Imagine segmento que quase duplicou de tamanho no Brasil e no Grande ABC nos últimos cinco anos e, contrariamente, ao boom do pequeno comércio varejista motivado pela onda de desemprego industrial, exige preparação e requisitos técnicos incompatíveis com o senso de improvisação. Mais: um segmento marcado por tecnologia avançada e procedimentos de alta precisão mas que, diferentemente de setores globalizados como a indústria automobilística, é majoritariamente composto por pequenas empresas nacionais de origem familiar?
Difícil? Acertou em cheio quem apontou as farmácias de manipulação, especializadas em produzir medicamentos personalizados de acordo com necessidades específicas dos pacientes. O número de estabelecimentos em todo País saltou de 3.100 para 5.356 entre 1999 e 2004, de acordo com a Anfarmag (Associação Nacional das Farmácias Magistrais).
O Grande ABC deu salto semelhante e passou a contar com 180 unidades responsáveis por cerca de mil empregos diretos. Os dados foram fornecidos por Eduardo Colombo, sócio da Pharmácia Essencial, sediada em São Bernardo, e vice-presidente da Anfarmag. “Quando entrei no ramo, há 10 anos, dava para contar nos dedos a quantidade de farmácias de manipulação em Santo André. Hoje são cerca de 30 das quais 11 só no Bairro Jardim” — destaca o farmacêutico Romualdo Magro Júnior, diretor da rede Farma Fórmulas. “Naquela época precisava me deslocar até a Unip (Universidade Paulista) da Vila Mariana para estudar porque não havia alternativa na região. Hoje o curso de farmácia é oferecido em escolas como Imes, Uniban, UniABC e Metodista” — completa.
Bairros predominantes
O Bairro Jardim, em Santo André, e o Jardim do Mar, em São Bernardo, estão entre os principais núcleos porque reúnem clínicas médicas e hospitais que funcionam como espécie de âncoras para o segmento. Medicamentos manipulados são produzidos exclusivamente mediante receitas médicas. No badalado bairro de classe média alta de Santo André, por exemplo, encontram-se opções como Milícia, Herva’s e Millenium, além da Farma Fórmulas e da Essencial.
Mas empresas dos mais diversos portes despontam em várias regiões impulsionadas pelas vantagens econômicas e qualitativas embutidas nos frascos e cartelas de comprimidos. “Se o medicamento genérico é 40% mais barato que o remédio de marca, o manipulado é no mínimo 20% mais barato que o genérico” — ilustra Romualdo Magro Júnior. “É possível associar diversos princípios ativos em um mesmo produto em vez de comprar vários remédios industrializados, além do fato de que não há desperdício, porque a produção é feita na quantidade necessária para o tratamento” — complementa Eduardo Colombo.
Os empresários ressaltam vantagem de saúde pública: ao não gerar sobras, os manipulados inibem o perigoso hábito da auto-medicação, já que remédios guardados hoje tendem a ser usados inadequadamente amanhã.
Entre as principais
Farma Fórmulas e Pharmácia Essencial retratam o segmento com fidelidade porque figuram entre as maiores empresas e guardam série de pontos em comum. Estão entre as mais antigas do Grande ABC e multiplicaram ramais como estratégia de ampliação. A Farma Fórmulas tem cinco unidades, incluindo o centro de manipulação no Bairro Jardim, em Santo André, além de seis postos avançados em drogarias da Coop, maior cooperativa de consumo da América Latina. Processa 10 mil fórmulas por mês e conta com 50 funcionários. “O primeiro laboratório ocupava sala de 20 metros quadrados no Bairro Santa Terezinha, em Santo André” — orgulha-se Romualdo, ao enfatizar a diferença em relação ao prédio de 600 metros quadrados inaugurado há dois anos.
A Essencial foi criada há 13 anos em São Bernardo e está próxima de inaugurar a quarta unidade no Jardim do Mar, programada para o início deste ano. O volume de produção não é revelado, mas deve ultrapassar o da Farma Fórmulas com base no efetivo de 74 profissionais. Desse contingente, 11 são farmacêuticos, incluindo Eduardo Colombo, a irmã, a esposa e o pai.
A origem familiar é característica que se repete e está presente em grande parte das empresas espalhadas pelo Brasil e Grande ABC. A Farma Fórmulas também foi criada pelo pai de Romualdo. “Quase 100% das farmácias de manipulação no Brasil são de propriedade de farmacêuticos” — destaca Eduardo Colombo.
Modelos distintos
A diferença é que enquanto a Essencial e a maioria esmagadora dos concorrentes atua exclusivamente com manipulados, a Farma Fórmulas se divide entre medicamentos sob medida e industrializados, além de artigos de perfumaria. Embora os manipulados sejam mais baratos, o retorno financeiro sobre as vendas é maior. “Os manipulados representam 20% do faturamento e 40% da rentabilidade. A margem de lucro dos industrializados é cada vez menor porque a alta concorrência torna praticamente obrigatória a concessão de descontos” — explica Romualdo.
A quantidade de farmácias de manipulação só não é maior porque o governo federal resolveu controlar o setor com mão de ferro há mais de três anos. “O crescimento desordenado durante os anos 90 fez surgir a necessidade de regulamentação para a atividade” — explica Vânia Regina de Sá, presidente da Anfarmag. O marco qualitativo veio com a resolução RDC 33/2000, em vigor desde agosto de 2001.
A norma do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) uniformiza procedimentos desde a aquisição de insumos até práticas de manipulação. “É preciso dispor de laboratório para testes de matérias-primas, espaços segregados para manipulação de substâncias que não podem ser misturadas, além de procedimentos sistematizados e documentados por escrito” — ilustra Eduardo Colombo.
A Farma Fórmulas excede as diretrizes governamentais. Os laboratórios são filmados e as imagens transmitidas em tela colocada na recepção para proporcionar transparência total aos usuários. Além disso, a empresa se diferencia pelo sistema de embalagem blister: os comprimidos são acartelados como remédios produzidos em série.
Diferentemente da indústria farmacêutica, que aplica milhões em pesquisa e desenvolvimento em busca de novas drogas, farmácias de manipulação não criam medicamentos inovadores. “Apenas reproduzimos formulações após expiração das patentes. Já é possível, por exemplo, manipular o Viagra” — comenta Romualdo, referindo-se ao comprimido azul da Pfizer que revolucionou o tratamento de disfunção erétil.
Em compensação, o chamado setor magistral se debruça sobre a descoberta de sistemas inovadores de absorção de medicamentos. Um exemplo é o gel transdérmico utilizado para tratamento de reposição hormonal, dores crônicas ou pacientes radioterápicos com problemas gástricos ou de deglutição.
Apesar do notável crescimento nos últimos anos, a manipulação está longe de ameaçar a hegemonia da indústria farmacêutica, já que responde por cerca de 8% dos medicamentos vendidos no País. Por outro lado, emprega 15 mil farmacêuticos, contingente maior que o mobilizado pelos grandes laboratórios nacionais e internacionais.
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