Economia

Uma fábrica que
industrializa ética

ANDRE MARCEL DE LIMA - 10/03/2005

Um dos maiores fabricantes de pneus do País, além de principal empregadora e geradora de impostos de Santo André, a Bridgestone/Firestone resolveu petrificar conceitos éticos e de responsabilidade social. 

A subsidiária brasileira da corporação japonesa lançou Código de Conduta que sintetiza tudo o que se espera em matéria de comportamento socialmente responsável, espécie de Bíblia corporativa que dispõe desde as relações interpessoais no ambiente de trabalho até o relacionamento da corporação com a mídia, clientes, concorrentes, agentes governamentais e sindicato de trabalhadores. 

O Código de Conduta acaba de ser elaborado por grupo de 33 funcionários e deve ser disseminado à totalidade dos 3,5 mil trabalhadores dentro dos próximos meses.

Há vários motivos que explicam a iniciativa de colocar no papel valores éticos e morais que, em utópica sociedade perfeita, deveriam estar introjetados na consciência de cada um. Um dos mais relevantes é a necessidade de agir com transparência total após a crise de desconfiança detonada por escândalos como o da Enron, nos Estados Unidos. 

Explodindo alicerces

A descoberta de que a companhia energética usava balanços fraudulentos sacudiu os alicerces do capitalismo internacional e a BF não poderia deixar de adotar postura preventiva. Afinal, a multinacional japonesa faturou nada menos que US$ 21,5 bilhões em 2003 — montante superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de muitos países — e tem ações negociadas em bolsa no país de origem. “Além de ser honesto, tornou-se necessário provar que é honesto” — sintetiza Raul Viana, diretor de Assuntos Corporativos da BF do Brasil.

Não é a toa que o Código de Conduta enfatiza a necessidade de agir de acordo com as leis e contempla recomendações como a seguinte: é sabido que a corrupção provoca efeitos devastadores sobre os países e suas populações, sobretudo as mais carentes. Por isso a BF não oferece vantagens de espécie alguma a agentes governamentais, seja para facilitar negócios, seja para que cumpram suas obrigações ou apressem suas próprias rotinas.

Seria exercício de reducionismo, entretanto, restringir a ação do código à necessidade de adequação aos tempos pós-Enron. Mais razoável é sintonizar a iniciativa na percepção prática de que ações pautadas pela ética e pelo respeito mútuo são essenciais para a manutenção de boas relações, do bem-estar subjetivo e, consequentemente, da saúde dos negócios.

Relações internas 

Particularmente interessante é o capítulo que trata dos relacionamentos internos. O código considera que para que todos os funcionários possam dar o melhor de si e evoluir profissionalmente, é necessário que prevaleça ambiente de trabalho estimulante e produtivo. Entretanto, a dignidade dos integrantes só pode ganhar substância no dia-a-dia se forem asseguradas condições essenciais como civilidade no trato pessoal — independentemente da posição ocupada traduzida pela cortesia, respeito mútuo e sinergia exercitada por meio da cooperação e imparcialidade; respeito às atribuições funcionais, o que significa não passar por cima dos funcionários sem autorização expressa ou razão imperativa; igualdade de acesso às oportunidades de desenvolvimento profissional de acordo com critérios objetivos baseados em aptidões, competências e nas contribuições de cada um. Ou na meritocracia, para usar termo em voga. O código recomenda ainda que um funcionário jamais apresente trabalho ou idéia de terceiros sem conferir o devido crédito. 

No quesito assédio moral, a bússola corporativa considera que abusos hierárquicos e condutas hostis reiteradas agridem e humilham os subordinados e que, ao envergonhar os colaboradores, provocam surda deterioração da coesão organizacional e podem induzir a sabotagens e retaliações dissimuladas. Por conta disso, recomenda que não podem ser toleradas a desqualificação pública por meio de piadas ofensivas, insultos ou insinuações vexatórias, nem tratamento dos subordinados com desrespeito ou rigor excessivo, de forma regular. 

A perseguição por meio de ameaças explícitas ou disfarçadas ou pelo exercício arbitrário da posição de poder é igualmente contra-indicada. Nem deve haver pressão sobre subordinados para que prestem serviços de ordem pessoal. Além, obviamente, do famigerado assédio sexual, caracterizado como declarações lascivas não desejadas, carinhos não correspondidos ou manifestações não-verbais de natureza sensual. 

Trabalho compartilhado

O Código de Ética foi elaborado durante cinco meses por 33 executivos de praticamente todos os departamentos. Eles tiveram respaldo do consultor Robert Henry Srour, professor de ética em cursos de pós-graduação da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo) e autor de obra referência sobre o assunto Ética Empresarial — A Gestão da Reputação. 

Passada a fase de elaboração que se estendeu de setembro de 2004 a fevereiro último, o código começa a ser disseminado a partir deste mês aos 3,5 mil funcionários. A nova fase foi batizada de programa Crescer — Viver a Vida com Ética. “Vamos utilizar atividades como dinâmicas de grupo, apresentações teatrais e distribuir cartilhas que tratam do assunto de maneira leve e informal — explica Luiz Fernando de Palma, diretor de Assuntos Jurídicos e coordenador do programa. 

A maior garantia de que as boas intenções do Código de Conduta não ficarão apenas no papel e nem serão deixadas de lado é a atuação do Comitê de Ética, composto por sete membros indicados pela vice-presidência de Administração e Finanças, diretoria de administração da Qualidade Total, pelas divisões Industrial, Comercial e de Assuntos Jurídicos, além de um membro do grupo de trabalho que elaborou o código. 

Atribuições do comitê 

Entre as atribuições do comitê estão aplicação, interpretação das diretrizes e a permanente atualização do Código de Conduta. Mas o cumprimento das normas não seguirá rigor de código penal. “Não se trata de tribunal de júri, mas de instância voltada principalmente à defesa dos preceitos e ao aconselhamento quando houver necessidade” — considera Luiz Fernando de Palma.

A moldura conceitual da iniciativa é que a simples existência do código, do comitê e do programa de disseminação dos preceitos já é suficientemente significativa para inibir escorregões comportamentais e desvios de conduta, sem que haja necessidade de adotar abordagem punitiva. 

O código e o programa foram lançados oficialmente no início de fevereiro com ato tão simples quanto simbólico na sede da BF: o plantio de muda de ipê amarelo realizado em conjunto pelo prefeito João Avamileno, o presidente da BF do Brasil, Eugênio Deliberato, o representante do Sindicado dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha e Pneumáticos, Daniel Demétrio, além do presidente da BF para a América Latina, Jorge Gonzalez.

Nenhuma novidade 

Os conceitos reconhecidos no Código de Conduta não são novidade para quem acompanha a trajetória da companhia instalada há 80 anos em Santo André. A decisão de manter fábrica no Grande ABC de custos elevados é o indicador mais consistente da responsabilidade social amalgamada no DNA corporativo. A aposta do ex-presidente Mark Emkes na continuidade da fábrica — e dos postos de trabalho — em Santo André mereceu capa de LivreMercado com o sugestivo título A Lista de Emkes, em janeiro de 1999. A reportagem foi o passaporte para que a companhia conquistasse o troféu de Melhor das Melhores do Prêmio Desempenho daquele ano.

Movida pela competitividade sem fronteiras, a BF anunciou recentemente investimento em nova fábrica na Bahia para produzir pneus mais simples com mais economia. Mas não deixou de prestigiar Santo André, já que reservou US$ 110 milhões para ampliar a capacidade produtiva de produtos com mais valor agregado. 

Quando o plano de expansão da fábrica de Santo André estiver concluído, a BF ganhará fôlego para continuar crescendo em mercado puxado principalmente por vendas externas embaladas pelo real desvalorizado. A capacidade saltará dentro de dois anos dos atuais 33 mil pneus/dia para 35 mil pneus/dia. “Estamos operando no limite, 24 horas por dia. Por isso a expansão é necessária” — enfatiza Raul Viana, diretor de Assuntos Corporativos. 

Mirando o pico 

A companhia ainda não dispõe da receita de 2004, ano em que a indústria automobilística brasileira bateu recorde histórico com 2,2 milhões de veículos produzidos, dos quais 600 mil destinados ao Exterior. Se seguir a tendência, como é provável, a BF atingirá o pico mais alto nos mais de 80 anos de Brasil. Em 2003 o faturamento cresceu 5% em relação a 2002 e chegou a R$ 1,4 bilhão, equivalente ao orçamento de São Bernardo, a segunda cidade que mais arrecada no Estado, atrás apenas da Capital. 

O demonstrativo consolidado de vendas mostra que 56% da produção é destinada à reposição, 22% abastece montadoras e outros 22% são encomendas do Exterior. O mercado de reposição é atendido por meio de 600 revendedores exclusivos entre os chamados Truck Centers (centros automotivos de caminhões) e Car Centers. O market share (participação de mercado) na reposição é de 28% e de 21% nos veículos zero-quilômetro. 

Além de centro produtor nacional, a unidade de Santo André acolhe um dos quatro núcleos de pesquisa e desenvolvimento da BF no mundo. Os outros estão instalados nos Estados Unidos, Japão e Itália. O cérebro brasileiro de desenvolvimento opera em sinergia com o campo de provas em São Pedro, a 190 quilômetros de São Paulo, considerado o mais moderno da América Latina. São 28 tipos de superfícies para simulação de circunstâncias críticas, incluindo pista específica para testes de ruídos no interior dos veículos. Ocupa área de 510 mil metros quadrados e demandou investimentos de US$ 12 milhões. 

Exposição na F-1

Mas o principal cenário de desenvolvimento e exposição da marca é a Fórmula 1. É nas curvas sinuosas e retões desafiadores dos autódromos que a companhia põe novas tecnologias à prova ao mesmo tempo em que evidencia a logomarca aos olhos de milhões de telespectadores. A Fórmula 1 é a estrela mais reluzente, mas a BF apóia equipes de outras três modalidades de esporte a motor: Champ Car (antiga Kart) e IRL, nos Estados Unidos, e Fórmula Truck, no Brasil.

A subsidiária brasileira é uma das ramificações mais importantes do grupo japonês sediado em Tókio e que emprega 104.700 funcionários em 112 fábricas espalhadas por mais de 20 países, das quais 47 dedicadas à produção de pneus e 65 para produtos diversos como autopeças, semicondutores, equipamentos para golf e tênis e até bicicletas. 

O conglomerado é resultado da compra da norte-americana Firestone pela japonesa Bridgestone em 1988. Como Firestone agrega apelo histórico de marketing do qual não é recomendável abrir mão, os japoneses acharam por bem manter a marca no Brasil. 

Em épocas e culturas distintas, Shojiro Ishibashi, fundador da Bridgestone há mais de 100 anos, e Harvey Firestone, fundador da Firestone, criaram e desenvolveram empresas de pneumáticos que se comportaram como universos paralelos até que a globalização as juntou numa só constelação de excelência.



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