Economia

Legítima defesa
para o pequeno

WALTER VENTURINI - 05/07/2004

Oito pequenas lojas de material de construção de Diadema apostam que a união não só faz a força como representa a última saída para enfrentar a concorrência de grandes redes varejistas do setor, os chamados home centers. Atendimento personalizado, variedade de produtos e muita solidariedade estão entre as vantagens que a recém-criada Rede Mãos à Obra conta para conquistar clientes cada vez mais exigentes. A iniciativa representa também um exemplo de resistência do pequeno varejo regional, que precisa inovar para se manter no mercado.


Telefone e espírito associativo foram as primeiras ferramentas da Rede Mãos à Obra. Quando Luiz Antônio Martins Vaz, do Depósito Aquarela, na Vila Élida, não tem um produto para atender ao pedido do cliente, telefona a colegas do ramo como Paulo Itiro Yoshino, do Depósito Inter Pedras, no Centro de Diadema. Foram práticas como essa que levaram os dois, com outros seis comerciantes, a estruturarem no final de 2003 a Associação das Lojas de Material de Construção de Diadema e Região, denominação oficial da Mãos à Obra.


A solidariedade natural se transformou em associativismo. Mais do que ceder produtos para atender a demanda, a rede de pequenos comerciantes tem por finalidade obter um patamar superior na administração de estoques, compras conjuntas, condições melhores de negociação com fornecedores, campanhas e outros ganhos que surgem quando micro e pequenos empreendedores resolvem unir forças. A fórmula já é aplicada com sucesso em outros segmentos como a rede Supervizinhos, entre pequenos e médios supermercados.


Referência da Construmix


A própria formação da associação entre os depósitos de material de construção em Diadema teve como referência a rede Construmix, que reúne 26 lojas do setor na região de Sorocaba, Interior de São Paulo. “Eles já conseguem fazer compras mensais que chegam a R$ 3 milhões” — conta Luiz Vaz, presidente da Mãos à Obra. Seu colega Paulo Yoshino é vice-presidente da entidade, que surgiu a partir de um curso que eles e outros comerciantes do setor fizeram na Regional Grande ABC 1 do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa). “Nos reunimos até por uma questão de tendência mundial, visando custos menores para vender a preços mais baixos, mas principalmente vender melhor e fidelizar o consumidor” — explica Paulo Yoshino. 


Nas primeiras discussões, compareceram 18 comerciantes de um universo de 272 lojas de material de construção na cidade. A associação é composta pelos depósitos Aquarela, Inter Pedras, Monte Líbano, Asahi, JC, Tigrão, Barbareca e Novo Horizonte. Yoshino ressalta que a meta é ampliar o número de membros para fortalecer a rede.


Compras conjuntas


Após a criação da Mãos à Obra, a primeira ação conjunta foi a compra de vergalhões de aço a preço 4% menor do que o vendido separadamente às lojas. “Depois disso, passamos a receber propostas de vendas diferenciadas. Agora não corremos atrás dos fornecedores. São eles que nos procuram” — orgulha-se Luiz Vaz. Aos poucos, a aliança vai estruturando a Mãos à Obra.


No início do ano foi contratado serviço de consultoria em segurança e medicina no trabalho, dificilmente acessível a um único estabelecimento. Também nos planos da associação estão a padronização visual das lojas e a informatização, mas Paulo Yoshino alerta que as inovações serão implementadas no ritmo e fôlego dos associados. 


As lojas da rede já se cotizam mensalmente para reunir recursos da primeira campanha publicitária, a ser desencadeada ainda neste semestre. O objetivo é realizar promoções em finais de semana e divulgar em jornais da rede, além de publicidade na mídia regional. Os cerca de 100 funcionários das oito lojas já começaram a participar das atividades de formação do Sebrae, que em seis meses administrou cinco cursos para a associação. “Passamos a ter visão muito maior, pois antes tínhamos apenas noções de prática de comércio. Hoje, por exemplo, vemos também a importância do pós-venda” — conta Luiz Vaz.


Perigo ao redor


Diadema ainda não hospeda um home center, mas o impacto da concorrência foi sentido com o surgimento de várias grandes redes ao redor da cidade. Todo cuidado é pouco diante de uma vizinhança que tem um Center Castilho na Avenida Cupecê, na Capital, próximo a Diadema, além de unidades da C&C, Telhanorte e Ramalho na Avenida Ricardo Jafet, na Saúde, também em São Paulo.


No Grande ABC, grandes redes fincaram pilastras como a C&C na Avenida Kennedy, em São Bernardo, além de unidade na Avenida Pereira Barreto, entre São Bernardo e Santo André, onde divide espaço com lojas da Telhanorte, Center Líder e Tumkus&Tumckus. Os home centers contam com enorme poder de marketing, recurso fora do alcance dos pequenos, além de oferecerem melhores condições para vendas a prazo, que hoje representam cerca de 60% do faturamento bruto do setor.


Gigantes como C&C, Leroy Merlin, Telhanorte e Decico investem pesado na ampliação física e esperam tomar mercado das pequenas lojas da mesma forma como hipermercados avançaram sobre o pequeno comércio varejista na última década. 


Avanço da atividade


De acordo com a Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção), os home centers detêm 5% das lojas no País mas abocanham 18% do volume de negócios. As grandes redes investem mais no início do 2004 diante da perspectiva de reaquecimento da construção civil. As estimativas para o crescimento do setor em 2004 ficam entre 6% e 8%, uma evolução que deve beneficiar também pequenos comerciantes.


A construção civil foi um dos setores que mais se retraíram no ano passado, com queda de 8,6%. O governo decidiu priorizar a área em 2004, reservando quase R$ 3 bilhões para sua reativação. Com a parada da economia brasileira em 2003, o mercado ficou basicamente concentrado nas reformas residenciais e autoconstrução. 


Cerca de 70% das vendas no ano passado foram para essas atividades, de acordo com a Anamaco, que estima a existência de cerca de 100 mil lojas do segmento em todo o País, metade das quais no Estado de São Paulo. “O consumidor que chamamos de formiguinha não deixou o setor parar em 2003” — lembra Luiz Vaz, presidente da Rede Mãos à Obra. 


Apesar de 2003 ter sido um ano difícil, o comércio de material de construção civil movimentou R$ 33 bilhões em todo o País. 


Concorrência acirrada


A concorrência é mais acirrada levando-se em conta que a cada ano surgem novas lojas de pequeno porte. Somente no Estado de São Paulo foram criados 3,2 mil estabelecimentos, abertos por profissionais em busca do próprio negócio, muitos atingidos pelo desemprego.


De qualquer forma, os integrantes da Mãos à Obra estão animados com as vantagens que têm em relação aos home centers. “Entregamos apenas um saco de cimento na casa do cliente. O home center não faz isso e, se faz, cobra pelo serviço. Se falta um produto, a gente se fala por telefone e atende o pedido. Nas grandes redes é comum não encontrar tudo o que se procura” — relata Luiz Vaz, ao enumerar as vantagens de um atendimento personalizado. “As pequenas lojas têm a vantagem de um custo operacional menor do que as grandes redes. É o que faz a gente se segurar” — avalia Paulo Yoshino, vice-presidente da associação. 


Outro diferencial é que o pequeno comerciante e seus funcionários têm condições de orientar o cliente de forma mais abrangente, ao contrário de vendedores dos home centers, muitas vezes especializados por segmento. “O cliente, para nós, é um ser humano e não apenas um número” — garante Luiz Vaz. 


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