Economia

Competitividade
regada a água

VERA GUAZZELLI - 10/03/2005

O iminente fornecimento de água industrial para o Pólo Petroquímico de Capuava ganha dimensões mais abrangentes que o alívio no gargalo dessa matéria-prima essencial à produção. A decisão das petroquímicas de adquirir o líquido derivado do esgoto doméstico tratado pela Sabesp e pela Ecosama — concessionária dos serviços em Mauá — não atende apenas a estratégia das empresas. Ao deixar claro que vai evitar o monopólio, o Pólo contribui para o surgimento de mercado que pode agregar importante fator de competitividade ao Grande ABC. 


Com duas empresas produzindo água de reúso, haverá maior oferta e atrativas condições de negociação para outras indústrias. A conclusão segue a lógica da implacável lei da oferta e da procura e dos ganhos de escala que garantem preços atrativos. Se a direção do Pólo Petroquímico já afirmou publicamente que não quer ficar na dependência de fornecedor único, é natural que as empresas de saneamento também vislumbrem outros clientes para viabilizar a água industrial como produto rentável. 


Em aproximadamente dois anos, Sabesp e Ecosama planejam produzir cerca de 800 litros por segundo. O volume é 40% superior ao que o Pólo vai precisar para dar conta dos planos de expansão previstos para 2007 e suficiente, portanto, para atender outros eventuais pretendentes. 


A Ecosama é a maior interessada em mostrar excelência no ramo a curto prazo. A empresa venceu a concorrência do Projeto Sanear para complementar a rede, coletar e tratar o esgoto de Mauá. Com isso, vislumbra algo mais que a taxa de esgoto paga mensalmente pelos moradores para dar sustentabilidade financeira ao negócio. 


Dinheiro liberado 


Principalmente agora que teve aprovado pela Caixa Econômica Federal o empréstimo de R$ 45 milhões, parte destinado justamente à construção da Epai (Estação de Produção de Água Industrial). “Temos condição de fornecer água de reúso na quantidade e especificações que o Pólo precisa, mas nosso projeto não depende só dessas empresas. Já estamos em contato com outras indústrias da região interessadas no produto” — revela o diretor geral da Ecosama, Dagoberto Antunes da Rocha. 


O tom incisivo deixa implícito a disposição de seguir cronograma que antecipa em dois anos o prazo contratual de cinco anos. Nesses 36 meses, a empresa planeja construir os 25% finais da rede de esgoto e a própria Epai. Parte das obras já foi iniciada porque a Ecosama teve de garantir R$ 15 milhões de contrapartida para conseguir o empréstimo.


A estação de tratamento industrial deve entrar em operação com 530 litros por segundo e está sendo construída em Capuava, a aproximadamente 300 metros do Pólo Petroquímico. 


A proximidade é estratégica porque se transformará em importante diferencial para a Ecosama na distribuição do líquido. A estação também fica próxima do Pólo Industrial de Sertãozinho. É o próprio Dagoberto Rocha quem admite a possibilidade. “O futuro é a água de reúso e as empresas terão de aderir à tendência, que é mundial” — sentencia.


Início das negociações 


Quando as discussões do Projeto Sanear foram iniciadas, em 2001, tudo levava a crer que a Ecosama caminharia para o papel de principal fornecedora de água de reúso para o Pólo e que as negociações dependeriam, sobretudo, do preço. 


As intenções mudaram ao longo dos últimos dois anos porque o Pólo Petroquímico colocou o custo em segundo plano, desde que contasse com a garantia de disponibilidade do líquido para suportar o aumento de produção. “O Pólo Petroquímico tem de ter controle total sobre esse suprimento. Por isso, vai negociar com dois fornecedores e se responsabilizar pelo polimento final em estações próprias” — reafirma o coordenador de novos projetos da Petroquímica União, Jorge Rosa, ao se referir a outro quesito que sofreu alteração ao longo das negociações. 


A direção da Ecosama também imaginava fornecer água de reúso com grau de pureza elevado e adequado para resfriar caldeiras de alta pressão. Entretanto, as petroquímicas vão comprar o que chamam de água secundária e fazer o polimento final em estações próprias. A Ecosama tem, há seis meses, conhecimento dessa postura e do tipo de produto que o cliente necessita. 


Estratégia idêntica


As negociações do Pólo Petroquímico com a Sabesp seguem estratégia similar. Também já foram divulgados pelo Pólo Petroquímico investimentos de R$ 45 milhões na construção de dutos para captação e transporte dos efluentes da ETE-ABC, instalada na divisa de São Caetano com São Paulo. O projeto está em fase final de engenharia básica e tem previsão de conclusão de 18 meses. O Pólo Petroquímico utiliza de 10% a 30% de água potável, capta o restante no Rio Tamanduateí e faz o tratamento em instalações próprias.


A Ecosama vai utilizar o esgoto doméstico de Mauá para produzir água de reúso, enquanto a Sabesp conta com dejetos coletados no bairro da Mooca, em São Paulo, e em todas as cidades do Grande ABC. A ETE-ABC recebe 600 litros por segundo. O volume é suficiente para garantir a demanda inicial de 350 litros por segundo exigida pelo Pólo. “A Sabesp tem capacidade de produção” — garante a analista de marketing da estatal, Eliane Florio.


Eliane Florio é entusiasta do projeto porque considera a água de reúso importante fator de competitividade industrial na Grande São Paulo. Ela coloca o preço como atrativo imediato, mas faz questão de ressaltar que fica difícil generalizar a redução de custo, porque cada situação precisaria ser analisada individualmente. A especialista garante, no entanto, que em 90% dos casos a água de reúso custa menos que água potável ou processos alternativos de captação.


A Sabesp se prepara para colher os frutos desse mercado no médio e longo prazos. Pretende, entre cinco e 10 anos, alcançar escala de produção e distribuição para atender principalmente bairros com concentração industrial em toda a região metropolitana. A estatal já tem mapeamento de áreas onde haveria clientes potenciais o suficiente para justificar a construção de redes de distribuição. O Grande ABC, a Zona Leste e o Parque Novo Mundo, em Guarulhos, são as principais áreas identificadas pelo estudo.


A utilização de água de reúso também é analisada por Eliane Florio com detalhe que vai além do ambientalmente correto. É verdade que, quanto menos água potável for utilizada para fins indevidos, menos a população estará sujeita à escassez anunciada em todo o Planeta. 


Os 500 litros por segundo que as petroquímicas estimam passar a consumir equivalem ao esvaziamento de 60 caixas de água residenciais em uma hora. “As empresas, principalmente as que só utilizam água potável na produção, devem fazer análise mais abrangente. A tendência é de encarecimento da água para consumo humano. A parceira com o Pólo pode delimitar importante marco de mudança de comportamento corporativo” — deseja Eliane Florio.   


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