Sobrou para o engenheiro Marcus Santaguita, recentemente eleito presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores (Acigabc), colocar na trilha da responsabilidade social as informações sobre o mercado imobiliário da região. Espera-se para os próximos dias os catastróficos dados do balanço do primeiro trimestre deste ano – mais graves que os 12 meses da temporada passada que, por sua vez, foram piores que no ano anterior. Santaguita pegou o rabo de foguete de uma entidade que durante um quarto de século foi manipulada em termos estatísticos pelo então presidente Milton Bigucci.
O ex-presidente do Clube dos Construtores prestou tanto desserviço à sociedade que consome informação e que tem no setor imobiliário um dos pontos nucleares de qualidade de vida que agora Marcus Santaguita e novos dirigentes terão de tomar todos os cuidados possíveis para interromper a pirâmide de declarações descoladas da realidade. Não existe a menor possibilidade de mais uma vez o balanço imobiliário caminhar para um terreno de fertilidade quanto todo o resto da economia regional -- ou melhor dizendo, a essência da economia regional -- está ladeira abaixo.
A corrente da felicidade do mercado imobiliário entrou em parafuso e deixa, na região, milhares de vítimas. Jogaram às alturas os preços de imóveis novos e usados com o suporte da entidade oficial da categoria. Não contamos com uma sociedade suficientemente preparada para decifrar o jogo profissional dos especuladores imobiliários. Quando a orquestração é institucionalizada por uma entidade de classe, os estragos são retumbantes. Poucos tinham conhecimento de que a Acigabc era formada por um grupinho de construtores que, por ser grupinho, estava a léguas de distância da representatividade sugerida. Agora, sob nova direção e representatividade de várias outras empresas, muito acima do círculo de relacionamentos da MBigucci, tudo indica que a entidade vai entrar nos eixos inclusive estatísticos.
Independência informativa
Quem acompanha esta revista digital e também a mídia regional sabe que aqui está o único endereço de jornalismo que teve a ousadia – para os detratores, claro, porque se trata de obrigação funcional – de alertar sobre uma das faces da bolha imobiliária que atinge a região desde muito tempo. Produzi desde 2010 o total de 22 matérias específicas sobre o assunto. Fui escorraçado pelos bandidos sociais. Eles tornaram o mercado imobiliário campo de manobras escusas, à custa da população. Os bons empreendedores do ramo preferiram o silêncio ou o apoio nos bastidores, igualmente indignados com individualismos sem controle. Há certos limites éticos que não podem ser rompidos, sobretudo numa entidade de classe. Muito drama social que se observa hoje na região na área imobiliária deve-se à irresponsabilidade de vender gato de excesso de oferta por lebre de valorização do mercado.
Ao final deste texto vou sugerir a leitura de algumas análises que produzi, quando alertei sobre o que ocorria na região enquanto o presidente do então Clube dos Especuladores Imobiliários, Milton Bigucci, ocupava os jornais para divulgar dados e avaliações extraordinários de desempenho do setor. Milton Bigucci fez da entidade correia de transmissão de propaganda que ofendia a realidade contextual dos fatos. As pedaladas informativas, especialidade de Dilma Rousseff, um dia também seriam desmascaradas.
Há mais de seis anos, em 26 de abril de 2010, quando o PIB do Brasil cresceu 7,0% à custa de commodities, principalmente, escrevi o artigo “O que esperar de lobos que tomam conta do galinheiro?”. Alguns trechos que selecionei expõem a centralidade de minha inquietação:
Quem acha que apenas os jornais regionais se submetem ao lobby econômico do mercado imobiliário não conhece da missa de mistificações um terço das manobras. O dirigente classista Milton Bigucci, conhecido no Grande ABC porque ocupa a presidência da Acigabc, entidade que supostamente reuniria construtoras, administradores e imobiliárias, é um filho do esquema nacional de industrialização de dados geralmente nebulosos preparados sob medida para dourar a pílula da atividade. Milton Bigucci reza pela mesma cartilha de megadirigentes e consultorias do setor. A embromação faz parte do show. (...). Ainda estamos distantes do que ocorreu nos Estados Unidos, onde a bolha imobiliária está na raiz da crise financeira internacional que abalou as estruturas de grande parte da economia real. Nem chegaremos a tanto, porque reunimos alguns contrapesos tanto no sistema financeiro quanto nos mecanismos de financiamento imobiliário, além de tantos outros ingredientes que diferenciam os dois países na modalidade. Mas não falta sem-vergonhice. Fico na dúvida se há dolo ou incompetência. De vez em quando me bate uma porção de ingenuidade, apenas isso – escrevi, entre outros parágrafos, naquele abril de 2010.
Mais inquietação
Pouco mais de três anos depois daquele texto – intervalo que contou com muitas outras abordagens do setor imobiliário – escrevi “Nichos, micos e bolha: o que é mais importante no mercado imobiliário”. Transporto alguns trechos para este artigo:
(...) Independente de aspectos defensivos e de pontos cortantes sobre a existência ou não de bolha imobiliária no País, é que nichos e micos são irrebatíveis. Aqui na Província sou capaz de apostar com base em observações pessoais e atentas informações de fontes do setor imobiliário que há muito mais micos do que nichos. A tradução é que há mais lançamentos de apartamentos e de salas comerciais que têm tudo para dar com os burros nágua do que apartamentos e salas comerciais cujos estoques desovariam num piscar de olhos. E que sejam bons negócios aos investidores. Os micos são tão abusivos que basta a chegada da noite, da novela das nove, das luzes das salas de estar apagadas em torres de apartamentos há muito liberados a condôminos, para se inquietar. A verdade não aparece nas estatísticas de entidades empresariais manipuladoras de informações. Caso do Clube dos Construtores do Grande ABC – escrevi em julho de 2013.
Liberdade de expressão
Poderia recorrer a muitas outras análises que produzi nos últimos anos e que ajudam a entender as razões que levaram o empresário e então dirigente classista Milton Bigucci a mover ações civis e criminais contra mim, utilizando-se do poderio econômico de milionário e de privilegiadas posições em esferas dos poderes.
Nadei contra a maré dos oportunistas e dos irresponsáveis sociais. Ou alguém é capaz de negar que a onda triunfalista que tornou o mercado imobiliário portento muito acima da sustentabilidade econômica resistiria às barreiras que mais dia menos dia seriam instaladas pela ordem natural das coisas? Os distratos e a queima sucessiva de estoques a preços muito abaixo de unidades comercializadas em outros tempos estão aí como prova provada de que houve desordem generalizada na condução da macroeconomia nacional tanto quanto na microeconomia imobiliária.
O artigo que o novo presidente do Clube dos Construtores assinou na edição de domingo do Estadão, que trata dos distratos imobiliários, mostra o quanto aquela associação mudou de figurino e de essência –não é por outra razão, aliás, que seus dirigentes são rigorosos críticos do presidente que foi apeado do cargo diplomaticamente.
Santaguita é diferente
Comedido, esclarecedor, preocupado, Marcus Santaguita não desfilou a arrogância do antecessor. Só cometeu um pecado, compreensível para manter a harmonia na instituição que dirige com novos representantes do setor: omitiu um vértice do processo emulador da desgraceira destes tempos de excesso e também de desistência de compra de apartamentos e salas comerciais: o propagandismo de vendedor do presidente que o antecedeu. Milton Bigucci utilizou a mídia em geral para engatar seguidas declarações que botaram fogo na canjica da especulação imobiliária.
O bom senso foi atirado à escanteio em nome do aquecimento insustentável da atividade. Como o tempo provou. E, desculpem a falta de modéstia, este jornalista antecipou sempre com fundamentação técnica. Algo que, quem vive também de artimanhas, detesta e quer calar a qualquer preço na esfera judicial -- porque sabe que não existe a menor possibilidade de encontrar receptividade em qualquer outra tentativa, exceto em responder às perguntas das quais sempre fugiu em sete tentativas documentadas nesta revista digital.
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