Demorou mais de três meses, mas caiu a máscara das pedaladas estatísticas que o ex-presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci, organizou para manipular o mercado imobiliário. O novo presidente da instituição, engenheiro Marcus Santaguita, cumpriu ontem à tarde o ritual de anunciar o balanço do setor no ano passado. Uma missão desagradável em potencial, mas sem contratempos. Ninguém da Imprensa se preocupou com as lambanças do antecessor.
Diplomaticamente, Marcus Santaguita não fez referências às articulações de Milton Bigucci, mas, como em tantas outras oportunidades, porque o assunto é de interesse público, tratei de esmiuçar os números. E afirmo categoricamente: Milton Bigucci deu pedaladas estatísticas no ano passado, como em tantas outras temporadas. Acabou socorrido pela gestão de Marcus Santaguita provavelmente em nome de uma governabilidade corporativa necessária porque mal começou a mudar aquela instituição.
Para entender o caso é preciso atenção. Muita atenção. Atributo que os jornalistas designados a acompanhar as chamadas entrevistas coletivas nem sempre exercem. O cotidiano do jornalismo é massacrante. O senso analítico, então, um desastre. A maioria virou papagaio de pirata dos entrevistados. Quando não, assessores não remunerados. Tudo porque declarações e dados unilaterais viram verdades absolutas.
Artigo desafiador
Num texto que produzi em 11 de fevereiro último (“Lançamentos imobiliários caem 38,6% na Capital. E na Província?”), indaguei sobre a postura do novo presidente da entidade ao encarar as estatísticas fajutas de Milton Bigucci. Sugeri, inclusive, que Santaguita chamasse o ex-presidente para encarar a Imprensa quando do anúncio dos números finais do setor na temporada passada.
Escrevi naquele artigo: “Até o terceiro trimestre de 2015, na ânsia de vender gato por lebre como dirigente de uma entidade que deveria se pautar pela seriedade de informações, Milton Bigucci declarou com entusiasmo típico de vendedor que os lançamentos imobiliários haviam apresentado crescimento de 8%, enquanto no mesmo período, na Capital, a baixa registrada era de 35%. Nada mais coerente em matéria de informação – partindo de quem partiu, claro – escrevi.
O que, então, se deu no anúncio de ontem à tarde do Clube dos Construtores do Grande ABC? Num processo doloroso de tentativa infrutífera de encaixe dos números na bitola do mercado metropolitano e nacional, sob pena de esculhambação geral da imagem da entidade num momento em que novos dirigentes dão novo ritmo à instituição, os lançamentos foram praticamente dizimados no quarto trimestre. Uma maneira de, na soma geral da temporada, os quatro trimestres, os dados não se distanciarem tão escandalosamente do eixo de credibilidade.
Artimanha inútil
Mesmo com essa artimanha, o resultado final da temporada passada nos lançamentos imobiliários da Província do Grande ABC foge à lógica econômica comparativa com a Capital. Enquanto na cidade de São Paulo a queda de lançamentos no ano passado chegou a oficiais 37% (foram 33.955 em 2014 contra 21.445 no ano passado), na Província do Grande ABC a redução foi bem inferior, de 20,38% (de 5.077 em 2014 para 4.042 no ano passado). Ou seja: mais dinâmico e resistente, porque não depende de uma atividade econômica específica, o total de lançamentos na Capital, sempre em confronto com o ano anterior, caiu praticamente o dobro em relação à Província do Grande ABC em larga escala sob os rigores do setor automotivo.
A realidade dos fatos é que Milton Bigucci deixou uma bomba de efeito retardado ao ser substituído no comando do Clube dos Construtores do Grande ABC no início deste ano. Os números específicos e gerais do comportamento do mercado imobiliário da região em 2015 são de inteira responsabilidade do ex-presidente. Como manipulou os dados, o acerto de contas não chegou ao encaixe pretendido. Isso só seria possível se o Clube dos Construtores admitisse falhas metodológicas ou -- num ato extremo -- delinquência ética durante o último ano da gestão de Milton Bigucci. Preferiu-se descartar as duas saídas. A primeira teria sido menos traumática.
Indicador relevante
Quem conhece a capacidade de persuasão do mercado imobiliário no imaginário da sociedade sabe que o número de lançamentos de apartamentos e salas comerciais propagado junto à mídia tem o poder de interferir nas relações econômicas. Encher a bola do mercado imobiliário em situações claramente problemáticas, como foi a temporada passada, é uma forma de enganar o distinto público. Mais lançamentos significam, por indução, mais dinamismo econômico, mais perspectiva de crescimento. Um engodo. O PIB brasileiro caiu 3,8% na temporada passada. O PIB da Província do Grande ABC teria caído mais de 10%. O PIB brasileiro havia crescido mísero 0,5% em 2014. O PIB da Província vem perdendo espaço seguidamente. O mercado imobiliário submerge há quatro temporadas.
Desidratar os lançamentos imobiliários na Província do Grande ABC no último trimestre do ano passado, de forma a adequar os números finais da temporada a uma situação macroeconômica mais plausível, foi uma saída patética, como se vê. Nem com a mágica foi possível sair da arapuca comparativa com a Capital. Quem entende de mercado imobiliário sabe que é impossível, em tempos de paz, São Paulo acusar baixas de lançamentos em maior proporção que a Província do Grande ABC. É isso que dá brincar com coisa séria.
Contrariando o mercado
Para tentar transformar falcatrua estatística em algo menos flagrantemente abusivo, os assessores técnicos do Clube dos Construtores, todos ligados a Milton Bigucci, prepararam patifaria estatística. O período mais fértil a lançamentos imobiliário, o último trimestre de cada ano, sofreu queda de 81% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Foram lançadas na contabilidade fajuta apenas 256 unidades, ante 1.356 unidades no trimestre anterior (julho-agosto-setembro).
Para se ter ideia do quanto a pedalada estatística de Milton Bigucci causou de estragos à nova direção do Clube dos Construtores, basta uma comparação com o número de lançamentos na Capital, confrontando o último trimestre do ano passado com o trimestre imediatamente anterior. Em São Paulo, foram lançados entre outubro, novembro e dezembro de 2015 nada menos que 8.150 imóveis verticais, contra 3.642 do trimestre julho-agosto-setembro. Uma diferença de 55%.
Sendo o mais didático possível: enquanto a manipulada pesquisa de Milton Bigucci acumulou no último trimestre do ano passado uma queda de 82% de lançamentos de imóveis verticais ante o trimestre anterior, a pesquisa do Secovi, produzida por uma empresa especializada, registrou crescimento de 55%, no mesmo período comparativo.
Operação-abafa
Isso tudo significa que a operação-abafa para destruir as marcas das pedaladas estatísticas lideradas pelo então presidente Milton Bigucci, deu com os burros nágua. A incoerência e a inconsistência estão evidenciadas.
Provavelmente o presidente Marcus Santaguita fez tudo para amenizar a situação que apenas este jornalista, que não cai no canto da sereia de triunfalistas como Milton Bigucci, desmascara com provas cabais.
Fosse menos autoritário e não enxergasse a atividade jornalística independente como aberração constitucional que precisa ser punida pelo Judiciário, o empresário Milton Bigucci teria tido a decência de apresentar-se para explicar em qual das duas situações se encaixa a derrapagem estatística: um erro metodológico que não se repetiria mais ou uma deliberada intenção de oxigenar o mercado ao criar uma bolha informativa que, como se sabe, sempre custa muito caro. Como provam liquidações de imóveis a preços de banana. Inclusive do conglomerado MBigucci, do ex-chefe do então Clube dos Especuladores Imobiliários, agora Clube dos Construtores Imobiliários.
Quem é estúpido?
Para dar mais consistência ainda – como se fosse preciso – à sobrevivente incoerência de dados de lançamentos de apartamentos na região e na Capital, o balanço do Clube dos Construtores anunciado ontem registrou queda de 26% na venda de imóveis na temporada passada. Já na Capital do Estado, a queda foi bem menor, de 6,62%.
O empresariado do setor na região seria estupido e suicida se num ambiente em que a desaceleração de vendas foi quatro vezes maior do que na vizinha Capital (26% ante 6,6%) reduzisse em menor proporção o numero de lançamentos (20,38% ante 37%).
Definitivamente, essas que é uma das heranças malditas dos 25 anos de gestão de Milton Bigucci à frente do Clube dos Construtores, se torna o símbolo de uma longa jornada de escandalosas manipulações.
Provavelmente o governo de Dilma Rousseff tenha se inspirado nas peraltices estatísticas de Milton Bigucci, porque essa toada de mentiras em forma de cientificidade estatística vem de longe. Como cansamos de analisar.
Marcus Santaguita não tem outra saída senão acabar com essa farra do boi de números gelatinosos. Nada que não possa se tornar realidade. Afinal, em poucos meses incorporou credibilidade à imagem de uma instituição finalmente sem mandachuva.
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