Depois dos atropelos da primeira fase do Programa Primeiro Emprego, a Agência de Desenvolvimento Econômico debruça-se sobre questão bem mais complexa do que o garimpo de vagas destinadas aos dois mil inscritos na segunda etapa do projeto. A entidade administra a empreitada do governo federal no Grande ABC e já identificou a necessidade de aprimorar a qualificação do público-alvo para não morrer na praia.
Seis oficinas-escolas complementam a grade básica de treinamento com ensino voltado às atividades dos principais empregadores do PPE e representam importante trunfo para melhorar a meta mínima de 40% de empregabilidade.
A postura adotada pela Agência tem o claro objetivo de driblar os baixos níveis de escolaridade e as deficiências de formação que dificultaram inserção de número maior na primeira turma do projeto. De nada adianta gastar tempo e dinheiro, e principalmente criar expectativas, se o candidato não mostrar conhecimento e postura exigidos pelo mercado.
Afinal, as empresas parceiras não são obrigadas a facilitar os critérios de seleção só porque o jovem é um integrante do Programa Primeiro Emprego. Apesar do empurrão governamental, também prevalece nesses casos a sempre implacável lógica da oferta e procura. "Realmente a pouca escolaridade e o baixo preparo dos diplomados são grandes complicadores do futuro desses jovens" -- reforça o coordenador geral do Programa Primeiro Emprego no Grande ABC, Luís Almeida.
Por isso, o direcionamento das oficinas da segunda etapa tem endereço praticamente certo. Como já conta com a adesão de McDonalds, CSU Telemarketing e Associação dos Contabilistas de Santo André, a Agência incluiu na grade curricular treinamentos em segurança alimentar, telemarketing e serviços. Assim, pretende atender demanda pré-identificada de vagas, diante do fato de todos os parceiros já terem manifestado intenção de empregar jovens que nunca tiveram carteira assinada.
Assim como os primeiros 990 inscritos, os dois mil que estão prestes a iniciar a nova fase de treinamento ainda este mês terão de cumprir obrigatoriamente 200 horas de ensinamentos básicos sobre valores humanos, ética e cidadania, inclusão digital, educação ambiental, saúde e qualidade de vida. O módulo é formatado para apoiar a elevação de escolaridade porque ajuda a atualizar conhecimentos, mas tem também a missão de preparar para o processo seletivo ao ensinar como se vestir, portar-se e encarar o entrevistador, entre outros procedimentos similares.
Outras 200 horas estão reservadas ao aprendizado técnico por meio das oficinas. "Esperamos que essa especificidade faça realmente a diferença e coloque ingrediente a mais no momento da disputa" -- torce Luís Almeida, que projeta ultrapassar a meta de 40% de empregos estipulada pelo PPE. Na primeira fase, esse índice só foi atingido porque a Agência continuou a encaminhar os jovens para as empresas depois do encerramento oficial em julho último. Ainda há 80 remanescentes em teste e, mesmo assim, a peneira fina do mercado de trabalho deixou de fora perto de 500 inscritos. Parte desse pessoal deve ser encaminhado ao PNQ (Plano Nacional de Qualificação), também do governo federal, e ao Projeto Jovens Empreendedores, do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa).
Treinamento aprovado
"Selecionar jovens que já tenham noções de como manejar alimentos é uma vantagem, porque a maior dificuldade é sempre adequar o funcionário às necessidades da empresa" -- entende o consultor de operações do McDonalds, Fernando Brandini Pinto. O executivo é responsável pela supervisão de 10 lojas instaladas em Santo André, Mauá e São Caetano e explica que o Programa Primeiro Emprego vem ao encontro da filosofia da rede americana de fast-food de empregar pessoal inexperiente. Dos 36 mil funcionários no País, 70% são jovens entre 16 e 21 anos em seu primeiro trabalho com carteira assinada.
O McDonalds destinou mil vagas em todo Brasil para o Primeiro Emprego, 200 das quais nos restaurantes do Grande ABC -- 95 já foram preenchidas pelos integrantes da primeira etapa do projeto. Todos os funcionários que chegam por intermédio do Primeiro Emprego têm os mesmos direitos dos demais e participam do curso Técnico em Qualidade e Serviços formatado pelo Senac especialmente para a rede. Também podem beneficiar-se do plano de carreira que já elevou à categoria de gerente perto de 70% dos atendentes que iniciaram a vida profissional no McDonalds.
As empresas que participam do Primeiro Emprego têm direito a subvenção governamental de R$ 1,5 mil para cada contrato de um ano, tempo em que devem manter as vagas à disposição do Programa. O fato não significa, porém, que o empregado ganhe estabilidade por período idêntico. Se não atender às exigências poderá ser substituído nas mesmas condições. Como as vagas também não têm caráter temporal, o contrato de trabalho pode ser mantido indefinidamente. "Não vou desperdiçar a oportunidade. Quero crescer e pretendo aproveitar todos os ensinamentos da empresa para evoluir profissionalmente" -- entusiasma-se Raquel Rosa. A jovem de 16 anos mora no Jardim Irene, em Santo André, e há um mês ocupa uma das vagas de atendente do McDonalds localizado na Praça de Alimentação do ABC Plaza Shopping.
Além do McDonalds, a Agência de Desenvolvimento Econômico firmou acordos com o Grupo CSU, de Santo André. A empresa de telemarketing já empregou 40 jovens e pretende disponibilizar outras 100 vagas nos próximos meses. Também a Associação dos Contabilistas de Santo André se comprometeu com colocações junto a rede de sócios. "Temos de focar onde as oportunidades são maiores" -- defende o coordenador geral do Primeiro Emprego, Luís Almeida.
O varejo está no alvo do PPE. Ainda não há nada de concreto no setor que responde pela maioria das vagas do Grande ABC, mas a Agência resolveu antecipar-se ao que considera demanda potencial, principalmente por causa da quantidade de supermercados e shoppings centers da região. Por isso, incluiu oficina de comércio na grade de qualificação. Outra esperança vem da Nestlé. A multinacional suíça de alimentos mantém centro de distribuição em São Bernardo e anunciou adesão ao Primeiro Emprego.
A segunda etapa prevê ainda oficinas de saúde e beleza e de empreendedorismo. As atividades complementam a grade de treinamento específico, mas enfocam alternativas fora do mercado formal de trabalho. A Agência planeja abrir algum caminho para quem, ao final do processo, ficará sem colocação. O trabalho conta com auxílio de ONGs previamente cadastradas, que ajudam a ministrar cursos e encaminhar os formandos a atividades profissionais que podem ser desenvolvidas fora das empresas. Já existem dois casos em andamento: o da Associação Cidadania e Vida, de Rio Grande da Serra, e Instituto Florestan Fernandes, de Diadema. A primeira entidade colaborou na formação de manicures, cabeleireiros e similares e a outra formou grupo de garçons e organizadores de eventos. Esse pessoal está agora inscrito em cursos de gerenciamento de negócio próprio do Sebrae.
Quase o dobro
Enquanto o governo federal manteve os R$ 180 milhões do orçamento de 2004 para o Programa Primeiro Emprego no próximo ano, o Grande ABC quase dobrou a verba: pulou de R$ 2,3 milhões para R$ 4,3 milhões. Os R$ 2 milhões a mais vão permitir aumentar em 100% o número de atendidos, mas são insuficientes para dar conta do universo regional que preenche os requisitos: ter entre 16 e 24 anos e renda per capita familiar de até meio salário mínimo. "É importante o governo investir no jovem. Antes eu tinha vergonha de mostrar o meu currículo e agora isso não acontece mais" -- revela Rafael de Oliveira Silva, 19 anos e desde julho trabalhando como auxiliar administrativo no Colégio Humberto de Campos, em Mauá.
A Agência de Desenvolvimento Econômico estima que 15 mil jovens teriam credenciais para entrar no programa. Caso também de Suellen Paccanaro Nogueira, 20 anos e Ensino Médio completo, que conseguiu o primeiro emprego há pouco mais de um mês. A jovem moradora do Jardim Santa Lídia, em Mauá, conta que desde os 17 anos procurava colocação e já estava a ponto de perder a esperança. Só currículos, ela calcula que tenha enviado mais de 500 durante o período de peregrinação em empresas onde aparecia uma placa de admite-se. "É muito difícil ter de adiar os sonhos todos os dias" -- confessa Suellen Paccanaro. "Ela sempre foi uma menina responsável, mas começou a se tornar rebelde por causa da desesperança e eu tive muito medo que pudesse seguir pelo caminho errado" -- emenda a mãe Rosemeire Paccanaro Nogueira.
Suellen não sabe avaliar com precisão se carrega alguma deficiência de formação escolar e se o fato a prejudicou nas inúmeras vezes em que ouviu não como resposta a possível colocação profissional. Mas tem convicção de que os ensinamentos do Primeiro Emprego, principalmente de como se portar diante do entrevistador e como explicitar os objetivos, foram decisivos na seleção que lhe rendeu a vaga de empacotadeira em loja de roupa masculina do Shopping ABC. O próximo passo é manter-se no emprego para custear a tão sonhada faculdade de Administração de Empresas. Sem emprego fixo já há algum tempo, os pais sustentam a família com ocupações temporárias e não têm condições financeiras para custear a continuidade dos estudos da filha.
Exemplo típico
A história de Suellen e da mãe Rosemeire poderia ser transportada, em menor ou maior escala, para a maioria dos atendidos e inscritos no Programa Primeiro Emprego. Os quase três mil jovens -- entre formados e estudantes -- compõem extrato que revela uma das faces mais perversas da exclusão social: a falta de perspectiva de uma juventude que quase sempre alimenta estatísticas pouco animadoras. "Não há dúvidas que esse pessoal vive risco social muito grande e muitos sequer vislumbram algo para o futuro" -- alerta Luís Almeida.
A declaração não traz novidade, mas assusta quando a realidade bate à porta. A própria conferência realizada pela Agência de Desenvolvimento em julho último para comemorar a formatura da primeira turma do PPE foi elucidativa sobre quanto ainda é necessário avançar. Durante as várias palestras a maioria protagonizou cenas de desordem que caminhou totalmente na contramão de atitudes exigidas pelo mercado de trabalho. E o pior: alguns sequer entenderam a proposta e acreditavam que o programa estivesse atrelado diretamente ao emprego e não apenas à capacitação.
E nem poderia ser diferente. Pesquisas do Ministério da Educação mostram que apenas 6% dos estudantes terminam os 11 anos da escola básica com conhecimentos adequados em Português para a série em que estão. Em Matemática são 7%. O fato confirma os dois principais complicadores do Programa -- baixa escolaridade e formação deficiente --, e ajuda a explicar que apenas 30% dos dois mil inscritos têm o Ensino Médio completo. O restante apresenta descompasso entre idade e série, o que amplia as dificuldades de colocação, principalmente dos mais velhos. "Imagine as exigências para colocar um jovem de 24 anos que mal terminou o Ensino Fundamental e nunca teve uma oportunidade no mercado formal" -- alerta Luís Almeida.
Não por acaso, os jovens entre 19 e 24 anos somam 3,5 milhões de desempregados ou 45% do contingente de desocupados, segundo o Ministério do Trabalho. Se essa estatística for cruzada com o indicador que aponta apenas 9% dos estudantes nessa mesma faixa etária nos cursos superiores, não fica difícil traçar a face de quem precisa do socorro governamental.
O Programa Primeiro Emprego também proporciona ajuda de custo temporária aos participantes. São R$ 600 para cada inscrito distribuídos pelos seis meses de treinamento. A melhor definição para esse quadro que mescla desesperança com descrença de mobilidade social é da mãe de Suellen, a jovem de 20 anos que está começando a carreira como empacotadeira. "O dinheiro é importante porque todo mundo quer realizar sonhos. Mas o melhor é ver a cara de felicidade de um filho que realmente pode se sentir um pouco mais gente porque tem um trabalho" -- simplifica Rosemeire Paccanaro Nogueira.
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