Se fizer essa indagação ao prefeito Orlando Morando certamente a resposta será “não”. Se fizer ao até recentemente prefeito Luiz Marinho, duvido que o “não” deixe de ser ruidosamente pronunciado. Se juntar os dois políticos, os vereadores atuais e os que deixaram o cargo e também muitos agentes públicos e privados, teremos um jogral de “não”. Eu não me somo a essa turma. O “sim” certamente seria abafado, como tantos abafamentos se fizeram desde que, há mais de 25 anos, apontei com sólida documentação o esvaziamento industrial da região.
Acho que São Bernardo é um caso economicamente perdido. Claro que não teremos São Bernardo em frequentes rebaixamentos, até descer às profundezas do inferno. São Bernardo não é Detroit, ou não tende a ser Detroit. Mas quem imagina que o Eldorado do capitalismo verde e amarelo a partir dos anos 1950 e o inferno vermelho de um sindicalismo arredio que virou sindicalismo de conveniência não sofrerão novos reveses, está redondamente enganado.
Vou me fixar em alguns pontos nesse texto. A pretensão é que se vincule a tantos outros para -- quando no futuro mais distante alguém se meter a analisar o que se passou por estas plagas – que se entenda com clareza por que fracassamos como modelo de mobilidade social que tanto deu certo no passado. Mobilidade social é a perspectiva consolidada de miserável virar pobre, de pobre virar classe média baixa, de classe média baixa virar classe média-média e de classe média-média virar rico. Faz muito tempo (e temos mostrado com dados irrefutáveis) se registra permanente fissura nesse modelo.
Apenas penduricalhos
O prefeito Orlando Morando não tem certamente os dados de que disponho. Por mais que se dedicasse a disputar a Prefeitura de São Bernardo, Morando não contou jamais com assessoria que conheça os meandros estatísticos na medida necessária. Aliás, nada diferente de antecessores e respectivos secretários de Desenvolvimento Econômico, isoladíssimos num organograma que os deslocava ao acostamento de estratégias gerais. Secretário de Desenvolvimento Econômico na região é penduricalho político-partidário.
É natural que o tucano esteja mais preocupado nestes dias em saber como encaixar receitas e despesas imediatas. Morando recebeu de herança de Luiz Marinho senão a bancarrota certamente um presente de grego. Somente saberemos a extensão e a profundidade do buraco quando números oficiais da realidade fiscal de São Bernardo vierem a público.
Estou de olho nesses resultados que sairão dos fornos do Tesouro Nacional com alguma defasagem temporal, mas impermeáveis a manipulações. Luiz Marinho não foi diferente de tantos prefeitos brasileiros. Acreditaram no conto da Carochinha de receitas múltiplas sem parar. Até que veio a recessão dilmista.
São Bernardo esfarela-se economicamente porque o setor industrial que a embalou ao longo de décadas voltou a acusar novos golpes e assim continuará a ser porque o carro-chefe chamado indústria automotiva vai se escafeder mais e mais. Pesam sobremodo a logística castradora e o sindicalismo devastador. Sem contar, claro, a institucionalidade anedótica.
Presa à Doença Holandesa Automobilística, São Bernardo é caçapa cantada de infortúnios no passado recente e no futuro próximo e distante. Não fosse o protecionismo do governo federal à atividade automotiva no País, São Bernardo e a Província do Grande ABC estariam liquidados de vez.
Vice-lanterninha no século
Para que não me acusem de cultivar subjetividades, vamos então a alguns números. Nos primeiros 15 anos deste novo século (2000-2014), conforme dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) metabolizados e contextualização por mim no que mais interessa à economia da região, São Bernardo só supera São José dos Campos quando o ranking referencial é o comportamento do PIB (Produto Interno Bruto) dos integrantes do G-22. Trata-se, o G-22, do agrupamento dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo (exceto a Capital), além de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Vou repetir para que não haja dúvida: contando-se apenas os 15 anos já contabilizados deste novo século, São Bernardo integra a zona de rebaixamento da Série A do Campeonato Paulista do Produto Interno Bruto. Está acima somente de São José dos Campos, vitimada pela Doença Holandesa da Indústria Aeronáutica, cuja importação de componentes a transformou em gigantesca montadora.
O resultado desse novo século deve ser visto com muito mais atenção e interesse do que o ranking geral do G-22 que dimensiona o tamanho de cada PIB do G-22.
Passado dá sustentação
Vou explicar: devido o acumulado histórico, que vem de meados do século passado, São Bernardo ocupa o quarto lugar no G-4 do G-22 no quesito relativo à geração de riqueza. Perde apenas para Guarulhos, Campinas e Osasco. Já foi segunda colocada, é verdade, mas ainda se segura entre os quatro primeiros. O passado de glória garante, portanto, o G-4 da Primeira Divisão.
Entretanto, o recente passado de novas estocadas que remetem São Bernardo à zona de rebaixamento quando se contam os pontos registrados apenas neste século é mais que um aviso, é um alarde geral de que as forças estão se exaurindo e o que o futuro reserva à população não é exatamente um horizonte sem transtornos.
Vamos dar um exemplo (e poderiam ser tantos, tantos) de como se dá o estrebuchamento de São Bernardo na geração de riqueza. Façamos um confronto com Osasco, também na Região Metropolitana de São Paulo e, como tenho revelado faz muito tempo, beneficiadíssima com o traçado oeste do Rodoanel Mário Covas em proporção inversa a contabilizada por São Bernardo.
Em 1999, base da medição do PIB que estamos esgrimindo, a geração de riqueza de Osasco em valores nominais de R$ 5.282.86 bilhões era metade (R$ 10.463.85 bilhões) da de São Bernardo. Em 2014, portanto 15 anos depois, Osasco deu salto acumulado de 1.008,60% e atingiu R$ 58.566.199 bilhões. São Bernardo que, como disse acima, não passou de vice-lanterninha de avanço neste século, chegou ao PIB de R$ 28.935.77 bilhões, com crescimento nominal (sem considerar a inflação do período) de 354.44%.
Mundos diferentes
Ou seja: à porta de entrada do novo século (1999) São Bernardo contava com PIB 49,51% superior ao de Osasco. Já ao final de 2014 (dados mais atuais do IBGE), Osasco promoveu reviravolta no placar ao registrar PIB 50,59% superior ao de São Bernardo.
O resumo dessa equação é simples: a Capital Econômica da Província do Grande ABC e seus satélites naturais, que são os demais seis municípios da região, estão levando uma surra homérica não só de Osasco como também da Grande Osasco, conforme mostrei outro dia.
O caso de São Bernardo é o mais grave e emblemático. Não só porque a dependência da indústria automotiva é um risco enorme desde que inventaram a globalização e a guerra fiscal, mas também porque o traçado oeste do Rodoanel engoliu o traçado sul que tangencia o Município agora sob o comando de Orlando Morando.
A reestruturação de uso do trecho sul do Rodoanel é um dos pontos-chave à economia da região e particularmente de São Bernardo, como escrevi mais uma vez outro dia. Mas não é suficiente. Tampouco o prefeito Orlando Morando resolverá a situação se preparar comitivas oficiais da Prefeitura para sensibilizar os comandantes das montadoras de veículos locais.
Mais que força-tarefa
A gravidade histórica que acomete a indústria de São Bernardo exige muito mais. Uma força-tarefa reunindo representantes de instituições da região e principalmente de São Bernardo é um dos passos elementares. Mas também não seria suficiente.
São Bernardo precisa acordar para uma realidade que há muito a retirou do complexo de municipalismo com que foi concebida na atividade industrial e a lançou às feras da mundialização dos negócios.
Quando escrevo que o Clube dos Prefeitos precisa requisitar especialistas em competitividade para encaminhar a economia da região a novos rumos quero dizer que alternativas serão apenas paliativos, esparadrapos, que não atingirão as metas indispensáveis.
Orlando Morando precisa rever os conceitos que o levaram a estrangular o Clube dos Prefeitos tanto no financiamento quanto na redefinição do papel da Agência de Desenvolvimento Econômico. Se não corrigir a trapalhada, teremos São Bernardo e a Província do Grande ABC ainda mais suscetíveis a novos ciclos de derrocadas.
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