Sociedade

Movimento Reaja ABC vai entrar
para a história ou é um novo blefe?

DANIEL LIMA - 13/08/2015

Para uma sociedade morta como a da Província do Grande ABC sair às ruas de Santo André para protestar contra tudo o que está aí e se intitular Reaja ABC, a constatação é que a crise econômica supera todos os limites. Mesmo que não tenham sido 300 manifestantes, porque sempre há exageros na quantificação de eventos assemelhados, só o fato de várias dezenas terem ido às ruas, preparado um manifesto ao Clube dos Prefeitos, só isso já teria valido a pena.


 


Sim, valeu a pena, mesmo que entre os participantes houvesse gente do Assalta Grande ABC, do Dissimula Grande ABC, do Festeja Grande ABC, do Omita Grande ABC e eventualmente outras tribos igualmente pouco qualificadas. E mesmo que o documento entregue seja uma coleção de verdades e de mistificações.


 


Para quem emitia o selo de garantia de que estava morta e só precisava ser enterrada, a sociedade da região naquele manifesto é um sopro de esperança de novos dias. Mesmo que os novos dias não sejam dias de Brastemp. Espera-se que os desdobramentos, caso de uma reunião nesta segunda-feira no Clube dos Prefeitos, não se deem na forma de grande orquestração demagógica, como já se prenuncia. Já passamos por tantos blefes que mais um seria demais. E que também o encontro não se traduza em carta de intenções, o que é muito provável. Os problemas estruturais da região não serão amenizados, ou sequer encaminhados, numa corrida de tiro curto contra a crise já instalada.


 


Passado recomenda cuidados


 


Aos leitores que eventualmente não aprovam meu ceticismo, nada melhor que uma mergulhadazinha no acervo desta revista digital. Carregamos muitos ativos da melhor publicação regional que este País já ousou ter – a revista LivreMercado. Será fácil constatar que prefiro botar os dois pés firmes no terreno da dúvida. O Movimento Reaja ABC tem conotação gramatical imperativa, determinada, mas pode ser tudo e também nada em termos práticos, o que esvaziaria o marketing da marca. Ou seja: o Reaja ABC não pode se transformar em manifestação circunstancial numa situação de desespero econômico de uma região que demora para cair na real de que já entrou na lista de zonas indesejáveis a investimentos produtivos.


 


Certamente que entre manifestantes do Reaja ABC havia gente sem culpa no cartório de apatia, de comodismo, de descaso e de oportunismo que caracterizam principalmente os empreendedores da região nas ações institucionais junto ao Poder Público. A crise que atinge a Província do Grande ABC vem do passado porque o passado também condena todas as instituições locais que supostamente representam os empreendedores e classes de trabalhadores.


 


Talvez o ponto de partida do descasamento entre acentuadas perdas econômicas e dispersão institucional tenha sido o Plano Real, que, no bojo de muitas conquistas potenciais à sociedade, foi tremendamente duro com a indústria regional, então muito mais importante ao nosso equilíbrio social.


 


Anos tenebrosos e ilusionistas


 


Os oito anos de Fernando Henrique Cardoso foram internamente sacrificantes, embora tenham representado, para o País, série de conquistas. Já os oito anos de Lula da Silva e especialmente os quatro anos e meio de Dilma Rousseff se configuraram tremendamente ilusionistas. Achamos que tínhamos reencontrado o caminho das pedras da salvação, com suposta recuperação definitiva do setor automotivo. Desprezaram nossa Doença Holandesa e demos com os burros nágua.


 


O Movimento Reaja ABC precisa tomar algumas providências para não cair em descrédito. Talvez a principal medida seja engavetar a tolice de tentar mistificar o passado, tornando-o menos tenebroso em termos de omissões coletivas na Província do Grande ABC.


 


Outros pontos também precisam ser devidamente organizados, sobretudo os contatos com a mídia. Acreditar que redes sociais vão segurar a onda de manifestações é desprezar ferramentas tradicionais ainda não catalogadas como obsoletas.


 


Culpa é de todo o mundo


 


As lideranças do movimento também não podem tentar responsabilizar exclusivamente a classe política pela crise que arrombou as portas. Seria uma tremenda injustiça. É verdade que políticos não merecem contemplação, mas eles têm com quem dividir a fatura. As lideranças empresariais, por exemplo, várias das quais capacitadas tecnicamente mas excessivamente permissivas com o andar de cágado dos gestores públicos nas questões econômicas que afetam diretamente a região e que, em muitos casos, estão fora da zona de influência direta do governo federal.


 


Estou acompanhando as declarações de manifestantes nos veículos de comunicação da região porque tenho horror a tecnologias que aproximam os iguais e demonizam os diferentes, casos das redes sociais de unanimidades burras. Jornais impressos e virtuais da região não podem ser excluídos da relação de inadimplência institucional da situação regional porque são especialistas em lustrar sem comedimento egos individuais, políticos e partidários. Tanto que se nota certa dificuldade em darem cobertura ao Manifesto Reaja ABC porque, no fundo, no fundo, as críticas mesmo que incompletas, porque seletivas, atingem seus protegidos.


 


Cuidado com as companhias


 


Não tenho notícia de que Milton Bigucci, presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários, tenha estado entre os manifestantes. Sua presença seria suficiente para desqualificar o movimento. Tomara que ninguém tenha a ousadia, quando não a insensatez, de sugerir que ele engrosse as fileiras dos manifestantes no encontro desta segunda-feira no Clube dos Prefeitos.


 


Certamente que há entre os cabeças do Movimento Reaja ABC gente que passa pela vida institucional da região sob o peso de passivos irrecuperáveis, e que possivelmente tente encontrar uma saída para melhorar a biografia pessoal.  Quem somos nós para recomendar que os pecadores permaneçam eternamente como pecadores. Há sempre uma oportunidade à recuperação. Só não podemos tolerar que se passem como salvadores da pátria, como se não tivessem digitais de improdutividades a açodá-los e a explicar tudo o que estamos vivendo.  Na relação dos recuperáveis só não se toleraria a inclusão daqueles que ultrapassaram todos os limites de responsabilidade social -- porque aí o que é manifestação viraria esculhambação.


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