Economia

Aproximação em
dias de tormenta

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/06/2004

A subsidiária brasileira da Volkswagen terá que superar pelo menos três grandes desafios para replicar no Grande ABC o sucesso que o Autovisão exibe na Europa. O primeiro  diz respeito ao raio de interferência político-eleitoral a que esse projeto de recolocação profissional está exposto. Na Alemanha, as negociações foram conduzidas entre a matriz e a Prefeitura de Wolfsburg, enquanto no Grande ABC será necessário conciliar interesses de sete entes municipais historicamente conflitantes. O segundo desafio diz respeito ao fato de a recuperação de Wolfsburg ter contado com gordos recursos financeiros do poderoso Estado alemão, enquanto a calamitosa situação fiscal brasileira dispensa comentários. Além disso, as soluções de lá não cabem aqui, porque as realidades regionais são bem diferentes.


Essas são as principais conclusões do primeiro encontro entre executivos da Volkswagen e representantes públicos do Grande ABC, realizado no último dia 20 no Hotel Mercure, em Santo André. O diretor do Autovisão brasileiro, Roberto Barretti, contou que entre 1997 e 2003 o nível de desemprego na região de Wolfsburg foi reduzido de 18% para 7% como resultado da parceria firmada entre Volks, Prefeitura e comunidade para criação de novas empresas e reinserção de desempregados. O esforço conjunto resultou na criação de 15 mil postos de trabalho, o que ajudou a elevar em 67% a capacidade econômica daquela região, de acordo com o executivo.


A reviravolta relatada por Barretti dependeu de uma condição escassa no Brasil engessado por alto nível de endividamento e pelo ajuste fiscal: financiamento público. Ele lembrou que o Estado alemão entrou com boa parte dos recursos necessários à implementação das empresas responsáveis pelos novos postos de trabalho. “Na Alemanha o salário-desemprego é integral. Em consequência, o custo público para manutenção do desemprego é extremamente alto, o que fez com que o próprio governo tivesse interesse em participar financeiramente” — comentou. “Metade dos recursos do Autovisão alemã veio da Volks e outra metade da comunidade e do Estado” — detalhou o executivo.


BNDES na mira


O Brasil se encontra a léguas do Estado-do-Bem-Estar europeu que resiste bravamente à globalização, mas a Volks já sabe em que porta bater para implementar o plano destinado a absorver a mão-de-obra excedente nas plantas de São Bernardo e Taubaté: o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). “Fizemos uma reunião com o Darc Costa, vice-presidente do BNDES, na qual o banco assumiu o compromisso de que, se levarmos projetos sustentáveis, geradores de postos de trabalho e renda, teremos a aprovação deles” — relatou Barretti, como se o papel do banco oficial não fosse justamente o de apoiar projetos sustentáveis e geradores de trabalho e renda. Se recursos governamentais de fato vierem, não será o primeiro empréstimo público a uma causa da Volks. A modernização da cinquentenária planta de São Bernardo contou com amplos recursos do banco federal.


Outra realidade


A conclusão de que as soluções aplicadas na Alemanha não servem para o Grande ABC tornou-se clara pelo relato de Roberto Barretti. Ele contou que Wolfsburg fica no meio do nada, afastada 100 quilômetros de Hannover a oeste e a 130 quilômetros de Berlim a leste. Como os trabalhadores de Wolfsburg migravam para essas duas megacidades na hora de gastar o dinheiro, a cidade padecia com a evasão de divisas. “Isso formou um ciclo vicioso e a cidade definhava cada vez mais economicamente” — afirmou o executivo. Ele citou que boa parte do sucesso do Autovisão em Wolfsburg pode ser creditada ao desenvolvimento de empresas de serviços, de lazer, restaurantes e cinemas que, além de criarem novos postos de trabalho, permitiram que os recursos pudessem circular localmente.


No Grande ABC a situação é inversa. A região já conta com oferta cósmica de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, impulsionada pela onda de empreendedorismo forçado protagonizada por desempregados industriais em busca de alternativas de subsistência. O que faltam são novas fontes de recursos para azeitar essa engrenagem terciária superdimensionada numa região em que mais de 100 mil empregos industriais com carteira assinada foram ceifados na última década.


Imprensa fora


Embora a imprensa tenha sido impedida de testemunhar o debate entre executivos da Volks e representantes públicos — apenas a exposição introdutória foi liberada —, informações dão conta de que os próprios prefeitos perceberam as inconformidades da aplicação do modelo alemão no Grande ABC. Ficou o plano de criar um grupo de trabalho — mais um — para levar propostas aos executivos da Volks. Luiz Tortorello, de São Caetano, William Dib, de São Bernardo, e Oswaldo Dias, de Mauá, mandaram representantes ao evento, que também contou com membros do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.


O debate entre a Volks e os prefeitos começa a dar os primeiros passos no momento em que boa parte do problema alegado já foi equacionada. Gerente executivo de Relações Trabalhistas da Volks, Adilson Zanoni conta que dos 1,9 mil excedentes da lipoaspirada fábrica Anchieta, cerca de 1,2 mil já se desligaram motivados pelo pacote de benefícios com 20 salários. A maior parte dos outros 700 excedentes participa de cursos no Centro de Formação e Estudo e parcela menor está em licença remunerada. 


O repentino interesse da montadora em somar esforços pode estar sendo movido pela constatação de que o número de empregados sobressalentes em São Bernardo — que já reuniu 45 mil trabalhadores e hoje tem 12 mil — supera ou superará em muito os 1,9 mil excedentes formais esquadrinhados no Autovisão. 


Há indicações de que a sociedade regional pode estar sendo preparada para novos terremotos econômicos no horizonte, sobretudo ao lembrar das palavras do ex-presidente da Volks Herbert Demel, segundo o qual a linha de produção do último lançamento Polo operaria tranquilamente com apenas seis mil empregados, metade do quadro atual. “Em 1997, tínhamos um mercado de mais de dois milhões de veículos e projetava-se um cenário de três milhões para 2000. A realidade cortou a expectativa pela metade. A fábrica Anchieta chegou a montar 2,4 mil veículos por dia nos bons tempos, mas hoje a produção conjunta das fábricas de São Bernardo, Taubaté e São José dos Pinhais não atinge aquele patamar” — observou Adilson Zanoni sobre as dificuldades estruturais do País combinadas com perdas no market-share da marca. 


Universidade do Empreendedor


Não é por acaso que a Volks é uma das apoiadoras do projeto Universidade do Empreendedor, cujo protocolo de intenções foi assinado no último dia 24 por representantes do Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo), Instituto JK, das empresas Eletra e Pem Engenharia e pelo deputado federal petista Vicentinho Paulo da Silva, além das universidades Uniban, Metodista e FEI.


Trata-se de um projeto ambicioso para formar 1,8 mil empreendedores por ano em cursos rápidos de três a seis meses nas áreas de indústria, comércio e serviços, e que levaria 18 meses para ser estruturado. A Universidade do Empreendedor, porém, esbarra em obstáculos básicos: ainda não foram definidos local nem fontes de recursos necessárias à concretização de um sonho orçado em R$ 26 milhões. “Pode parecer utopia, mas vamos tirar esse projeto do papel (...). Aquele que nasceu sem um sonho já nasceu velho” — filosofou o presidente do Instituto JK e ex-ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira. 


Na mesma tarde em que a Universidade do Empreendedor era exaltada no Hotel Pampas Palace, representantes da Agência de Desenvolvimento do ABC reuniam-se para assinatura de convênio com o Sebrae-SP para liberação de R$ 1,7 milhão a ser investido nos chamados APL (Arranjos Produtivos Locais) de indústrias plásticas, autopeças e ferramentaria. Mais um projeto a conferir.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000