processos para retirar a licença estavam regulares. Optaram pela legalidade, por cumprir os rigores, mas era exigida quantia por parte de integrantes do esquema” – disse Roberto Wider Filho ao Diário do Grande ABC de hoje.


 


Provavelmente o promotor criminal não tenha se dado conta da realidade sistêmica de irregularidades que permeia as chamadas licenças ambientais. Ao se lambuzarem no lodaçal de propinas da Máfia do Semasa, os mercadores imobiliários, em larga porção, sabiam que estavam incorrendo em fraudes cometidas durante as fases da cadeia de licenciamentos.


 


Vou tentar explicar melhor: não é o fato de a documentação relativa à licença ambiental estar absolutamente em ordem sob o ponto de vista técnico, de formulação segundo os rigores da lei, que o empreendimento em questão não tenha sido produzido segundo o mercado paralelo de falcatruas práticas.


 


Manipulação da lei


 


Quando se afirma que a lei de uso e ocupação do solo foi surrupiada, isso significa que os escaninhos do Poder Público foram manipulados tanto por servidores como por mercadores imobiliários. O que o então prefeito Aidan Ravin ordenou que se fizesse ao instalar o advogado Calixto Antonio Júnior no ponto extremo da teia de exigências extralegais foi simplesmente encaixar as peças de um quebra-cabeças que potencializasse os recursos à instância máxima do Executivo.



Os mercadores imobiliários não foram vítima de achaque, mas de um complemento de favores obtidos ilegalmente. Como sugeriu o denunciado Calixto Júnior, basta uma operação pente fino nos empreendimentos imobiliários mais portentosos de Santo André nos últimos anos para se constatar o quanto se construiu indevidamente a mais, em prejuízo da qualidade de vida da sociedade.


 


Aquelas torres residenciais ao lado do Shopping ABC foram apontadas por Calixto Júnior como emblemáticas da corrupção que viceja entre os mercadores imobiliários, ruidosos ao comemorarem a decisão do Ministério Público.


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