O impeachment da presidente Dilma Rousseff está engatilhado pelo Senado. O que vai acontecer em seguida é outra história, mas pelo menos de uma situação constrangedora o PT vai se livrar: o estoque de emprego industrial na Província do Grande ABC construído durante a gestão exclusivamente consumista do então presidente Lula da Silva não desaparecerá totalmente durante o governo de Dilma Rousseff simplesmente porque o mandato será abreviado.
Caso não seja impedida de continuar na presidência, a mulher escolhida por Lula para comandar o País chegará ao final do mandato muito provavelmente consolidando uma marca sofrível. Zerar o estoque de emprego do setor mais nobre da economia da Província do Grande ABC não é apenas o resultado de um desastre econômico – é o esgarçamento do futuro de uma região que não consegue atrair investimentos produtivos e com isso sofre de uma enfermidade aparentemente irreversível: a quebra da mobilidade social, que significa o miserável tornar-se pobre, o pobre virar classe média baixa, o classe média-baixa virar classe média-média, o classe média-média virar classe média-alta e o classe média-altar virar rico. O centro do capitalismo industrial do País está-se esgotando lentamente. Só não enxerga quem pensa que enxerga.
A má notícia para a Província do Grande ABC é que Dilma Rousseff e o PT podem salvar a pele de passar pelo vexame de destruir o avanço do emprego industrial com carteira assinada na região. A derrocada retrocederia a mão de obra do setor ao patamar de dezembro de 2002, quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência da República, substituído pelo petista Lula da Silva. A gestão de Fernando Henrique Cardoso eliminou quase 85 mil empregos industriais com carteira assinada. Foi um desastre. Mas o tucano compensou as barbeiragens na região com um legado nacional bem mais palatável do que os estragos petistas.
Aniquilamento provável
Se o PT e Dilma Rousseff podem escapar pela porta dos fundos da fria de aniquilamento do estoque de emprego industrial, a região não está a salvo. É muito provável que, se a cronologia eleitoral for obedecida e as novas disputas pela Presidência da República se realizarem apenas em 2018, o estoque do setor produtivo será de qualquer modo aniquilado. Ou alguém tem dúvida de que os estragos macroeconômicos do PT tomarão forma de metástase até que as águas da recuperação econômica ganhem nova configuração?
Com Dilma Rousseff ou com o vice-presidente que seria elevado à condição de presidente em exercício (Michel Temer), a Província do Grande ABC poderá acusar ao final de 2018 um retrocesso de década e meia no emprego industrial. Durante os oito anos de mandato presidencial, Lula da Silva acumulou 60.563 empregos líquidos do setor industrial na região. Com Dilma Rousseff em 63 meses foram eliminadas 32.860 vagas líquidas. A diferença de 27.703, que é o estoque dos mais de 13 anos de gestão petista no governo federal, significa que há uma banda estreita de 840 empregos industriais como limite à eliminação média mensal até o final do mandato constitucional. Nos últimos 12 meses, entre março do ano passado e março deste ano, o estoque de emprego industrial da região sofreu 25.123 baixas, média de 2.093 por mês. Praticamente três vezes mais que a média prevista até o final de 2018.
Limite de 13 meses
Se seguir nessa toada, em abril do ano que vem o estoque deixado por Lula da Silva estaria zerado. Será que o ritmo de demissões no setor industrial vai ser mantido ou um novo governo retiraria o País do encalacramento e, gradualmente, reduziria a velocidade de perdas de postos de trabalho?
Especialistas acreditam que o Brasil sem Dilma Rousseff e sem o PT ganharia mais fôlego econômico e confiança social, mas o melhor é não apostar todas as fichas nesse cenário. Os petistas dão sinais claros de que não vão aceitar pacificamente a derrubada de Dilma Rousseff. Pretendem reagir nas ruas. Movimentos sociais e sindicatos estão prontos para combater um mandato considerado espúrio de Michel Temer.
Existe uma lógica política que contabiliza a reeleição de Dilma Rousseff como ativo exclusivamente petista, daí a arguição que descredencia a legitimidade de Michel Temer assumir a presidência da República. A retórica petista que descarta Michel Temer ainda não teve um contragolpe à altura, pelo menos para minimizar a ideia padrão de que Dilma Rousseff e o PT ganharam as eleições sozinhos. Não é bem assim.
A diferença de votos a separar a vitoriosa Dilma Rousseff do tucano Aécio Neves foi tão estreita que certamente não se confirmaria sem o suporte do PMDB de Michel Temer e também de ampla aliança no entorno da candidatura petista. Tudo isso – e muito mais – contando com o suporte de financiamento eleitoral que, se descobriu recentemente, completamente fora do trajeto de moralidade pública e dos preceitos legais. Dinheiro desviado da Petrobras, principalmente, alimentou em forma de doações legais agora desqualificadas, as fornalhas da candidatura petista. Não é por outra razão, aliás, que corre no Tribunal Federal Eleitoral uma ação para defenestrar tanto Dilma Rousseff quanto Michel Temer.
Recuperação improvável
A recuperação da economia da Província do Grande ABC passa necessariamente pelo setor automotivo. Entretanto, não há indicativos de que a reação produtiva nas montadoras vai se dar no ritmo de passado recente. A queda de um quarto da produção e de vendas na temporada passada, agravada com novas perdas neste ano, está esgotando a capacidade de resistência de montadoras, sistemistas e autopeças.
O PPE (Programa de Proteção ao Emprego), orquestrado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, beneficia praticamente apenas as montadoras, em detrimento da cadeia de produção. O PPE desequilibra o relacionamento entre fornecedores de autopeças e os sistemistas, grandes empresas que abastecem diretamente as montadoras de veículos.
A combinação de quebra do PIB, desemprego e inflação às alturas é explosiva às pretensões de reproduzir a política de financiamento a perder de vista no setor automotivo. Falta confiança aos consumidores. A dependência exagerada do setor automotivo configura-se Doença Holandesa da região.
A indústria sobrerrodas asfixia as demais atividades produtivas na região entre outros motivos porque o mercado de trabalho acusa as dores de desigualdades de tratamento. Historicamente, quem pretendeu seguir os passos automotivos no campo trabalhista se deu mal.
O mundo automotivo é totalmente diferente dos demais. Há um protecionismo escancarado à atividade, como se vê agora com o Programa de Proteção ao Emprego, que beneficia essencialmente as grandes empresas em dia com obrigações fiscais, as quais estão fora do alcance da quase totalidade dos pequenos empreendimentos.
Batata quente
A Província do Grande ABC gosta de se enganar. O brilho das montadoras de veículos transmite um vício de imagem que o público externo geralmente ignora. Por trás da riqueza que o mundo automotivo exala, com produtos que dominam a imaginação da sociedade, há massacrante maioria de pequenos negócios que vão se desintegrando ante o processo recessivo de um País que não tem a menor ideia da importância do empreendedorismo para o equilíbrio social, tal a devoção ao Estado desastradamente empreendedor. Os estragos na Petrobras são emblemáticos da incapacidade de o Estado entender as armadilhas da competição.
O excepcional crescimento de receitas federais durante o boom das commodities virou passado. Acabou a farra fiscal. Quem achar que estará livre dos ajustes que virão, não sabe da missa um terço. A Província vai sofrer por mais tempo as consequências de fiar-se demais na riqueza automotiva, sequestrada por um sindicalismo que só enxerga o próprio nariz político, ideológico e partidário.
Preparem-se porque, quando forem anunciados os dados de emprego industrial deste mês, em meados do mês que vem, a batata estatística de Dilma Rousseff, que provavelmente já não estará no Palácio do Planalto, vai queimar as mãos de Michel Temer.
Lula da Silva, esperto como é, quando se dirigir ao povo brasileiro, provavelmente numa próxima disputa presidencial, vai excluir o período de Dilma Rousseff do legado petista que se se esvai, porque foi concebido como castelo de areia. Ou alguém tem dúvidas, por exemplo, de que a chamada nova classe média não passou sempre e sempre de uma balela bem orquestrada por marqueteiros que conhecem a capacidade infinita da mídia em aceitar bobagens sem reagir?
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