O que será da institucionalidade do Grande ABC no novo jogo de relações metropolitanas que se abre nesta temporada, 15 anos depois da criação do Consórcio de Prefeitos e na esteira do surgimento de inéditas organizações que, bem ou mal, resolveram tratar da regionalidade? O surgimento da Agência Metropolitana elaborada pelo governo do Estado é a novidade da carpintaria de gerenciamento do território de 19 milhões de habitantes da Região Metropolitana de São Paulo.
Como o Grande ABC, pioneiro no País na articulação entre municípios, vai se inserir no jogo de xadrez patrocinado pelo governo do Estado e com forte influência da prefeitura da Capital? Seremos mais uma vez satélites da exuberante Capital tão próxima ou vamos ter força coletiva regional para encontrar espaço diferenciado que contribuirá para reduzir o custo cada vez mais insuportável da quebra de qualidade de vida, variável preferencial do rebaixamento econômico?
Pego no contrapé pela abertura econômica que drenou 39% do Valor Adicionado no governo FHC, o Grande ABC precisa se antecipar para evitar mais uma catástrofe, desta vez no campo político: se as lideranças públicas não tomarem a frente do processo já em andamento, a estrutura estadual de governança metropolitana em formatação pelo governo Alckmin pode representar um tiro pela culatra das instâncias regionais.
Afinal, o plano que prevê a instituição de fundo, conselho de desenvolvimento e autarquia operacional pode representar a morte do Consórcio Intermunicipal e da Agência de Desenvolvimento, que seriam praticamente varridas pela sobreposição. Por outro lado, se as instâncias regionais souberem se impor e aproveitar oportunidades, podem dar salto de eficiência e qualidade sem precedentes.
Para evitar que o pior aconteça é imperioso interferir com urgência enquanto o projeto está em elaboração. É preciso que os prefeitos saiam do papel de coadjuvantes para se tornarem protagonistas. “Nós temos de dar as cartas, ficar à frente do processo, e não ir à reboque” — recomenda o prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior. “Os prefeitos tem de se reunir o mais rápido possível para discutir a maneira como o Grande ABC vai se inserir nessa formatação” — conclama Clóvis Volpi, prefeito de Ribeirão Pires. “Conversei com o governador sobre a proposta da Agência Metropolitana. Temos que pensar grande. A Agência Metropolitana complementa ações do Consórcio e o Consórcio deve ter posição estratégica dentro da Agência Metropolitana. Até porque, sem nenhuma modéstia, temos experiência na questão do Consórcio” — declarou em entrevista ao Diário um William Dib que emerge de vitória acachapante sobre Vicentinho Paulo da Silva à Prefeitura de São Bernardo é e um dos mais cotados para ser o interlocutor do Grande ABC no governo do Estado.
Para essa proposição convergem os seguintes fatos: o PSB de William Dib é aliado do PSDB do governador Geraldo Alckmin e a cidade que administra ocupa o pódio das potências econômicas da Grande São Paulo.
O que prefeitos e lideranças regionais têm de perceber é que o projeto estadual contempla janela valiosa de oportunidades para fortalecimento da Agência e do Consórcio. Desde que bem aproveitada, é claro. É que além de prever estrutura financeira e operacional para gerir os 39 municípios que compõem uma das maiores manchas urbanas do planeta, o plano engloba a criação de subsistemas regionais que levem em conta as especificidades de agrupamentos municipais.
É exatamente por essa brecha que o Grande ABC precisa se inserir com as estruturas locais de articulação e, quem sabe, até servir como parâmetro para as outras regiões da Grande São Paulo.
A constatação que abre novos horizontes para as instâncias concebidas pelo ex-prefeito Celso Daniel emerge de entrevista com Maurício Hoffmann, assessor especial da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo e relator técnico do projeto que deve ser encaminhado à Assembléia Legislativa nos próximos meses. “Pela complexidade da área metropolitana da Grande São Paulo, cogita-se a criação de subsistemas regionais de modo a permitir que a realidade dos diferentes agrupamentos de municípios seja considerada. Sem abdicar, contudo, de interação global” — escreveu, por emeio.
Maurício Hoffmann não esmiuçou a relação dos pretendidos subsistemas regionais com a macroestrutura metropolitana em formatação, mas a simples alusão à necessidade de criação de esferas descentralizadas na órbita do eixo estadual é mais do que suficiente para estimular a mobilização de prefeitos, assessores e lideranças privadas. É preciso interferir agora para não lamentar mais tarde.
O projeto estadual de estrutura metropolitana está em estágio final e deverá ser levado até fevereiro à apreciação na Assembléia Legislativa. A discussão sobre o papel que o Grande ABC viria ocupar cumpre função preventiva.
O governador Geraldo Alckmin é candidatíssimo à presidência da República em 2006. Para ganhar visibilidade nacional, Alckmin pretende demonstrar competência na administração da caótica Grande São Paulo de 39 municípios e 19 milhões de habitantes. Se conseguir êxito, é liquido e certo que estabelecerá enorme vantagem sobre o mineiro Aécio Neves, que tem procurado solidificar a própria candidatura na reestruturação financeira do terceiro Estado mais importante do País.
O componente político não pode ser desprezado. Ainda mais nesse momento em que José Serra, prefeito da principal cidade da Grande São Paulo, pertence ao PSDB — partido do governador. A Capital paulista concentra metade da população metropolitana e, em tese, representaria um risco para o Grande ABC e outros municípios limítrofes na medida porque tenderia a monopolizar a maioria dos recursos do fundo metropolitano.
A Capital conta com a maior dívida pública do País e não estaria disposta a dar mais do que pode receber na partilha do fundo. Essa ameaça pode ser minimizada caso o Grande ABC se imponha. Em vez de representar risco de fragmentação da institucionalidade do Grande ABC, o plano metropolitano do governo Alck-min pode levar ao fortalecimento da articulação regional.
Perspectiva animadora
Quais perspectivas a região de 2,5 milhões de habitantes pode cultivar no novo esquadro metropolitano? Ao integrar um conjunto oficialmente reconhecido, formalmente estruturado e minimamente sólido sob o ponto de vista financeiro, a região se veria livre da limitadora clandestinidade institucional. Entretanto, os problemas que emperram a eficiência operacional do Consórcio Intermunicipal e da Agência não seriam resolvidos num passe de mágica.
Afinal, divergências internas são tão ou mais responsáveis pela escassez de resultados satisfatórios quanto o afastamento dos governos estadual e federal.
A falta de reconhecimento jurídico-institucional do Consórcio Intermunicipal sempre foi apontado por lideranças públicas como o grande calcanhar-de-aquiles do órgão criado há 15 anos por Celso Daniel. Associações de municípios não gozam de status de entes federativos como a União, os Estados e os municípios individualmente. Por isso a relação depende sempre da boa vontade de esferas superiores de poder. A orfandade institucional incomoda tanto que o Consórcio já promoveu até seminário de dia inteiro para discutir o tema.
É verdade que a atuação à sombra da Constituição atrapalha, mas seria ótimo se representasse o único entrave à produtividade do arranjo regional. Não é possível terceirizar a culpa pelos tropeços. Consórcio Intermunicipal e Agência de Desenvolvimento padecem de enroscos específicos, genuinamente regionais. O fato de as entidades não dialogarem abertamente com a sociedade é inaceitável para quem se coloca como representante legítimo da região. Reuniões importantes continuam blindadas à cobertura jornalística.
Além do histórico anti-democrático, a fogueira de vaidades partidárias é outra ponta do nó da falta de eficiência. Luiz Olinto Tortorello, então prefeito de São Caetano, e William Dib, reeleito em São Bernardo, sempre se ausentaram dos debates por se sentirem estranhos no ninho majoritariamente petista. Na Agência de Desenvolvimento o partidarismo em detrimento do regionalismo também provocou estragos, como no caso da deserção em massa de Ciesps e associações comerciais movidas por oposição ao prefeito João Avamileno, de Santo André.
O que se espera, agora, é que a renovação do conjunto dos paços municipais em consonância com a proposta do governo estadual contribua para alçar as instâncias do Grande ABC a um novo patamar de qualidade. “Apenas a virada do jogo político regional já seria suficiente para melhorar o Consórcio. Se além disso conseguirmos estabelecer nova conexão de diálogo com o governo do Estado, melhor” — considera Clóvis Volpi, referindo-se à perda da representatividade do PT nas prefeituras.
O fato de o governo do Estado estar disposto a gerir a metrópole é digno de comemoração. “É a primeira proposta estadual de governança para a Grande São Paulo desde que a responsabilidade pelo tema foi transferida da União para os Estados na Constituição de 1989” — atesta Jeroen Klink, secretário de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional de Santo André e um dos membros mais ativos na Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. “Só precisamos ter o cuidado de participar dos debates desde o início para que a experiência de erros e acertos nos arranjos regionais não seja desprezada” — concluiu o executivo público.
Desdobramentos
O projeto de gestão metropolitana prestes a chegar à Assembléia Legislativa é desdobramento de ação iniciada ano passado. Embora, com quase duas décadas de atraso, a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) desencadeou em 2004 a construção de agenda metropolitana. O resultado da iniciativa compilou diagnósticos amplamente conhecidos, mas seguiu caminho que ajuda reforçar a questão dos subsistemas regionais.
Durante todo o ano passado, a Emplasa organizou 10 debates regionalizados entre os 39 municípios e agora vai formatar o modelo de gestão.
A Emplasa é responsável pela elaboração do projeto da Agência Metropolitana. Mas os técnicos da Secretaria de Planejamento do Estado participam diretamente da elaboração porque, por força de lei, têm de atestar a viabilidade das propostas. O governo Geraldo Alckmin tem pressa em resolver a questão. “Não é prudente estabelecer prazo nesse momento diante da incerteza no grau de convergência do formato. As sub-regiões devem estar mais fortemente articuladas entre si e secundariamente com as demais. Por isso, o enfoque global precisa encontrar meios de contemplar as conexões” — entende o assessor da Secretária de Planejamento e relator do projeto, Maurício Hoffmann. “É necessário contemplar total flexibilidade aos níveis sub-regionais para respeitar os arranjos institucionais já conhecidos” — concorda o presidente da Emplasa, Marcos Campagnone.
O executivo público observa que o entendimento da Grande São Paulo apenas sob o ponto de vista setorial não produziu resultados concretos pela dificuldade de conectar os problemas de saúde, transporte e ocupação com as diferenças regionais do território de quase 19 milhões de habitantes.
O resultado preliminar da agenda metropolitana produziu documento recheado de reivindicações requentadas, com diagnósticos conhecidos e amplamente discutidos. Para dar mais contundência, a Emplasa se vale de força-tarefa do quadro técnico e de grupo de apoio formado por entidades civis com o intuito de eliminar a generalização dos tópicos.
O esgotamento da fórmula que aponta genericamente a importância do trecho Sul do Rodoanel, a necessidade de inibir a ocupação dos mananciais e a utilização racional dos recursos hídricos em relatórios intermináveis parece próxima do consenso.
O esforço se justifica porque teoricamente o governo do Estado não tem o poder final de decisão sobre o assunto. “O foro privilegiado da discussão é da Assembléia Legislativa” — alerta Marcos Campagnone. Isso significa que o projeto pode receber emendas à conveniência de cada deputado e acabar descaracterizado do objetivo inicial. A preocupação leva em conta o histórico desconhecimento parlamentar sobre o assunto e a usual prática do toma-lá-dá-cá comumente utilizada para destrancar a pauta de votações na Assembléia Legislativa.
O momento político também é complicado porque o relacionamento entre o governador Geraldo Alckmin e os parlamentares é instável. “Um projeto com essa complexidade dificilmente é aprovado em menos de dois meses de discussão” — sustenta o deputado estadual do PT e integrante da Comissão de Assuntos Metropolitanos, Mário Reali. Ele explica que tudo depende da forma de envio à Assembléia. Se houver pedido de urgência e acordo de lideranças para inverter a ordem do dia, o trâmite é mais acelerado. Caso siga o curso normal, a aprovação segue o invariável e quase sempre improdutivo caminho da vontade política.
A Grande São Paulo de 39 municípios e quase 19 milhões de habitantes é considerada a terceira maior aglomeração urbana do planeta. Só perde para a conurbação na órbita de Tókio com mais de 26 milhões de moradores, se iguala à Cidade do México e fica à frente de outros grandes complexos urbanos como a Grande Nova York, com 16.732 milhões e Mumbai, na Índia, de outros 16.086 milhões. A última projeção da Emplasa dá conta de que 2,5 milhões de habitantes da Grande São Paulo — praticamente uma Grande ABC — vivem abaixo da linha de pobreza.
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