O supervisor de produção Francisco Alci da Silva passou o reveillon de 2002 sentado em frente a uma fogueira na Moferco, metalúrgica de Diadema que produzia painéis elétricos, caixas de passagens e luminárias. O proprietário havia decidido fechar a empresa sem pagar aos 58 funcionários os salários de dezembro, além do 13º. Um ano de lutas e intensas negociações depois, os trabalhadores conseguiram retomar a produção sob regime de autogestão. Francisco Silva é agora presidente da Uniferco, cooperativa que passou a funcionar no prédio da Moferco com os mesmos equipamentos. O que muda é a disposição dos 40 cooperados de voltar ao mercado.
A antiga Moferco fechou as portas em 19 de dezembro de 2002. Os trabalhadores ficaram oito meses acampados no galpão para evitar que o maquinário fosse retirado sem o pagamento dos salários e outros direitos trabalhistas. A empresa chegou a ter 250 funcionários e terminou com 58. Mesmo nos últimos meses o faturamento mensal girava em torno de R$ 400 mil com vendas de luminárias à rede pública, caixas de passagens e painéis elétricos em alumínio fundido. A carteira de clientes reunia mais de 450 prefeituras e grandes empresas, entre as quais a gigante Petrobras. Parte dos produtos era destinada a áreas de segurança máxima como plataformas de petróleo.
Francisco Silva sempre confiou que a Moferco era empreendimento viável, num mercado com poucos concorrentes e clientes pelo Brasil inteiro. "Dá para dizer que a empresa não tinha vendedor, mas tirador de pedido, pois eram os clientes que ligavam para comprar nossos produtos" -- relata o presidente da cooperativa. Durante os oito meses em que acamparam no galpão, foram inúmeros os telefonemas atendidos pelos metalúrgicos com pedidos para vendas que não aconteceram. A cada ligação fortalecia-se a convicção de que era possível resgatar a produção, recuperar antigos clientes e partir para a experiência de gerir o próprio negócio.
Sindicato dá suporte
A criação da cooperativa surgiu num processo prolongado, que contou com apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A entidade tem estimulado a formação de empresas autogestionárias como forma de garantir postos de trabalho. "Buscamos ajuda do sindicato, que nos ofereceu o Departamento Jurídico para acompanhar o caso" -- conta Francisco Silva. Dois meses depois do fechamento, em fevereiro de 2003 os trabalhadores conseguiram na Justiça o arresto das máquinas como garantia do acerto das dívidas. Passariam a ser fiéis depositários do equipamento, que poderia ser utilizado para a retomada da produção. Era o primeiro passo rumo à cooperativa, criada em 13 de junho de 2003.
Com apoio do sindicato e do vice-prefeito de Diadema, Joel Fonseca, então secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Diadema, começaram as negociações com credores. Foi assim que se conseguiu a religação da água e das linhas telefônicas, como também a renegociação das dívidas de aluguel do prédio. A imobiliária concordou em dar à nova cooperativa um período de carência. O aluguel voltou a ser pago em dezembro de 2003, assim que foram realizadas as primeiras vendas da nova empresa. Pagamentos das contas de luz também foram retomados.
As primeiras encomendas vieram de quatro antigos clientes que acreditaram na cooperativa. Foi o suficiente para, além dos primeiros pagamentos de contas, adquirir matéria-prima. A produção está em torno de 5% do normal e permite à Uniferco montar estoque de produtos. Em janeiro último foi possível retomar contato com outros clientes, com a quitação das contas de telefones. "Nossa meta é fazer caixa até março para atender a pelo menos 50 clientes e comprar matéria-prima, porque mil quilos de lingotes de alumínio custam R$ 5 mil" -- explica José Mourão, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos encarregado de acompanhar a formação e consolidação da cooperativa.
Dinheiro começa a entrar
O dinheiro começou a entrar no caixa da Uniferco em dezembro de 2003 e seus associados ficarão até março próximo sem fazer retiradas, como são conhecidas as remunerações mensais dos cooperados. Durante todo o período de formação da Uniferco, a sobrevivência dos trabalhadores foi garantida por meio de um movimento de solidariedade do qual participaram o Sindicato dos Metalúrgicos e cooperativas como a Uniforja, também de Diadema, que garantiram cestas básicas. A Justiça também liberou o seguro-desemprego dos antigos funcionários da Moferco. Nesse período, uma empresa concorrente chegou a oferecer lote de 40 cestas básicas em troca de um molde de peças que custava cerca de R$ 50 mil.
Desde a criação da cooperativa, os associados iniciaram mutirão de limpeza e reforma no galpão, que foi pintado e teve a linha de produção reorganizada em formato mais racional e econômico. "Só o fato de o pessoal ter uma atividade já nos animava. Com a fábrica mais bonita, melhorou a auto-estima de todos" -- garante José Mourão, diretor do sindicato. Outro reforço no moral dos associados foi servir pão e café três vezes aos dia, a partir de dezembro último. "Foi algo simples, mas muito importante porque o pessoal sabia que aquele café era pago com o primeiro dinheiro que estava entrando na cooperativa" -- garante o sindicalista.
Com a reforma e reorganização do local de trabalho, os sócios da Uniferco partem agora para outra batalha: a obtenção de certificados de qualidade. "Antes, nosso produto era qualificado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial) para plataformas de petróleo e petroquímicas. Agora, como somos outra empresa, teremos de conseguir a certificação novamente, assim como a ISO 9000" -- aposta o presidente Francisco Silva. Só o certificado da caixa para painel elétrico custa R$ 20 mil. O esforço vale a pena porque sem certificação o produto é vendido a R$ 1,5 mil. Com o selo do Inmetro, passa a custar R$ 5 mil.
Formação dos cooperados
Outro investimento em andamento é na formação dos cooperados, que já não são mais empregados e precisam incorporar a cultura de gestão compartilhada do negócio do qual passaram a ser donos. Francisco Silva, o presidente da Uniferco, já fez curso de gestão com duração de três meses, patrocinado pelo Sindicato dos Metalúrgicos, com outros colegas da cooperativa. Ele defende que todos os cooperados passem pelo processo de formação. "A cultura do trabalhador brasileiro é de entrar no serviço, receber ordem, produzir e esperar o dia 10. Quando vem o cooperativismo, isso dá um nó porque muda tudo" -- explica o agora empreendedor Francisco.
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