O enunciado é aparentemente paradoxal, mas faz todo sentido sob a lei inexpugnável da oferta em sintonia com a demanda: o recrudescimento da violência urbana e o trânsito cada vez mais caótico estabeleceram as bases para um fenômeno setorial notável no Grande ABC: o boom do mercado de buffets infantis. Por toda a parte, mas sobretudo nos bairros mais aquinhoados de Santo André, São Bernardo e São Caetano, espaços especializados em festas de crianças estouram como pipoca em panela quente. Mas o que a violência urbana e o tráfego claudicante têm a ver com isso? Tudo.
Há alguns anos, quando ir e vir do Grande ABC à Capital não era tão perigoso e estressante por causa da criminalidade e do trânsito, as famílias mais abastadas da região não titubeavam em comemorar aniversários infantis na reluzente São Paulo — considerada a meca do setor. Como reflexo da força gravitacional exercida pela Capital, o mercado regional não evoluía. Ficava restrito a poucas e modestas opções.
Mas a situação mudou completamente nos últimos tempos. O crescimento da onda de sequestros, de assaltos à mão armada e dos congestionamentos inibiu deslocamentos mais longos e levou a classe média e os ricos a buscarem dentro dos limites regionais o que costumavam encontrar fora.
Mercado adaptado
O mercado se adaptou a essa mudança de hábito e o Grande ABC passou a oferecer empresas de alto nível que não deixam nada a desejar aos melhores concorrentes de São Paulo. Kid Beeruta, Brinca Piá e Toca do Leão são alguns dos mais novos e completos representantes do segmento que encanta e cresce na esteira da busca por tranquilidade e segurança. Em comum, oferecem sofisticada estrutura em imóveis amplos e especialmente projetados para a finalidade.
O Kid Beeruta tem duas unidades. Uma em São Bernardo, inaugurada em fevereiro de 2001, e outra em Santo André, criada em outubro de 2003. A primeira fica no Bairro Nova Petrópolis e a segunda no Bairro Jardim. Somam 1,5 mil metros quadrados de área construída e oferecem atrações como mini-roda gigante, parede de escalada, elevador em queda livre, dardos e jogos eletrônicos, túneis com piscinas de bolinha, danceteria, pista de boliche e atrações radicais como arvorismo e rapel: as crianças caminham sobre ponte móvel a quatro metros de altura e deslizam sobre o salão atadas a uma corda.
Tudo com segurança garantida por equipamentos e instrutores especializados. “Buffets infantis se converteram em mini-parques de diversões para cativar o público cada vez mais exigente” — observa Lud Alonso, que comanda o Kid Beeruta ao lado da esposa Luciana.
Toca do Leão e Brinca Piá vieram depois, mas não ficam atrás em estrutura. Tanto que contam com monorail, trenzinho suspenso que conduz os convidados do interior do salão até a área externa, em frente à rua, e depois volta de ré. “O brinquedo agrada os participantes da festa e ainda funciona como instrumento de propaganda porque todos que passam pela rua param para olhar” — afirma Alessandra Basso, que inaugurou o Toca do Leão em fevereiro na Rua das Bandeiras, também no Bairro Jardim.
Na Avenida Portugal
Já o Brinca Piá se instalou na Avenida Portugal em setembro de 2003, um mês antes da chegada do Kid Beeruta a Santo André. Também conta com salão de aproximadamente 500 metros que acolhe brinquedos iguais ou semelhantes aos do concorrente. Isto é: também podem ser considerados mini-parques de diversão de uso exclusivo. O Brinca Piá só não têm a danceteria e a pista de boliche que magnetizam adultos no Kid Beeruta de Santo André.
A vantagem que Brinca Piá e Toca do Leão levam por exibir o chamativo monorail está com os dias contados, de acordo com Lud Alonso, do Kid Beeruta. Sem revelar detalhes, ele afirma que a unidade de Santo André vai receber ainda neste semestre brinquedo inédito que deslizará por quase 100 metros de trilhos — o dobro da medida dos concorrentes. E adianta que o Kid Beeruta de São Bernardo vai ganhar recursos igualmente impactantes, como simuladores de kart e de quadriciclo. “É preciso inovar constantemente porque o público é exigente” — destaca Lud.
Mais inovação sintomática do nível de sofisticação do setor? O Brinca Piá acaba de adquirir a franquia Mãos de Cera, para oferecer brindes diferenciados: moldes personalizados das mãozinhas das crianças, produzidos artesanalmente com parafina importada. “A franquia já está presente em Brasília e São Paulo. O Brinca Piá é o primeiro da região ao oferecer o serviço” — comenta a proprietária Cátia Scatena.
Investimento elevado
Os empreendedores não falam em valores investidos, mas deixam claro que a materialização de buffet infantil de alto nível não sai por menos de R$ 1 milhão, incluindo imóvel e equipamentos. “Só o ar condicionado central custa R$ 150 mil. E temos um em cada unidade” — exemplifica Lud Alonso, do Kid Beeruta. Tão indispensável quanto o lastro financeiro, porém, é ter fôlego para mergulhar de cabeça no negócio. “Não temos folgas sábados, domingos e feriados. Só não trabalhamos na sexta-feira santa porque Deus não iria nos perdoar” — destaca com humor Cátia Scatena, do Brinca Piá. “É uma atividade gratificante porque transformamos sonhos em realidade. Mas é preciso viver integralmente para isso” — destaca Lud Alonso. “Costumo dizer que meu fim de semana é na segunda-feira, normalmente o único dia em que é possível descansar” — afirma Alessandra Basso, do Toca do Leão.
A razão pela qual os empreendedores fazem questão de participar pessoalmente das festas é simples: da mesma forma que convidados satisfeitos se tornam clientes fiéis, eventuais falhas de atendimento podem causar estragos fatais. Aniversários são datas únicas, cercadas de expectativa de que tudo saia de acordo com o planejado. A cozinha é uma das áreas mais complexas, já que o cardápio dos buffets é variadíssimo. São dezenas de opções entre bolos, doces, salgados, bebidas e pratos quentes. Cada festa mobiliza cerca de 30 colaboradores entre cozinheiros, garçons, monitores e recreacionistas. “Os monitores normalmente são jovens universitários” — observa Cátia Scatena, do Brinca Piá.
A necessidade de azeitar as engrenagens da diversão com investimentos constantes e o regime de dedicação absoluta são proporcionais aos resultados dignos de mercado com demanda reprimida, isto é, procura acima da capacidade de oferta. Alessandra Basso, do Toca do Leão, conta que a agenda está cheia. “Praticamente todos os finais de semana estão comprometidos até dezembro” — comemora. “Em abril realizamos 30 festas e temos eventos programados para praticamente todos os dias deste mês” — conta Cátia Scatena, do Brinca Piá. “São 15 mil convidados por mês em Santo André e São Bernardo” — destaca Lud, do Kid Beeruta. Ele completa: “Como as duas unidades vivem cheias, principalmente aos finais de semana, estamos nos estruturando para realizar festas fora das próprias instalações, em locais escolhidos pelos contratantes”.
Agenda repleta
O Buffet Via Láctea, também instalado no Bairro Jardim, conta com agenda igualmente repleta. “Temos mais de 30 festas programadas para maio” — destaca Márcio Galluzzi, que dirige a empresa ao lado da esposa Glaucia Guiguer Galluzzi. O Via Láctea impressiona os convidados com um foguete com capacidade para 20 adultos e crianças. O equipamento balança em movimento pendular sob decoração de céu azul escuro repleto de estrelas, planetas e cometas.
Embora as crianças sejam o público preferencial, buffets infantis recheiam agendas também com encontros empresariais, festas de aniversário de adultos e outros eventos. É com base nesse ecumenismo etário e temático que o Kid Beeruta agregou opções voltadas a adultos, como danceteria e pista de boliche. “Já sediamos bodas de prata e aniversário de 90 anos” — comenta Cátia Scatena, do Brinca Piá. Não é estranho? “Claro que não. Toda festa de adulto tem criança” — responde a empreendedora.
Não é coincidência o fato de grande parte dos buffets infantis terem como endereço bairros nobres de Santo André e São Bernardo, municípios que acolhem 68% das famílias ricas do Grande ABC, com rendimento mensal superior a R$ 9,1 mil, de acordo com pesquisa realizada pela Target Marketing. A oferta do serviço voltado à parcela superior da pirâmide econômica é naturalmente mais generosa nas áreas de maior poder aquisitivo.
Mais alternativas
No Bairro Jardim há ainda opções como Cheio de Recheio e Esmeralda. O Bairro Nova Petrópolis, em São Bernardo, é outro reduto de ricos e classes média onde buffets infantis proliferam. A Avenida Imperador Dom Pedro II sedia cinco exemplares da categoria: De Martini, Carroussel Mágico, Pop Kid’s, Kid Maluco e Ododeka. A algumas quadras, na Avenida Imperatriz Leopoldina, o Arco Íris acirra a concorrência no Bairro Nova Petrópolis.
Nos buffets mais sofisticados do Grande ABC uma festa para 50 pessoas pode custar R$ 3 mil, dependendo do cardápio. O valor relativamente alto é compensado para quem deixa o custo em segundo plano e confere peso preferencial aos benefícios. Ao terceirizar preocupações inerentes à realização de festas, ficam completamente livres para curtir como convidados. “Os contratantes só precisam definir a lista de convidados e escolher o cardápio. O resto fica por nossa conta, inclusive a confecção dos convites” — destaca Alessandra, do Toca do Leão.
Comodidade é outro motor por trás do crescimento dos buffets infantis no Grande ABC — além da violência e do trânsito inibidores de deslocamentos. Alessandra Basso nota que o avanço do setor está intimamente relacionado à inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho. A emancipação feminina na esfera ocupacional empurrou para empresas especializadas atribuições relacionadas ao universo doméstico. “Muitas mulheres deixaram de ter tempo suficiente para se ocupar dos detalhes de uma festa” — observa.
Lógica darwiniana
Claro que nem tudo é um mar de rosas no mundo encantado dos buffets infantis. A lógica darwiniana de sobrevivência dos mais fortes impõe desafios aos que ficaram para trás. “Vai ficar somente quem evoluir, crescer, renovar” — comenta Cátia Scatena, do Kid Beeruta. Só os melhores vão permanecer. Alguns já estão em dificuldades” — destaca Lud, do Kid Beeruta.
O Festa Park & Cia, de São Caetano, é exemplo de adequação aos tempos de competitividade crescente e nivelada por cima. Há quatro anos no mercado, transferiu a sede de imóvel adaptado na Rua Piauí para espaço planejado mais amplo na Avenida Goiás. Entre as principais atrações do Festa Park figuram pista de autorama, minicampo de futebol society e o brinquedo giratório ciclone, além de jogos eletrônicos, mini-roda gigante e paredão de escalada. Diversão garantida para crianças e adultos.
Sorte dos empreendedores regionais que os grandes buffets paulistanos fazem vistas grossas para a vizinhança, a exemplo da maioria esmagadora das luminosas redes de fitness que ainda não desembarcou por aqui. Mega Party, com unidades no Itaim, Jardins e Pinheiros, e Play Fest, com nada menos que 23 filiais, são exemplos de empreendimentos que poderiam impor duras dificuldades caso resolvessem voar na direção regional.
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