Economia

Quem topa reduzir o custo
trabalhista? Vamos lá, Rafael?

DANIEL LIMA - 10/03/2016

Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligadíssimo à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e ao Partido dos Trabalhadores, ainda festeja o convite para integrar o Conselhão da presidente Dilma Rousseff. Conselhão é a marca popular do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado pelo presidente Lula da Silva no primeiro ano de mandato, ideia rebocada das inovações institucionais do prefeito Celso Daniel em Santo André. Pois já que está com a mão na massa num suposto organismo de sensibilização ao governo federal, Rafael Marques não pode perder oportunidade de ouro e provar que é coerente, embora coerência não signifique necessariamente estar no passo certo.

Para defender o PPE (Programa de Proteção ao Emprego), fruto do berçário supostamente protetor dos trabalhadores chamado Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques evocou na mídia algo assemelhado na Alemanha, locomotiva da economia europeia. Trouxe de lá pressupostos de medida que seria a salvação da lavoura no mercado de trabalho nestes tempos de escassez de demanda e de elevação da inflação. A Alemanha é o paradigma dos metalúrgicos de São Bernardo quando se trata de levar vantagem nas relações trabalhistas. Desconsideram o contexto histórico e também as circunstâncias.

Como se sabe e estamos cansados de afirmar, o PPE é uma fraude, porque penaliza sobretudo as pequenas e médias empresas, as quais estão suportando dose complementar de distorções nas relações comerciais com as grandes empresas que adotaram a iniciativa.

Primeiro mundo é outro

Ora, se trouxe da Alemanha, embora completamente fora do contexto microeconômico e macroeconômico, o modelo do PPE, por que Rafael Marques não leva ao Conselhão da Dilma uma proposta de reforma trabalhista do Primeiro Mundo? Não seria justo que o Brasil passasse a integrar a Primeira Divisão Mundial nas relações entre capital e trabalho?

Rafael Marques poderia propor ao Conselhão a adoção gradual mas sustentada de um estudo que acaba de ser divulgado pelo jornal Valor Econômico, o qual dá conta de que carregamos a lanterninha na relação dos encargos trabalhistas sobre salários. Os empreendedores brasileiros pagam quase quatro vezes em encargos trabalhistas o que está reservado aos empresários do G-7, o grupo dos sete países mais ricos do mundo (França, Canadá, Alemanha, Itália, Japão, Estados Unidos e Reino Unido). Enquanto a carga trabalhista verde e amarela em 2015 correspondia a 71,4% do salário dos funcionários, a média do G-7 não passou de 20,2%.

O problema do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que se fia na cartilha de um esquerdismo fora de moda e de lugar, é que prefere mesmo olhar para o comportamento de países emergentes, que enfrentam custos crescentes com encargos trabalhistas. O grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) exibe desempenho de corar de vergonha o resto do mundo competitivo: são em média 35,8% de encargos sobre salários. Ou seja: o Brasil está escandalosamente acima da média do agrupamento do qual faz parte. Mais precisamente, o dobro.

Entraves trabalhistas

Não há estudos específicos sobre os custos adicionais nos salários dos metalúrgicos da região, mas com as chamadas conquistas trabalhistas a partir do sindicalismo de Lula da Silva -- que extrapolaram largamente os referenciais médios brasileiros -- o que temos é sobrecarga gigantesca que ajuda a explicar por que estamos nessa pindaíba de dar dá há mais de duas décadas, com níveis de demissões líquidas muito acima da média nacional e um ambiente inóspito a investidores que tenham o juízo no lugar.

Nunca é demais relembrar que há quase 20 anos se propôs ensaio para debater com um mínimo de razoabilidade ética, de bom senso e responsabilidade social o chamado Custo ABC, sobretudo dos metalúrgicos da região. O encontro de interesses múltiplos, no salão nobre da Prefeitura de São Bernardo, então sob o comando do então petista Maurício Soares, gerou uma das mais importantes reportagens de capa da revista LivreMercado.

De posse de uma planilha repassada por baixo dos panos, expus todas as feridas de custos sobressalentes, principalmente em São Bernardo. Foi o primeiro e último encontro com aquele objetivo. Nenhum outro assemelhado veio depois porque o sindicalismo cutista que propõe nestes dias o aquecimento da fornalha da inflação com novas políticas econômicas ilusionistas, sabotou qualquer iniciativa restauradora da competitividade regional.

Cadê a competitividade?

É claro que Rafael Marques não vai ao Conselhão com uma maleta recheada de estudos que digam respeito ao rebaixamento dos custos trabalhistas no País e muito menos na Província do Grande ABC. Para ele e seus ideólogos, a melhor maneira de proteger os trabalhadores (somente os trabalhadores ainda empregados, é claro) é manter o descolamento entre valores salariais, com os respectivos encargos, e conceitos de produtividade. Competitividade global não consta do léxico trabalhista de Rafael Marques assim como não constou do dicionário corporativo dos antecessores.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – e os demais do entorno filosófico – vive do passado reformista no chão de fábrica no final dos anos 1970, transformado em presente assustador se forem levados em conta vetores de modernidade nas relações entre capital e trabalho.

A reportagem do Valor Econômico publicada na edição de hoje mostra que as desonerações da folha de pagamento promovidas pelo governo federal não contribuíram para reduzir o peso dos encargos trabalhistas no Brasil. O levantamento de uma empresa especializada contou com dados de 29 países, entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento. “As desonerações, como não foram amplamente aplicadas, acabaram direcionadas para determinados setores e apenas uma parcela das empresas se beneficiou, ao menos no período compreendido pela pesquisa, de 2012 a 2015”, afirmou Marcelo Reis, gerente de desenvolvimento de negócios da UHY Moreira-Auditores.

Que completou: “Como a aplicação não foi generalizada, não apareceram os efeitos desejados. Aqui ainda persiste a rigidez extremas das relações trabalhistas”. Para ele, segundo o Valor Econômico, o restante do mundo caminha para uma orientação geral que permite mais flexibilidade no relacionamento entre empregados e empregadores, mas com regulação suficiente para que não haja exploração do trabalhador.

Droga do consumo

A presença de Rafael Marques no Conselhão da Dilma não passa de artifício para acalmar os ânimos da CUT, um dos braços armados de argumentos esfarrapados para tirar o Brasil da encrenca em que se meteu, cuja origem chamei outro dia de ilusionismo do período lulista. Hoje, nos jornais, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, sempre comedido, chama o período lulista de “droga do consumo”.  E explicou: “As pessoas estavam iludidas de que estavam tendo uma melhor vida e acordaram agora com uma situação horrorosa. É como se tivessem tomado droga. As pessoas ficam satisfeitas, alegres com as coisas boas e depois vem o desastre”.

O maior problema do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e que contamina o ambiente produtivo da região porque tem capilaridade para tanto, é que, além dos custos trabalhistas já exorbitantes, acumulavam-se valores sobressalentes dos quais não se abre mão. Mais que isso: pretende-se ampliá-los com modalidades extraoficiais para reduzir o impacto real dos custos – como a participação nos lucros e resultados, mesmo que os lucros sejam uma miragem.

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