Economia

Lula = +32.601
FHC = -82.231*

DANIEL LIMA - 20/03/2007

Descarte qualquer possibilidade de os números acima expressarem posicionamento político-ideológico, como é comum a interpretação de quem vê fantasma da política partidária em tudo. O que apresentamos é simplesmente o resumo numérico de fatos. Está certo que esses fatos têm sim colorações tanto políticas quanto ideológicas. Aliás, a constatação coloca a nocaute argumentos de observadores que entendem que entre os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso e os quatro anos do governo Lula da Silva nada tenha fundamentalmente se alterado no Brasil.

A realidade é a seguinte: com FHC, o Grande ABC perdeu 82.231 empregos com carteira assinada no setor industrial, enquanto que com Lula da Silva ganhou 32.601 postos de trabalho nas mesmas condições legais. Ou seja: enquanto com FHC fechamos por mês o equivalente a uma fábrica de 856 funcionários, com Lula da Silva abrimos uma fábrica com 679 trabalhadores.

Sempre de forma inédita (com direito a cópias bem-vindas das demais mídias), LivreMercado tem acompanhado atentamente o andar da carruagem do emprego industrial do Grande ABC. A comparação entre FHC e Lula da Silva tem sim cunho provocativo. Prova, também com esse indicador econômico, que jamais um governo federal foi tão perverso com a região quanto o do ex-senador da República que, no vácuo do sucesso do Plano Real, em 1994, disparou nas pesquisas e conquistou o primeiro mandato, repetido em circunstâncias econômicas complicadas quatro anos depois com o auxílio do Fundo Monetário Internacional. Pouco depois, em janeiro de 1999, FHC promoveu a desvalorização da moeda nacional.

Números satisfatórios

Será necessário o governo Lula da Silva cometer muitas bobagens para que, ao final do segundo mandato, os resultados do emprego industrial no Grande ABC sejam semelhantes aos de Fernando Henrique Cardoso. Apenas uma catástrofe de cunho provavelmente macroeconômico poderia sugerir que o Grande ABC mergulharia em oito anos tão desastrosos quanto o período 1995-2002. É mais provável que os números finais dos dois mandatos de Lula da Silva em relação aos trabalhadores formais do setor de transformação industrial do Grande ABC sejam menos positivos que os dos primeiros quatro anos.

Há tendência de arrefecimento da atividade industrial por conta dos efeitos deletérios da valorização do real e dos limites da infraestrutura material de um País que investe pouco mais que 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em estradas, portos, aeroportos e ferrovias, entre outros setores. As exportações já não têm o mesmo ritmo, embora ainda sejam confortáveis, enquanto o mercado interno, por conta das dificuldades de crescimento do PIB e do estrangulamento da renda da classe média possivelmente não absorverá no nível desejado os produtos saídos diretamente da indústria automotiva, ainda e largamente a atividade econômica que dá sustentação à região.

A análise do emprego com carteira assinada no setor industrial é um dos dispositivos para entender as diferenças entre o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula da Silva. O setor de transformação industrial é o carro-chefe da economia regional. E desse carro-chefe os vagões mais importantes são a indústria automotiva, formada pelas montadoras de veículos e autopeças, e a indústria químico-petroquímica, em considerável escala também voltada para o setor automobilístico. O Grande ABC vive praticamente sobre rodas, mesmo quando aparentemente imagina que outras atividades industriais acenam com carta de alforria de diversidade.

Setores à sombra

Os setores de comércio e de serviços vivem praticamente à sombra da indústria porque não contam com valor agregado. A intersecção com o setor industrial é rarefeita. Ou seja: indústria, comércio e serviços são espécies de departamentos estanques. A força econômica do Grande ABC está na chamada transformação industrial, da matéria-prima ao produto acabado. E nessa cadeia de negócios a participação direta do comércio e dos serviços é baixa.

Exatamente por isso o emprego industrial é alçado à condição de vetor que contribui imensamente para medir a temperatura econômica da região. É inevitável que tenha correlação com o Valor Adicionado, medida que afere o aumento ou a queda da produção industrial. Não por acaso, o Valor Adicionado do Grande ABC durante o governo FHC foi solapado em mais de um terço, enquanto no governo Lula da Silva recuperou perto de 20%. Os números finais só estarão disponíveis em meados deste ano.

Uma combinação de medidas e omissões nacionais e o quadro internacional cada vez mais interdependente explicam por que o Grande ABC acusou tantos golpes durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A moeda valorizada na adoção do Plano Real e persistentemente em descompasso com a realidade até janeiro de 1999 foi uma catástrofe quando se associou às elevadas taxas de juros para manter a inflação sob controle.

As autopeças familiares do Grande ABC não escaparam da armadilha. A maioria, já endividada e sem liquidez, foi abatida em série ou absorvida pelo capital estrangeiro porque o governo federal rebaixou drasticamente as alíquotas de importação, enquanto protegia as montadoras. A guerra fiscal genuinamente nacional tratou de completar o circo de horrores, ao incentivar investimentos industriais em lugares antes nunca imaginados. O Interior paulista e vários dos Estados da Federação ofereceram vantagens fiscais e locacionais para seduzir montadoras de diversos cantos do planeta, além de muitas autopeças instaladas no Grande ABC.

Explicando melhoras

Já os quatro anos do governo Lula da Silva foram pelo menos razoavelmente respiráveis para um Grande ABC até então asfixiado na medida em que a elasticidade do crédito para consumo do mercado interno amenizou a contínua valorização do câmbio. Com a inflação controlada e em fase de rebaixamento, e os juros obedecendo escalonamento de queda embora aquém do ritmo esperado pelos desenvolvimentistas, completou-se a moldura de uma obra de recuperação econômica atenuadora do passado recente.

A flagrante vantagem do governo Lula sobre FHC no comportamento da economia do Grande ABC também tem aspectos quase acessórios da intervenção do governo federal. Já nos dois últimos anos de FHC o Grande ABC começou a respirar mesmo que timidamente a reversão do quadro de perda de emprego industrial. A explicação, além da desvalorização da moeda, é que os empresários passaram a rearrumar quadros de colaboradores depois de perceberem excessos de corte na fase de reestruturação. Demitiu-se gente demais em nome de modalidades administrativas de nomes pomposos, como downsizing, reengenharia, entre outros.

Outro ponto a ser avaliado é que o período mais incômodo de deserções e de mortandade de indústrias do Grande ABC praticamente se encerrou na virada do século, depois de pelo menos uma década de sangrias desatadas a partir da vitória de Collor de Mello em 1989 para a presidência da República, quando de fato se iniciou para valer o ingresso do País no mundo globalizado. Sem dúvida, o período FHC foi muito mais contundente na prática do chamado neoliberalismo. Especialmente no setor automotivo.

A abertura econômica que incentivou a chegada de novas montadoras e autopeças ao País foi decisão acertada quanto à importância de modernizar a planta produtiva nacional. O Brasil, como afirmou Collor, produzia mesmo carroças. O problema é que o cronograma da abertura dos negócios foi apressado, sem cautela, sem reciprocidade, sem atentar para a guerra fiscal, sem dar-se conta dos insidiosos desequilíbrios regionais que perfilaram milhares de vítimas. Só nos anos 1990 o Grande ABC perdeu 100 mil empregos industriais com carteira assinada.

Mauá é exceção

Município menos dependente do setor automotivo no Grande ABC, por causa da proximidade com o Pólo Petroquímico de Capuava, Mauá conseguiu resistir nos 12 anos dos governos FHC e Lula da Silva, com saldo positivo nos dois períodos. É a única exceção entre 13 dos mais industrializados endereços paulistas (os sete municípios do Grande ABC somados a São Paulo, Osasco, Guarulhos, São José dos Campos, Sorocaba e São José dos Campos). Nos 12 anos FHC-Lula, Mauá contabilizou 5.141 empregos industriais com carteira assinada.

Os demais municípios do G-13 também conseguiram números positivos durante os quatro anos de Lula, depois de igualmente todos perderem a corrida contra demissões no governo FHC, mas na soma dos 12 anos apenas Rio Grande da Serra, Sorocaba, Campinas e Osasco conseguiram saldo positivo.

Os 32.601 empregos industriais com carteira assinada registrados no Grande ABC nos últimos quatro anos significam que, num embate com a Região Metropolitana da Grande São Paulo, registrou 23,35% do total de postos de trabalho da atividade. A RM de São Paulo somou 139.603 empregos industriais. A participação relativa do Grande ABC cai para 8,82% de empregos industriais no Estado de São Paulo e se reduz para 3,07% se o confronto é com o País. O cotejo com o Estado de São Paulo apresenta semelhança com a participação relativa do Grande ABC no PIB estadual, mas no âmbito nacional os 3,07% de empregos industriais formais são mais que os 2,52% do PIB.

Numa disputa doméstica que identifica o emprego industrial com carteira assinada por Município, Diadema leva nítida vantagem ao final de quatro anos do governo Lula da Silva. Beneficiada pela diversidade industrial, mesmo com peso elevado do setor automotivo, Diadema somou 33,38% dos 32.601 trabalhadores que chegaram às fábricas na região. Índice bem mais expressivo que os 14,23% de São Caetano, os 3,74% de Ribeirão Pires, os 10,82% de Mauá, os 16,87% de Santo André e os 19,97% de São Bernardo. A pequena Rio Grande da Serra ficou com apenas 0,96% do total regional.

Realidades distintas

Um balanço do emprego industrial durante o governo FHC mostra que a escalada de corte de pessoal no Grande ABC e também em diversas regiões metropolitanas não foi regra geral. Em oito anos de FHC o Brasil contabilizou saldo de 43.057 carteiras assinadas no setor industrial, ou 5.382 por ano. Já nos quatro anos de Lula da Silva foram 1.061.188 empregos industriais, média de 265.297 por ano. Uma prova provada de que a política econômica dos dois governos tem mais diferenças do que insistem em afirmar tanto economistas consagrados quanto palpiteiros de plantão.

* Matéria publicada na edição de março da revista LivreMercado.



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