Como era previsto, o sinal amarelo acendeu. A cadeia automobilística é persistentemente colocada em xeque pela desvalorização do real, que desceu abaixo dos R$ 2,40 e atingiu o nível mais baixo desde abril de 2002. Para a indústria que dribla a anorexia do mercado interno com embarques vigorosos ao Exterior, a cotação não poderia ser pior. Quanto mais a moeda brasileira se valoriza, mais inflados se tornam os custos internos e piores as condições de competitividade internacional, principalmente no embate com emergentes como China, Coréia e Leste Europeu.
Para a região cujo PIB (Produto Interno Bruto) está intrinsecamente ligado às montadoras, a perda do vigor exportador gera dificuldades em cadeia ao comprometer níveis de produção, empregos e geração de impostos.
Conforme reportagem de LivreMercado Somos Reféns do Real Fraco, publicada na edição de janeiro último, o Grande ABC é extremamente dependente dos bons ventos cambiais. No ano passado, quando a cotação se manteve favorável e a indústria automobilística bateu recorde histórico de 2,2 milhões de veículos — dos quais mais de 600 mil exportados — a região comemorou 17 mil novos empregos industriais de um total de 50 mil com carteira assinada. Foi mais que uma Volkswagen Anchieta de novos postos de trabalho na indústria.
O fenômeno da multiplicação de vagas representa a antítese de parte dos anos 90 marcada pela valorização artificial do real. Sob pretexto de combater a inflação, o então presidente Fernando Henrique Cardoso patrocinou regime de paridade cambial entre 1994 e 1998, derrubou alíquotas de importação de autopeças — além de promover pulverização de investimentos com farta oferta de incentivos fiscais. Deu no que deu.
Centenas de autopeças foram à lona e trabalhadores ficaram a ver navios. Mais de 100 mil postos industriais com carteira assinada foram ceifados e o PIB regional encolheu 39% nos oito anos do governo FHC, marcados ainda por exportações medíocres e profusão de veículos importados.
Zona cinzenta
É improvável que o real retorne aos patamares surreais da era FHC, mas a trajetória consistente de valorização nos últimos meses já coloca o Brasil, a indústria automobilística e o Grande ABC na zona cinzenta de preocupação. O fato de montadoras e autopeças ainda registrarem recordes de produção e de vendas externas em relação a 2004 não deve ser encarado como prova cabal de que o vigor exportador independe do câmbio. Embarques correntes são resultado de contratos firmados no ano passado, quando o dólar era cotado entre R$ 2,80 e R$ 3,00.
Mas se a volatilidade converter as exportações em mau negócio, a tendência é de que as montadoras percam clientes na tentativa de reajustar preços, ou simplesmente pisem no freio, apesar da necessidade de gerar escala para compensar a inelasticidade da demanda doméstica. “Todas as montadoras brasileiras já colhem prejuízos com as exportações” — lembra Rogelio Golfarb, presidente da Anfavea.
A preocupação da indústria automotiva com a valorização do real embute pelo menos duas lições a serem assimiladas pelo governo. A primeira é que é preciso atacar custos estruturais para que a competitividade das exportações não fique tão atrelada à taxa de câmbio vulnerável a condicionantes macroeconômicas como a taxa de juros no Brasil e nos Estados Unidos. Destravar a burocracia portuária, por exemplo, é um dos caminhos.
A segunda recomendação já foi repassada pela Anfavea ao governo em forma de proposta: é preciso alargar o mercado doméstico engessado pela baixa renda per capita e pelos altos juros de financiamento. A redução da carga de impostos sobre o zero-quilômetro daria fôlego extra às montadoras que ainda são o pulmão e o coração do Grande ABC.
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