Economia

Há vagas no pólo
do desemprego

WALTER VENTURINI - 05/10/2000

Há vagas. São poucas, mas às vezes chegam a permanecer abertas durante meses. O Grande ABC, uma das regiões com mais altos picos de desemprego no País, tem vagas muitas vezes não preenchidas por falta de profissionais qualificados, mas também porque a oferta de salário e de condições de trabalho não agrada aos maiores interessados, os trabalhadores.


Em julho passado, a Central de Trabalho e Renda de Santo André chamou 300 pessoas para 80 vagas de vendedor autônomo. Apareceram 180 candidatos, mas somente seis se dispuseram a trabalhar. Depois de uma semana, apenas um permaneceu no trabalho. A falta de rendimento definido -- era oferecida apenas comissão -- e de benefícios trabalhistas afugentou os pretendentes. Autônomos foram um dos nichos no mercado de trabalho que desconhecem desemprego, mas também não encontram interessados em ocupar as vagas oferecidas.


Outra área onde há emprego é a de telemarketing. Em meados do mês passado, a Central oferecia 39 vagas para operador de telemarketing. Salário? Entre de R$ 230 a R$ 320 mensais. Nesses casos, há muitos interessados, ao contrário de vendedores autônomos.


"O telemarketing é um grande balcão de negócios, com aquecimento de vendas, mas salários não tão significativos. É onde a oferta de trabalho crescerá ainda mais" -- garante o diretor-executivo da Central, Valtenice de Araújo, que estima média mensal de 12 mil  atendimentos de desempregados na entidade e apenas 300 vagas preenchidas no mesmo período. É o retrato da região que em julho deste ano registrou taxa de desemprego de 17,9% da população economicamente ativa, de acordo com a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) levantada pela Fundação Seade, Dieese e Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.


Imagem distorcida


Araújo desmistifica a imagem do desempregado que aceita qualquer coisa para ter uma renda. "Mesmo desempregado, o trabalhador não aceita ficar sem carteira assinada, férias e outros benefícios" -- revela. O caso dos vendedores autônomos é exemplo do critério seletivo de quem busca emprego na região. A Central de Trabalho e Renda dispõe de aproximadamente mil vagas para vendedores autônomos. De acordo com Valtenice, a entidade chega ao ponto de nem divulgar a maioria das ofertas porque não cobrem benefícios mínimos e são rejeitadas pelos que buscam emprego. 


Enquanto o telemarketing tem vagas preenchidas e o segmento de vendas autônomas procura interessados no trabalho, existem outras duas áreas específicas onde o emprego não é tão raro como o estampado nos índices gerais: a dos profissionais liberais e especializados que não aceitam salários abaixo da média de mercado e dos ultra-especialistas, com funções tão inusitadas como seus próprios nomes.


Durante meses uma empresa do Grande ABC procurou um tubeiro, como se chama quem faz tubos de alumínio para moldes de papelão. Rede de supermercados que se instalou na região também andou atrás de açougueiro-chefe, que além de saber destrinchar carnes tem de entender de compras e armazenamentos. As três vagas ficaram abertas durante três meses porque o profissional tinha de ter visão de mercado e fluxo de trabalho, muito além do corte de facas e tamanho da peça de alcatra.


Trabalho artesanal


Expert em montar estruturas de estofamentos, o acolchoador é outro exemplo de objeto do desejo dos empregadores: foi procurado por empresa de móveis por quatro meses. "São funções específicas da indústria de transformação que trabalham de forma artesanal" -- explica Valtenice Araújo.


Outras áreas onde profissionais são cobiçados são as de médicos e engenheiros para grandes empresas. "Nesses casos, não se preenche vaga muitas vezes porque o profissional não aceita a oferta da empresa" -- afirma o diretor da Central de Trabalho e Renda, que tem no cadastro propostas de trabalho para engenheiro eletrônico de projetos, mas com oferta de salário de R$ 1,6 mil.


Com mão-de-obra predominantemente feminina, uma indústria da região tem dificuldade em contratar médico do trabalho com especialização em ginecologista. A empresa não divulga o valor do salário, mas sabe-se que os profissionais que recusaram a vaga o fizeram por considerar o rendimento baixo.


Mudanças e reestruturações provocadas pela nova economia também abriram nichos de oferta de emprego, embora tenham fechado muito mais postos de trabalho do que criado. Existem lacunas para executivos da área industrial em funções que requerem conhecimento de automação de processos. "Na área de administração, precisa-se de gente com visão geral e que saiba como modernizar o setor. Na fábrica, o profissional desejado precisa ter capacidade de ver toda a empresa e não só a área industrial onde se produz" -- explica Carlos Cavalheiro, vice-presidente do Grupo Catho em São Bernardo, procurado por profissionais em número que varia de 10 a 40 por mês.


Preparado para mudanças


O executivo da nova economia tem de estar aberto para as mudanças, conhecer agilização de processos e preparado para colocar a empresa de forma competitiva no mercado, o que nem sempre acontece. Entre jovens profissionais, muitos se satisfazem com a crença de que já se realizaram no mercado e não buscam crescimento acadêmico, nota Cavalheiro.


"Entre engenheiros que buscam a área habitacional percebe-se a carência de atualização pela mesmice das obras, com falhas iguais em todas as construções. Não há aprimoramento, modernização que reduza custos e tempo ou mesmo conhecimentos específicos" -- relata o consultor.


Empresas buscam desesperadamente profissionais que dominem detalhamentos de obras de engenharia, como na  construção de shoppings ou agências bancárias, por exemplo. "São poucos os profissionais que conhecem detalhes de rede elétrica, hidráulica, de telefonia, rede de informática e sistemas de segurança. Não conseguem ter visão ampla desses detalhes" -- explica Carlos Cavalheiro.


Entre os mais velhos, o problema é a incapacidade de se adaptar aos novos tempos, até mesmo em inovações prosaicas. Há profissionais de altíssimo nível sem qualquer familiaridade com computadores e que sequer sabem mandar um e-mail, revela o diretor regional do Grupo Catho, que dá a receita para quem quer se encaixar no mercado: é preciso estar aberto para as mudanças de gestão e de processos, para ajudar a empresa a ser competitiva.


Relações alteradas


As mudanças na economia também alteraram a relação de emprego entre profissionais de nível técnico e operacional. Hoje, uma das ocupações mais procuradas no mercado do Grande ABC é a de cabista, profissional que instala e faz manutenção de cabos telefônicos. Basta ter Ensino Fundamental (antigo Primeiro Grau) completo para receber mensalmente salário de R$ 400. No mês passado, cerca de 30 vagas eram oferecidas na região. "O cabista é o substituto dos técnicos das antigas CTBC e Telesp, que recebiam salários de R$ 1,2 mil" -- conta Valtenice Araújo, da Central de Trabalho e Renda. O rebaixamento salarial fica por conta da privatização, que levou as novas operadoras a enxugar os quadros de funcionários e recorrer à terceirização. "Muitos técnicos montaram pequenas empresas de prestação de serviços que pagam salários baixos" -- detecta Araújo.


Quando se fala em mudanças, a questão da formação profissional é estratégica para se começar a sonhar em resolver a questão do desemprego. Qualificação e requalificação ficam na dependência da estabilidade e do crescimento da economia. "Temos a perspectiva de uma nova crise no horizonte, a do petróleo, e ainda não sabemos como reagirá a economia brasileira com esse eventual choque"  -- teme Valtenice Araújo.


A Central de Trabalho e Renda, mesmo assim, investe na qualificação de trabalhadores. Com verba de R$ 495 mil repassada pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), a entidade abriu 40 cursos e matriculou 4,4 mil alunos que pretende formar com ajuda de 65 professores. Para capacitar o desempregado, a Central tem até equipe de 11 psicólogos, assistentes sociais e pedagogos para combater a baixa auto-estima.


Entre as empresas, várias iniciativas de treinamento são feitas, mas Carlos Cavalheiro, do Grupo Catho, considera que ainda são limitadas. "Quem busca qualificação, faz por conta própria"  -- conta. Entre os motivos para o pouco interesse das empresas na formação profissional estão os altos custos e o problema do tempo a ser investido no trabalho de qualificação e requalificação.


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