A vice-prefeita e secretária de Desenvolvimento Econômico de Santo André, Oswana Fameli, não é a pessoa mais indicada a dar carta de referência deste jornalista. Nossas relações se esboroaram desde que ela assumiu aqueles cargos. A atividade pública tanto pode ser uma vitrine quanto uma vidraça, deveria saber a secretária. Depende do que se produz para a sociedade. Oswana Fameli é, como todos os secretários do setor na região, candidatíssima à espinafração da história. A crise que atinge shoppings centers de todo o Pais, e mais duramente vários empreendimentos na região, situação de caçapa cantada neste espaço, é uma dura lição para Oswana Fameli aprender a distinguir investimento produtivo de investimento consumista.
Em 23 de janeiro de 2012 – portanto há três anos e meio – escrevi um artigo nesta revista digital no qual chamei a atenção de forma explícita à atuação de Oswana Fameli. O título “Veja a receita da vice de Grana para a economia de Santo André” indicava pelo tom relativamente sarcástico o que os leitores encontrariam.
Não vou descer a detalhes porque o texto está indicado logo abaixo, mas alguns pontos precisam ser ressaltados para reforçar de imediato a sintonia daquele artigo com o que li no Estadão deste domingo sob o título “Novos shoppings abertos no País têm quase metade das lojas fechadas”.
Cantando a caçapa de novo
Naquele dezembro de 2012 chamei a atenção dos leitores para algumas frases triunfalistas, quando não irresponsáveis, da vice-prefeita e secretária de Desenvolvimento Econômico do Município do Estado que mais perdeu riqueza nos últimos 40 anos. Comento naquele artigo a repercussão da chegada do Atrium Shopping a Santo André. Alguns trechos da reportagem do Diário do Grande ABC:
Oswana Fameli (...) esteve no espaço e comentou sobre o impacto para a economia da cidade. “É distribuição de renda, receita, emprego e riqueza. Nós precisamos de inovação e tecnologia”.
Descendo um pouco mais os olhos no texto que imprimi para consulta mais cuidadosa, eis o que encontrei como meu contraponto àquela louvação destrambelhada da secretária:
Dizer como disse que um empreendimento comercial, como é o Atrium Shopping, e o entorno programado de hotéis, salas comerciais e torres residenciais significam desenvolvimento econômico, é desconhecer minimamente as matrizes que fazem a diferença. Afirmar, igualmente, que a chegada de grandes conglomerados comerciais, como centros de compras, não afetam o pequeno comércio, também é uma heresia. Tantos os shoppings como os supermercados e mesmo os pequenos mercados de bairros de grandes empreendedores nacionais e multinacionais afetam diretamente a vida dos comerciantes – principalmente os comerciantes de linhagem familiar. Não faltam estudos a respeito -- escrevi naquele final de 2012.
Estadão atrasado mas providencial
Sei lá se a secretária de Desenvolvimento Econômico de Santo André tem o cuidado e a curiosidade de acompanhar o noticiário de jornais, revistas e da mídia eletrônica. Sei lá se leu o Estadão de domingo passado, atrasadíssimo em relação às bolas que cantei aqui neste espaço. Mas está lá, abaixo da manchete de página interna, um enunciado que corrobora inteiramente com a visão dita pessimista, mas que não ultrapassa de linha de realismo fundamentado, deste jornalista:
Uma nova categoria de shopping centers se espalhou pelo País nos últimos anos, com praças de alimentação vazias e tapumes no lugar de vitrines. São os shoppings “fantasmas”. Hoje, quase metade das lojas dos empreendimentos novos, inaugurados a partir de 2012, está fechada. Se considerados todos os 498 shoppings centers em operação, o número de unidades vagas chega a 12,2 mil. Esses pontos comerciais ociosos somam uma área de 1,7 milhão de metros quadrados, o que equivale a 58 empreendimentos do tamanho do Pátio Higienópolis, em São Paulo, ou do Shopping da Gávea, no Rio. (...). A combinação de dois fatores gerou essa situação: o fim da década de ouro do varejo e a construção desenfreada de novos empreendimentos. “Mesmo se a economia não estivesse entrado em parafuso, nós teríamos shoppings com problemas de vacância”, afirma Fábio Caldas, do Ibope, um dos responsáveis pelo estudo. Só entre 2000 e 2015, segundo ele, foram inaugurados 259 shoppings. Muitos foram desenvolvidos por empreendedores que não eram do setor, atraídos pelo desempenho espetacular do varejo. (...) Para o presidente da Alshop, Nabil Sahyoun, esta é a pior crise dos shoppings. “A situação é preocupante com o fechamento de lojas e demissões”, diz – escreveu o Estadão.
Empreendedorismo de raiz
Lembro aos leitores que nenhuma mídia se antecipou à crise nos shoppings, exceto esta revista digital. Embora o nosso foco principal seja a Província do Grande ABC, com especificidades que tornam a crise econômica muito mais aguda que na maioria dos grandes conglomerados humanos do Pais, as análises deixavam claro que os estragos não se restringiriam a esse território. Quem se mantém bem informado, com várias fontes de análises, não se deixa enganar e muito menos -- como agente de interesse público, como uma secretária municipal então incensada pelo Diário do Grande ABC, usa e abusa do direito de vender ilusões.
Pode parecer esnobismo, mas, acreditem, não é: sempre que enveredo nas caçapas cantadas neste espaço de comunicação (outro dia escrevi a respeito do mercado imobiliário) o faço com certa dor no coração. Sou apaixonado por empreendedorismo.
Não à toa comandei a redação da melhor revista regional de economia (e também social) do País durante duas décadas. Sinto dores no peito quando, ao caminhar ou trafegar, observo placas e placas de “passa-se ponto”. Fui criado num ambiente de empreendedorismo. Meu velho pai fez das tripas coração em pequenos negócios para sustentar uma família de oito filhos.
Sofro de verdade – e muito – quando acompanho o noticiário e leio declarações de gente a serviço de interesses escusos ou delirantemente ufanistas. O exagero não está restrito, claro, a uma secretária de Desenvolvimento Econômico, vice-prefeita indicada pela Associação Comercial e Industrial de Santo André. A esculhambação é generalizada com aval de grande parte da mídia imediatista.
Quem fez durante 15 anos seguidos o Prêmio Desempenho, que contava com a categoria “Empresarial” como carro-chefe do projeto, não aceitará charlatanices públicas e privadas para engabelar gente que coloca recursos exaustivamente poupados em empreendimentos fadados ao fracasso. Como o que estamos vivendo em larga escala nesta Província.
Leiam, portanto:
23/11/2012 - Veja a receita da vice de Grana para a economia de Santo André
12/12/2012 - Quantos shoppings cabem na Província do Grande ABC?
23/10/2013 - Shoppings chegam à Província com olhos estatísticos vendados
30/10/2013 - Atrium também chega com muita festa mas repleto de desfalques
21/08/2014 - Atrium Shopping segue à deriva; leilão do Domo é grande fracasso
15/04/2014 - Cinemas não têm potencial para salvar shoppings Atrium e Golden
28/11/2013 - Um mês depois, apenas 14% do Atrium Shopping estão ocupados
22/01/2014 - Está faltando um rolezinho para dar mais vida ao Golden Square
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