São Caetano decidiu atacar de frente o Complexo de Gata Borralheira que compromete a performance do comércio local. A expressão que denota o sentimento de inferioridade regional em relação à Cinderela representada pela Capital paulista é traduzida por revoada de consumidores. A cidade ostenta uma das maiores rendas per capita do País, mas não conta com comércio à altura porque moradores bem aquinhoados costumam bater asas em direção aos shoppings de Santo André e paulistanos para satisfazer necessidades de consumo.
A administração encabeçada pelo prefeito José Auricchio Júnior, no entanto, acredita que a batalha pela internalização da renda não está perdida. Tanto que acaba de tirar do forno dois planos de fortalecimento do terciário: o primeiro prevê remodelação urbanística completa da Rua Visconde de Inhaúma, principal eixo comercial da Vila Nova Gerti. O segundo pretende transformar em bulevar recheado de entretenimento noturno um pedaço da Rua Santa Catarina, no Centro.
A constatação de que parcela expressiva dos moradores não consome no comércio local deriva de conversa com comerciantes experientes e ficou clara com o fracasso do Shopping São Caetano, convertido em centro de prestadoras de serviços atraídas por ISS (Imposto sobre Serviços) rebaixado antes da uniformização constitucional. É essa realidade frustrante para o campeão do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU (Organização das Nações Unidas) que a Prefeitura pretende alterar.
Programa ambicioso
O programa de revitalização da Rua Visconde de Inhaúma é o mais ambicioso que os empreendedores locais já testemunharam. Prevê que calçadas serão trocadas e padronizadas. Terão quatro metros de largura de cada lado com pisos intertravados e blocos espaçados que, além de proporcionar efeito estético, garantirão a permeabilidade do solo. A iluminação receberá tratamento especial com modernização completa de postes, luminárias e fiação. Equipamentos urbanos como bancos e pontos de ônibus e táxis também serão atualizados.
Para o Largo da Figueira, no limite com a Avenida Tietê, a administração promete reformulação total com instalação de deck de madeira e teatro de arena, entre outras intervenções de impacto. As mudanças alcançarão até a sede da Fundação das Artes: as grades serão substituídas por espelho d’água que constituirá barreira natural, com vantagem de embelezamento.
Além de intervenções físicas, o programa contempla reforço da segurança com câmeras de monitoramento e postos móveis da guarda municipal.
“A obra vai trazer melhorias visuais, na segurança e, consequentemente, ampliar as vendas dos lojistas da Visconde de Inhaúma e adjacências. Com a readequação, o comércio ganhará nova vida” — considerou o prefeito José Auricchio Júnior, durante reunião com 120 comerciantes no anfiteatro da Fundação das Artes. Ele garantiu que os investimentos sairão integralmente dos cofres da Prefeitura.
Consumidores atingidos?
O plano deve se constituir em um dos principais casos de modernização de eixo comercial no País. Se vai atrair moradores de São Caetano é outra história. A cobertura de parte do calçadão da Coronel Oliveira Lima, em Santo André, não foi suficiente para resgatar passado de glamour e público de maior poder aquisitivo, basicamente porque o mix de lojas se adaptou à demanda de consumo popular à sombra dos shoppings. Da mesma forma, a cirurgia plástica programada pela administração de São Caetano pode não trazer os efeitos desejados.
Nos 1,2 mil metros de extensão da Visconde de Inhaúma há algumas lojas sofisticadas, mas prevalece comércio voltado a consumidores de bairros próximos cujo poder aquisitivo é infinitamente menor que o dos moradores de charmosos edifícios dos bairros nobres.
Guilherme Coppola da Silva, um dos proprietários da loja Ao Mundo das Louças, instalada há 45 anos na Visconde de Inhaúma, dá o recado. “Se dependêssemos dos consumidores ricos de São Caetano estaríamos perdidos. O que sustenta o comércio aqui são principalmente os populares da Vila Palmares. O comércio do centro de São Caetano está morrendo porque não conta com uma Vila Palmares por perto” — afirma Guilherme, referindo-se ao bairro pobre e populoso de Santo André, encostado à Vila Nova Gerti.
Poderio frenético
Guilherme também é enfático ao constatar o efeito magnético que os shoppings exerceram sobre a população de maior poder aquisitivo graças à oferta de estacionamento, segurança e mix equilibrado. E lembra que os consumidores das lojas da Visconde de Inhaúma são da própria Nova Gerti e de bairros próximos com potencial aquisitivo igualmente modesto.
José Joder Ferreira, proprietário da Ótica Sul, há 29 anos no local, tem opinião semelhante: “Estamos cercados pelo Shopping ABC e ABC Plaza, em Santo André, e pelo Central Plaza, na Vila Prudente. O que sustenta a ótica é a fidelidade dos clientes conquistados há muitos anos” — considera.
Se a questão for falta de atratividade para engrossar o movimento com público mais seletivo, o plano de revitalização caminha na direção correta. O problema é que os comerciantes terão de passar pela fase turbulenta de obras que podem se arrastar além do programado. A Prefeitura garante que as intervenções estarão finalizadas em novembro, a tempo das vendas de fim de ano.
Mas muitos duvidam. “Temos muita preocupação em relação ao andamento das obras. Caso demorem demais, podem comprometer ainda mais o desempenho do comércio da rua, que já anda fraco. Se isso acontecer, muitos não vão aguentar e há risco de quebra porque já estão trabalhando no limite do equilíbrio entre receitas e despesas” — considera Guilherme Coppola, da Ao Mundo das Louças. “O período de obras será complicado, mas para fazer omelete é necessário quebrar os ovos” — considera Pedro Martin Júnior, um dos proprietários da Padaria Ben Hur, instalada desde 1967 na Visconde de Inhaúma.
Bulevar gastronômico
O projeto de bulevar pretende consolidar a Rua Santa Catarina, no Centro, como ponto gastronômico e de entretenimento noturno. Para tanto, a Prefeitura permitiu que lanchonetes, restaurantes e cafeterias coloquem mesas e cadeiras nas calçadas nas noites de sexta-feira e sábado. E fez mais: acionou a guarda municipal para que intensifique cuidados com a segurança e mobilizou a Fundação das Artes para realizar eventos culturais.
Exposição de carros antigos, de quadros e presença de saxofonistas e violinistas são algumas das ações programadas. “Queremos tornar o centro de São Caetano tão movimentado à noite quanto já é a Avenida Goiás. Com a diferença de que a Santa Catarina atrairá público formado por famílias, enquanto a Goiás é mais frequentada por jovens” — afirma o diretor de Planejamento, Ramis Sayar.
Idealizador do projeto, Ramis Sayar conta que se inspirou na Rua XV de Novembro, em Santos, que, segundo ele, tornou-se agitadíssima à noite depois que a Prefeitura garantiu segurança e autorizou bares e restaurantes a expandir a área de atendimento para além dos limites das próprias portas. Ele cita também a região argentina de Porto Madeira como exemplo de recuperação a bordo de entretenimento noturno com recorte familiar.
Gestão comprometida
Entusiasmado com os potenciais efeitos de qualidade de vida e desenvolvimento econômico embutidos no plano, Sayar garante que a administração está envolvida com o sucesso da empreitada.
“Eu e o prefeito nos comprometemos a levar nossos filhos, amigos e parentes para frequentar o bulevar” — ressalta. “Fizemos reuniões com rotarianos, membros do Lions e da maçonaria e todos garantiram que vão prestigiar” — completa, referindo-se ao que chama de elite de São Caetano.
A Rua Santa Catarina foi escolhida porque já reúne características de bulevar. É estreita — é suficiente para passagem de apenas um carro — tem calçadas largas e postes de iluminação em estilo parisiense. Inicialmente, a experiência ficará restrita à quadra entre as ruas Baraldi e Pará, mas a intenção é estender o formato à rua inteira, até o limite com a sede das Casas Bahia. “A idéia é transformar a Santa Catarina em shopping a céu aberto. Com a movimentação em torno dos bares, lanchonetes e restaurantes, os comerciantes também vão querer deixar as lojas abertas até mais tarde” — aposta Ramis Sayar.
Os detalhes da implantação do bulevar foram definidos em reunião entre representantes da administração pública e comerciantes, no Palácio da Cerâmica. Os empreendedores que aderiram ao projeto têm em comum o forte sentimento de viabilidade da proposta. “Estamos animados. À noite o Centro de São Caetano é praticamente morto” — comenta Marisa Almeida, gerente do Nostra Cittá, restaurante, doceria, salão de chá e café instalado há cinco anos na Santa Catarina. “A idéia é interessante porque o Centro parece uma cidade fantasma à noite, inclusive aos finais de semana. Com a Santa Catarina como opção, quem sabe as famílias de São Caetano deixem de ir aos shoppings de São Paulo e de Santo André” — considera Munyki Freicsleben Garcia, proprietária da cafeteria Grão Expresso, franquia da Café Pelé. “Já era hora de adicionar um pouco de cor e alegria ao Centro” — opina João de Deus, proprietário da lanchonete e restaurante Paralelo 17, na esquina com a Rua Baraldi. “A Santa Catarina é agradável e tem tudo para virar point como os barzinhos do Bairro Jardim, em Santo André” — compara Amauri Gonzalez Xavier, proprietário da Questo, especializada em roupas femininas. Ele pretende deixar a loja aberta até mais tarde, assim que o movimento justificar a intenção.
Mas nem todos aproveitarão a permissão do Poder Público para colocar mesas e cadeiras na calçada e manter portas abertas até mais tarde. “É curioso a Prefeitura querer ativar o movimento à noite depois de ter matado a rua, com redução da largura para aumentar a calçada. Quando a Santa Catarina era mais larga e tinha área de estacionamento, o fluxo de consumidores era muito maior” — alfineta Rogério Passetti, proprietário do restaurante self-service Crystal, referindo-se à intervenção urbana realizada há alguns anos. “Além disso, meu pai me ensinou que quem não ganha dinheiro durante o dia dificilmente conseguirá ganhar à noite. Por isso não vou participar” — conclui.
Além do programa de modernização da Visconde de Inhaúma e do bulevar, a administração pretende induzir a materialização de um shopping center sobre a estação rodoferroviária. Se for para proporcionar mais comodidade aos usuários de trens e ônibus, está certo. Mas se a meta for segurar no próprio Município os consumidores de alto poder aquisitivo que costumam se deslocar para os centros de compras da Capital, a localização não parece propriamente adequada.
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