Sociedade

Escândalo do monotrilho: Bigucci
controla encenação institucional

DANIEL LIMA - 08/06/2015

Está certo que o Clube dos Especuladores Imobiliários é um atentado à moralidade institucional na Província do Grande ABC e que também está constituído e presidido ditatorialmente pelo empresário Milton Bigucci, mas mesmo assim tem obrigações a cumprir porque bem ou mal influencia o jogo econômico. O problema é que não cumpre o que consta do próprio planejamento formal com que foi concebido. O estatuto da entidade oficialmente nominada Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC (Acigabc) foi completamente fraudado no processo que culminou na aprovação de legislação que transformará o entorno das obras do monotrilho em São Bernardo, ainda sem data para a largada de obras, em palco de megaespeculações ditadas pela Administração Luiz Marinho. Tudo do jeitinho que o Clube dos Especuladores Imobiliários mais deseja. Os interesses da sociedade que se lixem.


 


Por conveniência ou incompetência, o empresário Milton Bigucci, presidente da entidade, pouco fez em nome de um coletivo difuso da categoria, para produzir e, principalmente, democratizar sugestões e eventuais mudanças na proposta do Executivo. Mas essa ausência de coletivismo não lhe causa inquietação nem incomodo. Faz parte do show de diversionismo daquela entidade maltrapilha e mequetrefe que um dia foi orgulho de boa parte dos empresários que a construíram.


 


Estatuto fraudado


 


Milton Bigucci segue lépido na representação formal de uma instituição deficitária em relação ao próprio estatuto criado há mais de duas décadas. Nada mais clarificador à constatação de que se trata mesmo e indefectivelmente de um arremedo de entidade, cuja principal atividade está submersa à legalidade ética e moral, ou seja, trabalhar nos bastidores para favorecer individualidades do setor. Um clubezinho fechado e enganador que tenta vender a imagem de responsabilidade social. E que só é levado a sério por autoridades e personalidades que se mantêm ignorantes ao acreditarem em dísticos relativamente longevos mas tecnicamente esclerosados.


 


O estatuto do Clube dos Especuladores Imobiliários, fundado em 1998, é claro quanto a algumas obrigações da diretoria há muito burladas pelo presidente Milton Bigucci. Alguns exemplos irrebatíveis do texto que consta do site daquela entidade, especificamente quanto a alíneas do Artigo 3º: a) defender os interesses de seus associados perante os órgãos públicos constituídos, bem como perante a comunidade em geral; d) trabalhar, com os órgãos públicos, no sentido de agir junto aos departamentos e órgãos técnicos dos mesmos, possibilitando as modificações necessárias no plano de zoneamento geral, bem como planejamento global do código de obras, e suas possíveis modificações de acordo com os interesses da comunidade; f) fomentar e desenvolver entre seus associados os princípios de ética profissional; h) compor grupos de trabalho visando defender, esclarecer e atuar nas esferas públicas e privadas; j) participar da formulação e desenvolvimento da política social, através da integração de recursos, ações e programas com órgãos públicos e privados, na defesa dos direitos da cidadania.


 


Apenas formalidade


 


É claro que tudo isso soa ridículo ante a trajetória do Clube dos Especuladores Imobiliários sob o comando de Milton Bigucci. A aprovação da legislação que transformará o monotrilho em grandes negócios imobiliários foi solenemente jogada às favas pelo dirigente. Os associados – poucos e não identificados no site da organização porque certamente desnudariam a ausência de representatividade – tiveram conhecimento apenas formal, de um texto breve e pouco explicativo, sobre as reuniões que mudaram o uso e a ocupação do solo no entorno do monotrilho.


 


Algo que havia muito tempo era de domínio informativo de Milton Bigucci.  Tanto que, coincidentemente ou consequentemente, o empresário adquiriu uma área de quase 40 mil metros quadrados na cara do gol do monotrilho, onde até recentemente estava instalado um megacentro de venda de veículos, no Bairro de Rudge Ramos. Há informações que dão conta de que a MBigucci comprou outras áreas contempladas pela nova legislação de São Bernardo.


 


Manter em segredo ou privilegiar informações a um grupo seletivo de parceiros muito próximos é o modus operandi de Milton Bigucci à frente do Clube dos Especuladores Imobiliários. Foi assim que adquiriu a preço subavaliado em leilão público o terreno de 16 mil metros quadrados entre a Avenida Kennedy e o Avenida Senador Vergueiro, onde constrói o empreendimento Maro Zero da Vergonha. Uma aquisição fraudulenta, com configuração de quadrilha organizada. Parceiros de negócios atuaram durante e após o leilão. Infringiram-se termos do Edital de Licitação. O Ministério Público ignorou as irregularidades mais que escancaradamente sólidas. E a Administração Luiz Marinho agiu para encobrir os malfeitos.


 


Escândalos demais


 


Embora o caso do monotrilho seja mais uma página de irregularidade estatutária de Milton Bigucci no Clube dos Especuladores Imobiliários é praticamente certo que não haverá consequências desagradáveis aos infratores. Afinal, a quase totalidade dos empreendedores imobiliários da região não leva a sério a gestão autoritária e desagregadora de Milton Bigucci na entidade. Há um consenso de que o silêncio seria a melhor alternativa porque o tempo trataria de esgotar o que resta de aderência ao cargo do presidente.


 


A série de escândalos nos quais o dirigente empresarial se meteu, principalmente a denúncia do Ministério Público Estadual e da Controladoria-Geral da Prefeitura de São Paulo de que a MBigucci participou da Máfia do ISS, já teriam colocado Milton Bigucci em situação pouco confortável em ambientes que imaginava controlar. 


 


Recentemente houve movimentos de bastidores para apear Milton Bigucci da presidência do Clube dos Especuladores Imobiliários.


 


Chegou-se a se ensaiar composição alternativa à tentativa de nova reeleição do dirigente, mas não houve avanços. A conclusão a que chegaram os opositores de Milton Bigucci é que a disputa não valeria a pena. Haveria rupturas com possíveis desdobramentos fora da esfera imobiliária. Milton Bigucci é temido pela maioria porque teria relacionamentos pouco ortodoxos com agentes da sociedade. A agenda do empresário é repleta de nomes temidos por gente que não quer se expor. Prefere-se viver como bovinos. 


 


Mantendo distância


 


Principalmente os construtores e incorporadores optaram por distanciarem-se do Clube dos Especuladores Imobiliários. Eles afirmam que as cartas marcadas por Milton Bigucci prevalecem nos assuntos mais candentes. A aprovação da especulação imobiliária no entorno do monotrilho em São Bernardo não poderia ser contrariada. As relações do empresário com a gestão de Luiz Marinho são muito mais íntimas do que transparecem. Bigucci é visto como o braço imobiliário do PT na região.


 


Situação completamente antagônica quando da eleição e dos primeiros tempos de gestão de Luiz Marinho. As hostilidades eram pouco dissimuladas. Mas logo se aproximaram. Chegou-se ao descalabro de o Clube dos Especuladores Imobiliários criar um troféu ditado pelo oportunismo para homenagear a então ministra Miriam Belchior, hoje titular da Caixa Econômica Federal. A cerimônia contou praticamente com apenas representantes políticos na sede do Clube dos Especuladores Imobiliários.


 


Os contratos da MBigucci com a Caixa Econômica Federal jamais foram tão volumosos quanto nos últimos anos. Em proporção semelhante aos casos de revolta de compradores de imóveis do conglomerado do dirigente do Clube dos Especuladores Imobiliários por causa de cobranças irregulares, segundo denúncia do Ministério Público do Consumidor.


 


Comissão suspeita


 


É verdade que Milton Bigucci procurou disfarçar os privilégios que sua organização empresarial e também de alguns parceiros de negócios nos escaninhos do poder público. Tanto que para dar roupagem de seriedade e de suposta obediência estatutária se formou uma comissão técnica que teria discutido ativamente com a Prefeitura de São Bernardo o projeto de lei “Operação Urbana Consorciada”. O comunicado está na página da internet do Clube dos Especuladores Imobiliários, com data de 8 de abril deste ano. O texto é autodestrutivo às intenções de sugerir democratização do temário entre associados. Tanto que um trecho é mais que elucidativo. Diz exatamente o seguinte, referindo-se à entidade: “...montou uma comissão técnica com engenheiros, empresários e arquitetos da Região, que vem discutindo ativamente ...”. Está claro que a somente 20 dias da aprovação do projeto de lei pelo Legislativo de São Bernardo, a comissão anunciada pelo Clube dos Especuladores Imobiliários já vinha “discutindo” o assunto com os poderosos de plantão do Paço Municipal.


 


Ainda segundo o comunicado do Clube dos Especuladores Imobiliários, “segundo o diretor técnico da Acigabc, Milton Bigucci Júnior, o objetivo é contribuir com sugestões de aperfeiçoamento e viabilidade técnica da lei que atendam tanto ao setor imobiliário quanto aos cidadãos, visando melhorias para a cidade”. Uma declaração do filho de Milton Bigucci complementa o comunicado: “Os debates junto à Prefeitura estão sendo muito produtivos tecnicamente”, afirmou. Na sequência da nota, constam os nomes dos integrantes da comissão técnica: Marcos Vinícius Santaguita, Nilson Ferreira, Sergio de Souza Lima, Mauricio Silveira Vera, Rubens Toneto e Amanda Martins Montouto. Para completar a encenação, o comunicado dá conta de que os interessados em fazer parte da comissão técnica da entidade poderiam entrar em contato com um funcionário de plantão. Tudo para dar o rótulo de legalidade a uma farsa colaborativa. A comissão técnica não passou de uma extensão dos interesses localizadas da MBigucci e de outras poucas empresas próximas ao presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários.


 


Debates fantasmas


 


Houvesse mesmo preocupação do Clube dos Especuladores Imobiliários em atender à demanda participativa expressa no estatuto a atuação da comissão técnica não se teria exaurido em reuniões privilegiadas com servidores públicos de São Bernardo. Haveria série de encontros com representantes da categoria e também da sociedade para debater intensamente o conjunto de definições que vão mudar a geografia de São Bernardo nos próximos anos, provavelmente para pior em termos de qualidade de vida. A degradação provocada pelo monotrilho é condenada por especialistas.


 


O Clube dos Especuladores Imobiliários trabalhou tão intensamente à sustentação de sigilo sobre o que se reserva na legislação aprovada pelos vereadores de São Bernardo que o site da entidade jamais deu informações sobre os debates técnicos que teriam ocorridos. Muito menos, ainda, os termos da aprovação do projeto com explicações complementares sobre os registros eventualmente contestatórios ou complementares da comissão técnica nomeada. Ou seja: o projeto de lei do Executivo de São Bernardo jamais ganhou as páginas do site do Clube dos Especuladores Imobiliários de forma a possibilitar o encaminhamento de sugestões dos associados e da comunidade em geral. A esse mecanismo de embromação o Clube dos Especuladores Imobiliários confere o conceito de legalidade estatutária.


 


Liberdade de imprensa


 


A recente tentativa de Milton Bigucci voltar a instrumentalizar mecanismos judiciais para interromper o circuito de informações que CapitalSocial fornece à sociedade em geral envolve também a patética luta para afirmar que o Clube dos Especuladores Imobiliários é algo que possa ser chamado de sério. E que supostamente por ser sério e de responsabilidade social não pode ser criticado por este jornalista, sob pena de novo processo judicial.


 


Só não dou boas gargalhadas ante tamanha galhofa porque respeito os leitores que eventualmente possam cair na lábia de dissimuladores institucionais que pregam uma coisa e praticam outra. O Padrão Fifa é o exemplo mais emblemático nestes tempos. Não seria exagero algum colocar o Clube dos Especuladores na alça de mira de desrespeito às próprias leis internas que criou. Aonde está o Ministério Público Estadual que não investiga para valer o Clube dos Especuladores Imobiliários, essa Fifa de usos, abusos e omissões na ocupação do solo?


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