Conforme o prometido, vou revelar hoje a relação oficial dos voluntários que seguraram a bronca e foram até os últimos momentos de atuação preparatória do movimento Defenda Grande ABC. Foram sete os profissionais de diversas áreas que resistiram a tudo e a todos e seguiram dispostos à empreitada abortada por este jornalista, idealizador da proposta. Outros cinco participantes ingressaram no decorrer dos encontros, totalizando, portanto, 12 voluntários.
Um número exatamente igual à média de participação nas reuniões. Inicialmente foram 45 inscritos por meio de correspondências eletrônicas. Desses, a maioria jamais participou de encontro presencial.
O Defenda Grande ABC não foi adiante por razões bem diferentes das que motivaram a desativação do Fórum da Cidadania. Se ao Fórum faltaram foco e propósitos mais bem definidos, além de que acabou contaminado pela política partidária, ao Defenda faltaram essencialmente perspectivas de que a luta valeria a pena diante dos riscos inerentes. O Fórum da Cidadania pregava o consenso, enquanto o Defenda exalava o contrário, ou seja, o confronto reto e direto contra o estado das coisas nesta Província. O consenso pretendido no passado não passou pela guerra surda das forças de oposição. O confronto projetado não teria vida fácil.
Voluntariado múltiplo
Houve quatro tipos de voluntários durante o processo de organização do Defenda Grande ABC. Vale a pena identificá-los para que não se coloquem todos os participantes no mesmo barco.
Primeiro, o bloco formado por aqueles que, ao tomarem conhecimento do que era preciso fazer, jamais se acovardaram. Eles completaram a corrida de obstáculos. São os sete nomes que revelarei em seguida. Segundo, aqueles que só não se mantiveram no grupo até o final porque constataram que poderiam sofrer transtornos profissionais ante ações retaliatórias que se armavam. Todos me procuraram pessoalmente para justificar desistência. Os respeito muito por isso. Terceiro, os que concordavam com o projeto, não tinham nenhum obstáculo corporativo a superar, mas pessoalmente optaram pelo afastamento para viver em paz. Também os respeito. Quarto, um grupo que se aproximou do Defenda de olhos postos no próprio umbigo de vantagens pessoais, inclusive políticas, quando não como espiões disfarçados de parceiros. Estes não merecem consideração alguma. São piratas da cidadania.
Falta uma Lava Jato
A experiência com o Defenda Grande ABC foi mais um ótimo aprendizado sobre o capital social da região. Não existe a menor possibilidade, seja quem estiver à frente de projeto análogo, inclusive o Ministério Público, de alcançar o propósito de acabar com as bandalheiras na região. As forças de pressão são terríveis. É preciso ter o juízo fora do lugar para enfrentá-las.
O antídoto aos mandachuvas e mandachuvinhas é a força do coletivo que, entretanto, insiste em se abster de ações reformistas. A Província do Grande ABC não chegou ao estágio atual por acaso. A situação vai se agravar ainda mais, até que algo semelhante à Operação Lava Jato desembarque aqui com o auxílio de forças policiais e ministeriais alheias aos conchavos insidiosos que se espalham por todas as esferas.
Dito isso, vamos ao prometido, ou seja, à manifestação dos sete voluntários que restaram do movimento Defenda Grande ABC. Eles responderam à seguinte questão apresentada logo no início da iniciativa que se pretendia restauradora da cidadania. Vejam a pergunta e leiam, na sequência, as respostas dos heróis da resistência.
O senhor (ou senhora) acredita que uma das maneiras de a Província do Grande ABC se tornar mais competitiva economicamente é abrandar os efeitos trabalhistas que as montadoras de veículos espalham pelos demais setores produtivos da região, ou entende que, apesar das dificuldades de atração de investimentos, porque outras regiões do País oferecem patamar menos elevado de vencimentos aos trabalhadores, não podemos abrir mão das conquistas sindicais?
Valmor Bolan -- Conquistas trabalhistas podem ser negociadas no que se refere a salários desde que haja o que trocar pela perda em função da realidade do mercado que pode levar à emigração das empresas dessa região. O que trocar? Obter novos benefícios sociais que redundem em diminuição de despesas com a família. Por exemplo: educação, remédios, cooperativas subsidiadas etc. De qualquer forma, não se pode abrir mão de salários em troca de nada. Por outro lado, não se pode esvaziar o Grande ABC com a eventual emigração de empresas.
Luiz Carlos Picherilo -- Temos que encarar a realidade atual, que é bem diferente de duas ou três décadas atrás, quando a economia do Grande ABC girava em torno do setor automotivo (montadoras, autopeças e demais fornecedores), e quando a concentração de mão de obra técnica e especializada era dividida apenas com a Capital do Estado. Houve um movimento natural dos sindicatos de classe dos trabalhadores que valorizou de forma acentuada não só os salários dessas categorias, como também a chamada remuneração variável (principalmente após o advento da PLR), e também os benefícios diretos e indiretos. Por conta da valorização dessa mão de obra, outras categorias da região também tiveram remuneração inflacionada e perdemos empresas de outros setores como a Black & Decker, Quimbrasil, Swift entre outras. Alia-se a esse fato a inépcia dos governos municipais que, deitados em berço esplêndido, não quiseram enxergar a grande debandada de empresas da região e nada ou quase nada fizeram para tentar reverter esse quadro. A realidade atual, vista como consultor e especialista em Gestão de Remuneração, é que ainda sofremos os impactos da valorização da categoria automotiva, apesar da redução drástica do número de postos de trabalho na região, e isso nos mantém pouco atrativos para expansão ou novos negócios de outros setores industriais de bens duráveis, aqueles que realmente alavancam e mantêm a economia ativa no médio e longo prazo. Na verdade penso que temos que atuar nas duas pontas, ou seja: assumir que nunca mais seremos o berço predominante das montadoras por conta do alto custo da mão de obra e das deficiências logísticas regionais, e paralelamente encarar a realidade das demais regiões do País que são mais atrativas em termos de custos tanto de mão de obra quanto em impostos (por conta das famigeradas guerras fiscais entre Estados e entre as suas próprias cidades) e outros incentivos de benefícios e isenção fiscal. Por isso estamos nos tornando uma região com alta concentração de mão de obra do setor de serviços, que exige baixo grau de formação e de conhecimento técnico (isso quando exigem). Não consigo imaginar que voltaremos a ser competitivos.
Gilberto Wachtler -- As tais conquistas sindicais são falácias. O setor privado corresponde de maneira positiva quando seus lucros são suficientes. Distribuição de renda verdadeira se faz a partir de empregos com salários significativos e qualidade de mão de obra significativamente marcante. Não é possível que as conquistas sindicais se mantenham vivas como podemos ver hoje nas milhares de demissões acontecendo sistematicamente, abrindo vagas para mão e obra com menores salários. De forma assertiva, melhor acabar com as pulgas do que matar o cachorro. Falar do potencial econômico do Grande ABC é um engodo. O Grande ABC é um conjunto e cidades independentes, diferente de região sinérgica que daria sentido e direcionamento econômico. O Poder Público perde a oportunidade de criar critérios de governo conjunto entre as sete cidades, regionalizar o legislativo, os poderes executivos, regionalizar os representantes estaduais e federais. O Grande ABC não elege nem seus próprios candidatos. O Grande ABC é um delírio sóbrio, é uma esperança infantil de uma região comandada por oportunistas, especuladores, caciques e araras que, quando estão em solo, comem tudo que puderem e levantam voo. A maioria produtiva sustenta estelionatários travestidos de investidores, homens públicos e autoridades. Não se atraem investimentos com despropaganda. O Grande ABC é um celeiro de noticias ruins, é o ninho das politicas obscuras, corrupção, criminalidade e ineficiência das secretarias de desenvolvimento econômico. O Grande ABC continua sendo o lixão da Capital. Afinal, cuidar bem do jardim é muito melhor que correr atrás das borboletas.
Edgard Brandão Júnior -- As questões trabalhistas são disseminadas em todo o País de uma mesma forma com uma mesma legislação do ponto de vista federal. Certamente uma região altamente sindicalizada acaba por trazer um ônus maior para as demais atividades econômicas, por conta do forte assédio sindical sempre presente. Todavia, entendo que a economia da região acaba por receber injeções de recursos dessas massas trabalhadoras, no caso do ABC as montadoras. Santo André é a mais penalizada por isenções de impostos ou incentivos fiscais federais e estaduais para manter o emprego na região. Essa situação é que move toda a base eleitoral vigente no País e mantem o Partido dos Trabalhadores no poder. Poderemos no futuro chegar a ter situações semelhantes às ocorridas com as indústrias automobilísticas nos Estados Unidos (Detroit e outras), que receberam forte concorrência dos carros do Japão e da Ásia em geral. O carro Civic da Honda foi o mais vendido na metade dos anos 1990. Por diversas vezes vimos entre 1993 e 1996 anúncios em diversos supermercados promovendo a venda do Civic, da seguinte forma: Honda Civic US$ 12.000 em 24 parcelas de US$ 500. Resumindo: faz muitos anos que vivemos sob o terror dos sindicatos que acabam trazendo problemas (até psicológicos) para as demais cadeias produtoras, como as indústrias químicas, têxteis e outras.
Fábio Vital -- Concordo com o enunciado, considerando que apesar de garantir importantes conquistas sindicais, numa outra via enxergar a diversidade de segmentos produtivos e das estruturas financeiras que as suportam. Cabe destacar também que a competitividade econômica não acontece sozinha senão atrelada a estruturas de mobilidade urbana, oferta de mão de obra qualificada e muitas vezes especifica, além de espaços físicos para atração de investimentos. No tocante à estrutura de mobilidade, não se veem melhorias substantivas, além da meia sola para melhorar fluxos. Estudos apontam que 4% do PIB é o prejuízo anual da infraestrutura de logística no Brasil, sendo que as empresas gastam 13% de receitas nesse quesito. Quanto à oferta de mão de obra qualificada e especifica, apesar do número de escolas técnicas e universidades na região, percebe-se um descompasso, aliás histórico, entre entes públicos, privados e acadêmicos. Finalmente, quanto à oferta de espaços para o setor produtivo ou adequação de outras áreas ainda não ocupadas, verificam-se no caso de nossa região espasmos muitas vezes publicitários, que não conseguem ter unanimidade dentro dos governos, quiçá fora deles. O modelo "ting ling" no Brasil seria suicídio, embora boa parte de empresas tenha desmontado produção para importação de similares.
José Cláudio Fernandes -- Viajando para o Sul deparei-me com inúmeros outdoors, enormes, oferecendo inúmeras vantagens à instalação de indústrias na região. O problema do ABC não é apenas sindical, mas também a falta de iniciativa dos governantes em segurar as firmas e trazer outras. Na região de Osasco existem inúmeros condomínios industriais. A incubadora de empresas de Santo André, parece-me que só apareceu na propaganda de governo. Essas seriam duas iniciativas que poderiam atrair novas empresas ou ajudar a fortalecer as existentes. Outro detalhe: não termos conhecimento do que é fabricado na região. Falta uma feira de negócios que divulgue não só o que é produzido na região como também a própria região.
Daniel Lima -- É sadomasoquismo tapar o sol do esgarçamento da competitividade industrial da Província do Grande ABC com a peneira do anestesiamento crítico. Gostem ou não os sindicalistas que bravamente ergueram em torno das montadoras de veículos e de grande parte das autopeças uma muralha de conquistas trabalhistas, o mundo mudou e como o mundo mudou, tudo poderá mudar caso não acabe antes. É mesmo muito importante contar com uma força de trabalho de alta escala salarial. Entretanto, não podemos esquecer que, além de desvios e desequilíbrios internos, com a contaminação de setores sem a mesma capacidade automotiva de conquistar privilégios de instâncias governamentais, acabamos perdendo terreno para outras geografias mais maleáveis no tratamento ao capital e ao trabalho. Mais que isso: levamos uma surra de outros endereços nacionais que oferecem qualidade de vida e infraestrutura que nos faltam doidamente. Vivemos encalacrados. Ou assumimos a responsabilidade e as consequências de manter a todo custo as vantagens de salários e benefícios indiretos que veem do passado e por isso mesmo inibem novos investimentos num contexto completamente diferente ou, então, nos sujeitamos à imperiosidade de alcançar nível de reciprocidade operacional que os adversários nos impõem. Não temos saída mesmo num mundo em que as cadeias industriais são uma rede intrincadíssima: ou damos jeito de nos adequar, ou continuaremos a descer a ladeira porque as evasões industriais continuarão a abrir clareiras aos construtores de apartamentos e a estabelecimentos de comércio e serviços de baixo valor agregado que, todos sabem, não são lá essas coisas em matéria de desenvolvimento econômico.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!