O balanço do desempenho da indústria automobilística brasileira no ano passado traz uma notícia positiva e outra negativa para o Grande ABC. Primeiro a boa: a produção regional de veículos pesados vai de vento em popa e supera a média de crescimento do setor no Brasil. Enquanto a produção nacional de caminhões e ônibus registrou crescimento de 28,19% em 2004, no Grande ABC o salto foi de 32,74%. A produção conjunta de Ford, DaimlerChrysler e Scania — todas sediadas em São Bernardo — pulou de 61.525 em 2003 para 81.672 unidades no ano passado, enquanto o volume brasileiro saltou de 105.928 para 135.796 no mesmo período.
Com isso, a participação regional na produção nacional de pesados foi ampliada de 58,1% para 60,1%. Significa que o Grande ABC se consolidou ainda mais como peso pesado automotivo responsável por seis de cada 10 veículos de grande porte que saem das linhas de montagem do País.
Agora a notícia negativa: a participação do Grande ABC na produção de automóveis e comerciais leves ficou ainda mais reduzida porque o crescimento regional no ano em que a indústria, como um todo, bateu recorde histórico se deu em ritmo muito inferior ao do conjunto das plantas espalhadas pelo País. A produção brasileira de automóveis e comerciais leves saltou de 1.721.110 unidades em 2003 para 2.074.945 unidades em 2004 — crescimento de 20,5%.
Crescimento inferior
Especificamente no Grande ABC, a produção de veículos leves evoluiu de 409.295 unidades em 2003 para 445.930 unidades no ano passado. Com crescimento de 9,17%, equivalente a menos da metade da média brasileira, a participação regional sofreu novo abalo nesse quesito. Caiu de 23,71% em 2003 para 21,49% no ano passado. Um tombo de mais de dois pontos percentuais no curto espaço de 12 meses.
Moral da história: de cada 10 automóveis e comerciais leves produzidos no Brasil, apenas dois saem do berço da indústria automobilística. Os outros oito são fabricados em locais diversos como Interior de São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná, Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A mensagem embutida nos cálculos realizados a partir de dados do recém-publicado anuário da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) é simples: o Grande ABC se consolida como peso pesado da indústria automotiva, mas vai de mal a pior em matéria de veículos leves, que representam mais de 90% da produção total.
Custos restringem leves
As razões econômicas que explicam essa dicotomia foram fartamente esmiuçadas em reportagem de capa de agosto de 2004, cujo título Somos Pesos Pesados do Setor Automotivo já apontava a realidade com base em indicadores de produção. Como os custos do Grande ABC são relativamente mais altos em comparação aos de outras praças produtivas, a região tende naturalmente a atrair veículos pesados que embutem maior rentabilidade e valor agregado.
É espécie de hedge geográfico que permite sustentar custos maiores com retornos mais polpudos. Além disso, a produção de caminhões normalmente é centralizada em poucos sites pelo mundo, diferentemente da de automóveis, pulverizada por várias regiões de um mesmo País. Nesse contexto de centralização obrigatória para obtenção de escala o Grande ABC teve a sorte de acolher Scania e Mercedes-Benz há décadas e a divisão de caminhões da Ford, mais recentemente transferida de São Paulo.
Na via oposta, automóveis e comerciais leves amargam redução histórica porque agregam rentabilidade estreita, comprometida pelos custos inflados em décadas de mercado fechado. O salário do metalúrgico da região é mais que o dobro da média nacional, de acordo com levantamento encomendado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores). E a impossibilidade espacial de atrair fornecedores de sistemas automotivos para o lado da fábrica desequilibra o jogo da competitividade em favor do Complexo Industrial Ford Nordeste, na baiana Camaçarí, e do Condomínio Industrial da General Motors em Gravataí, no Rio Grande do Sul.
Mais perdas no futuro
É por isso que a decodificação dos números da Anfavea não surpreende. Pelo contrário. Se nada for feito para dinamitar o Custo ABC, a expectativa é de que a participação em automóveis continue caindo sob o imperativo da competitividade global.
Dois motivos explicam por que a produção regional de automóveis cresceu em ritmo muito menos intenso que a média do País. Automóveis mais sofisticados e de maior valor agregado concentrados na região têm escala de produção menor que modelos mais simples e baratos feitos em regiões de custos mais baixos. Logo, a elasticidade da demanda é menor.
Além disso, o Grande ABC vive indesejada dieta de investimentos em ampliação de capacidade enquanto plantas de outras regiões recebem novos produtos ou colhem frutos dos investimentos maciços realizados a partir da segunda metade da década de 90 com impulso da guerra fiscal.
No Grande ABC os investimentos são meramente de reposição, como o recentemente anunciado pela GM para produção do Novo Vectra. As vendas da versão atual vão de mal a pior, de modo que a montadora não teve alternativa à providencial atualização estética.
Participação em queda
A queda de 23,71% para 21,49% na produção regional de automóveis e comerciais leves fez com que o Grande ABC reduzisse participação na produção total de veículos. Dos 2.210.741 automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões produzidos no Brasil em 2004, 527.602 saíram do Grande ABC, ou 23,86%. Em 2003 a participação era de 25,7%, já que a região produziu 470.820 veículos dos 1.827.666 daquele ano. Foram quase dois pontos percentuais a menos no placar.
O crescimento acima da média nos caminhões e ônibus não foi suficiente para amortizar o impacto da redução da fatia dos automóveis e comerciais leves. A produção nacional saltou 20,95% enquanto a do Grande ABC cresceu apenas 12%.
A redução constatada no Grande ABC foi responsável por mais uma queda de São Paulo frente a outros Estados. Pela primeira vez na história, a indústria paulista produziu em 2004 menos da metade dos veículos brasileiros. Precisamente 49,4% do total, ante 52,8% em 2003, 55,2% em 2002 e 74,8% em 1990. Ao subtrair a participação do Grande ABC (23,86%), dos 49,4% de representação do Estado, chega-se à conclusão que o Interior paulista superou o Grande ABC ao produzir 25,54% dos veículos brasileiros em 2004. Isto é, o resultado conjunto das plantas da GM, Ford e Volks no Vale do Paraíba, da Toyota em Indaiatuba e da Honda em Sumaré, as duas últimas na região de Campinas, ultrapassou os números consolidados do berço da indústria automobilística, incluindo caminhões.
Perdas múltiplas
O Grande ABC perde dentro do Estado e fora também, já que a redução da participação paulista tem a contraface do avanço de outros Estados. A participação do Paraná atingiu 9,9% em 2004, ante 8,1% em 2003. Pesou principalmente a chegada do Fox na Volks de São José dos Pinhais. A participação da Bahia chegou a 8,6% em 2004 ante 7,6% em 2003 por conta do incremento da produção do EcoSport e do Novo Fiesta em Camaçarí.
Minas Gerais se manteve praticamente estável com 20,2% garantidos pela Fiat. Rio de Janeiro subiu de 4,1% para 4,7% com o grupo PSA Peugeot/Citroen e a fábrica de caminhões da Volks. Rio Grande do Sul assinalou 6,4% representados pela produção do Celta, da GM. Goiás contribuiu com 0,8% por meio da fábrica da Mitsubishi.
Para chegar a percentuais inéditos de participação regional na produção brasileira, LivreMercado recorreu mais uma vez a dados da Anfavea, informações das montadoras e de representantes dos trabalhadores. Do total de 574.440 veículos produzidos pela Volks no Brasil em 2004, 214.068 saíram da fábrica Anchieta, ou 37%, de acordo com o sindicalista Francisco Alemão Duarte de Lima, secretário de organização do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Dos 562.012 fabricados pela GM, 164 mil saíram da planta de São Caetano, ou 29%, segundo o diretor de Manufatura, José Eugênio Pinheiro. Das 277.960 unidades fabricadas pela Ford, 88.604 correspondem a São Bernardo, ou 31% do total, segundo a montadora. Destes, 67.127 foram automóveis e comerciais leves e 21.477 caminhões. Até a Land Rover, com apenas 735 unidades produzidas em São Bernardo no ano passado, foi incluída nos cálculos.
A conta dos caminhões é menos complexa porque dispensa garimpagem em várias fontes. Basta somar os números naturalmente regionalizados entregues de bandeja no anuário da Anfavea. Somente o Grande ABC tem no Brasil fábricas de caminhões e ônibus da Scania, DaimlerChrysler e Ford.
Panorama internacional
O anuário da Anfavea é espetáculo de conhecimento agregado que nenhum estudioso ou especialista em indústria automobilística deveria deixar de ter como livro de cabeceira. Além de dados sistematizados que ajudam a compreender a realidade brasileira e regional, o trabalho de 173 páginas proporciona proveitoso vôo panorâmico sobre a indústria mais competitiva do planeta e confere a dimensão dos desafios futuros do Grande ABC sobre rodas.
Os 650 mil veículos embarcados pelo Brasil no ano passado parecem uma enormidade. Nem tanto, porém, quando contextualizados aos volumes dos maiores exportadores em 2003, último período com dados internacionais consolidados. O Japão exportou nada menos que 4,8 milhões de veículos, seguido pela Alemanha, com 3,9 milhões, Espanha, com 2,5 milhões, Coréia do Sul, com 1,8 milhão, Estados Unidos, com 1,6 milhão, Canadá, com 1,5 milhão, México e Reino Unido, com 1,2 milhão, Bélgica, com 900 mil e Itália, com 700 mil. Significa que o Brasil exporta menos que muitos países pequenos ou outros de moedas mais valorizadas que, teoricamente, tornam a relação cambial menos propícia a inserções internacionais.
A festa comemorada pelo recorde histórico de 2,2 milhões de unidades produzidas em 2004 também é relativizada ao olhar para o globo terrestre: dados também relativos a 2003 mostram que os Estados Unidos produziram 12.078 milhões, seguidos pelo Japão, com 10.286 milhões, Alemanha, com 5.507 milhões, China, com 4.444 milhões, França, com 3.620 milhões, Coréia do Sul, com 3.178 milhões, Espanha, com 3.030 milhões e Canadá, com 2.546 milhões.
Em relação à frota circulante, o País ocupou a nona posição em 2002, último ano com informações disponíveis. Os Estados Unidos figuram na liderança com 225.452 milhões — mais de um quarto da frota mundial de 808.218 milhões de veículos — o Japão segue à distância com 73.989 milhões, a Alemanha vem em seguida com 48.225 milhões, depois Itália, com 37.682 milhões, França, com 35.144 milhões, Reino Unido, com 32.924, Rússia, com 27.315 milhões, Espanha, com 23.048 milhões e Brasil, com 20.769 milhões.
Os Estados Unidos tinham 1,2 habitante por veículo em 2002. Como a produção automotiva foi maior que o crescimento demográfico nos últimos dois anos, é possível que tenha atingido a relação estatística de um veículo para cada norte-americano. Itália, Austrália, Japão, Alemanha, França, Canadá, Espanha, Reino Unido, Áustria, Bélgica e Suécia oscilam entre 1,5 e dois habitantes por veículo. Logo atrás vem República Checa, com 2,5 habitantes, Polônia, com três, Coréia do Sul, com 3,4, México, com 5,3, Argentina, com 5,4, e o teoricamente promissor mercado brasileiro com 180 milhões de habitantes e relação rarefeita de 8,4 habitantes por veículo.
O problema para a indústria é que o coquetel composto de extrema desigualdade de renda, juros altíssimos e sobrepreço por tributação recorde não permite equacionar a estatística aparentemente promissora com vendas satisfatórias no mercado doméstico.
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