Está surgindo algo de novo no universo empresarial historicamente fragmentado do Grande ABC: cansados de conviver com problemas estruturais inconcebíveis nestes tempos de competição global, empresários e executivos do Bairro Cooperativa — principal reduto industrial de São Bernardo — começam a se organizar em bloco para superar obstáculos comuns. E tão importante quanto a capacidade de deixar diferenças de lado é o notável senso de planejamento.
Representantes de empresas como Otis, Oxigen, Basf, Makita, Penazzo, Alumbra e Carbono estão se unindo para elaborar plano diretor com as principais reivindicações voltadas à competitividade sistêmica. Questões relacionadas a saneamento básico, infra-estrutura viária, segurança e suprimento de serviços essenciais farão parte de um documento que deve ser finalizado e encaminhado ao poder público até o final deste ano.
O levantamento das necessidades empresariais será encomendado a uma empresa independente especializada em pesquisas, cuja contratação está programada para 60 dias. “Assim, garantiremos transparência e credibilidade ao trabalho” — explica Silvana Ratto, diretora da Oxigen, especializada em soldas especiais, coordenadora do chamado GT (Grupo de Trabalho) Bairro Cooperativa, que conta com respaldo do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado) em São Bernardo.
Dramas antigos
A iniciativa confirma a tese segundo a qual atores socioeconômicos se solidarizam principalmente pelo amor ou pela dor. Os problemas do único distrito eminentemente industrial da cidade são antigos, praticamente desde que começou a ser ocupado entre as décadas de 70 e 80. Mas os empresários começaram a se unir apenas recentemente motivados pelo anúncio de que o Estado pretende construir ali um CDP (Centro de Detenção Provisória). “O CDP foi o grande inspirador deste grupo” — afirma Roberto Giannini, diretor da empresa química Carbono e um dos líderes do grupo. Ele reconhece que o centro de detenção concebido para esvaziar as delegacias de polícia não poderia mesmo ser construído no Centro da cidade ou em qualquer bairro populoso, como esperneou a população de São Bernardo.
Mas Giannini julga a escolha do distrito industrial inadequada porque a rotina produtiva será agudamente afetada. “O incremento do fluxo de pessoas em torno do CDP comprometerá ainda mais a fluidez do sistema viário, que já é deficiente no bairro. Além disso, a perspectiva de rebeliões é extremamente danosa porque o fechamento das vias de acesso levaria ao engessamento do fluxo de fornecedores que alimentam as atividades industriais do Cooperativa. A saída menos dolorosa do ponto de vista eleitoral não é a mais indicada sob a ótica do desenvolvimento sustentado” — argumenta.
Cenário surreal
O CDP é apenas a ponta de um iceberg de obstáculos que ganharão contornos precisos e tratamento estatístico no projetado documento propositivo. Há problemas inimagináveis que transformam o Bairro Cooperativa num cenário surreal para quem precisa produzir com eficiência e tranquilidade diante de competidores muito bem aparelhados no Interior do Estado.
O abastecimento de água pelas vias normais da canalização ainda não chegou a essa zona industrial localizada à margem da Rodovia dos Imigrantes, na divisa com Diadema. Isso mesmo: a rede de água e também de esgoto não contempla o principal reduto industrial da quarta cidade mais importante do Estado, reduto que reúne estimadas 100 indústrias responsáveis por 10 mil funcionários.
Para contornar essa deficiência básica, as empresas são obrigadas a investir em sistemas próprios de captação ou solicitar atendimento constante de caminhões-pipa. A Carbono supre as próprias necessidades com captação em um aquífero a 110 metros de profundidade. Já a Oxigen, que não dispõe de demanda que justifique investimento em captação, é obrigada a abastecer-se diariamente de caminhões-pipa, como se vivesse em eterno racionamento.
Isolamento comprometedor
A mesma auto-suficiência se faz necessária no tratamento de esgoto, ponto nevrálgico especialmente para companhias envolvidas com procedimentos da norma ISO 14000 de segurança ambiental. Empresas de grande porte como a Carbono investem em sistemas próprios de tratamento, enquanto outras mais modestas como a Oxigen trabalham com fossas sépticas periodicamente esvaziadas por caminhões.
O problema é que essas soluções alternativas representam custos extraordinários e dispêndio de energia que poderiam estar sendo canalizados para a atividade principal. “É preciso perfurar o poço, instalar bomba, sistema de controle e manter funcionários para cuidar de um serviço que deveria ser oferecido pelo governo” — comenta Roberto Giannini. “Isso sem falar da dor de cabeça com a burocracia no caminho das licenças necessárias” — comenta Silvana Ratto. Ela conta que empresas como Basf e Alumbra já começam a ser afetadas pela perda de vazão dos próprios sistemas a ponto de terem sido obrigadas a perfurar o mesmo poço duas vezes.
Antes mesmo do documento, o grupo começou a agir. Em meados do mês passado representantes de cerca de 20 empresas se reuniram com técnicos da Sabesp para expor a situação. “Eles ficaram surpresos ao saber que o bairro não tem a mínima infra-estrutura de água e esgoto” — descreve Silvana Ratto. “Já havíamos feito contato com o DAE (Departamento de Água e Esgoto) na época em que o serviço era municipalizado, para o qual propusemos parceria para os investimentos necessários em infra-estrutura. Não houve acordo e agora estamos propondo aliança com a Sabesp” — explica a empresária.
Energia insuficiente
Na tarde do mesmo dia em que se reuniram com técnicos da Sabesp, os empreendedores tiveram encontro com técnicos da Eletropaulo para tratar de outro problema estrutural que afeta o distrito: deficiências no suprimento de energia elétrica. A principal queixa está relacionada a frequentes quedas que atingem sobretudo empresas instaladas em final de linha, isto é, nas extremidades da rede de distribuição.
Além de transtornos à produção, quedas na rede de distribuição significam prejuízos na conta energética. A força adicional necessária à retomada pós-blecaute faz com que seja extrapolado o consumo pré-contratado, o que obriga as empresas a pagar multas por quebra de contrato. “Além disso, existe o problema grave de roubos de cabos fio-terra da rede pública. Com há demora na reposição pela concessionária do serviço, as empresas ficam vulneráveis a raios” — lembra Silvana Ratto.
Viário estrangulado
As limitações do sistema viário também ganharão capítulo especial no plano diretor. As ruas e avenidas do Bairro Cooperativa são demasiadamente estreitas para o tráfego intenso de veículos pesados. “Quando dois caminhões precisam passar pelo mesmo ponto, um é obrigado a parar e esperar o outro” — comenta Silvana. Mas esse não é o único problema. “Na Sadae Takagi, uma das vias principais, os postes ficam praticamente no meio da rua. Quem faz uma curva dá de frente com um poste” — ironiza Roberto Giannini.
A intervenção viária mais urgente seria a duplicação da Estrada Samuel Aizemberg — endereço de grandes empresas como Basf — que liga a Rodovia dos Imigrantes à Avenida Humberto de Alencar Castelo Branco. Como a avenida fica completamente congestionada no final do dia, bandidos aproveitam para fazer arrastões em motoristas.
Como a duplicação é alternativa nem sempre viável pela falta de espaço, Roberto Giannini sugere que o poder público estude a conversão de ruas e avenidas em mão única para aumentar a fluidez. “Como dizem no Interior, uma que vai e outra que vorta” — brinca. “O fundamental é ter o comprometimento e o apoio das autoridades para resolver não apenas este, mas todos os problemas” — considera o executivo, que cita a falta de coleta de lixo e a escassez de transporte público como outros entraves estruturais no alvo da mobilização.
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