Economia

Minishopping de beleza vira
torre residencial. Cuidado!

DANIEL LIMA - 27/01/2017

O Espaço Único, plantado no coração do Bairro Jardim do Mar, nicho de classe média-média de São Bernardo, está virando empreendimento imobiliário residencial. Vou explicar tudo, mas antes uma síntese do que vem: o caso de fracasso desse empreendimento de serviços saudado há mais de uma década como prova da robustez da economia da região não é exceção à regra. É a própria regra de desfalecimento de negócios sofisticados ou não Província do Grande ABC. Tudo porque nossa mobilidade social foi para o brejo no ritmo da desindustrialização. Temos cada vez menos ricos e menos classe média. Não há quem resista. 

Na edição de 14 de maio de 2005 (portanto, há praticamente 12 anos) o Diário do Grande ABC publicou matéria anunciando o lançamento do Espaço Único. Melhor do que traduzir parte daquela reportagem é a própria transcrição igualmente parcial da notícia: 

 São Bernardo vai ganhar no dia 14 de junho a primeira galeria temática de beleza do Grande ABC, no Jardim do Mar. Batizado de Espaço Único, com 16 lojas, o novo empreendimento destinado ao milionário mercado da estética vai demandar investimento de R$ 3 milhões – R$ 1 milhão na aquisição do espaço e R$ 2 milhões em construção e instalação. O volume é o maior recurso já aplicado nesse setor no Grande ABC. (...) “Trabalho na região há quase 15 anos no setor de beleza, notei que os clientes sentem falta de um lugar que reúne serviços de alto nível congregados num único espaço” (explicou Primo Bonafini, um dos idealizadores do projeto). (...) Muita gente que está nesse mercado se mostra despreparada para atender às necessidades dos clientes. Fizemos uma seleção com os melhores profissionais do país em cada setor e vamos reunir na galeria”. (...) Primo Bonafini aposta em visitação de três mil pessoas por mês. “Atualmente atendo cerca de 1,5 mil pessoas mensalmente, com a ajuda de 40 funcionários. Como vou ampliar o espaço do salão e contratar mais 10 profissionais, atenderei com facilidade 2,5 mil clientes”, prevê. 

Mosaico explicativo 

No mês seguinte à inauguração, a revista LivreMercado fez uma reportagem ampla. Assinada pelo jornalista André Marcel de Lima, LivreMercado foi além da criação do Espaço Único. Era tradição da melhor publicação regional do País escarafunchar a economia regional (além de outras atividades, claro, como a devassa no ambiente social), construindo a cada edição um mosaico explicativo e interpretativo das transformações que se operavam num território em convulsão econômica. Selecionei alguns trechos do extraordinário texto de André Marcel de Lima, seguramente o talento mais brilhante que brotou naquela publicação: 

 O apartheid no universo regional de consumo ganhou contorno mais acentuado com novos empreendimentos em São Bernardo: a Rua Marechal Deodoro consolidou vocação com a abertura de duas galerias comerciais voltadas à base popular da pirâmide social. Não muito longe dali, no requintado Jardim do Mar, minishopping de grifes, decorações e serviços sofisticados de beleza e estética abriu portões de olho no público privilegiado que habita o retângulo superior.  As novidades refletem os dois lados da moeda de uma região que ostenta o quarto potencial de consumo do País, mas exibe chagas sociais à altura da explosão demográfica nos primórdios da industrialização e da perda de 39% do Valor Adicionado nos oito anos do governo Fernando Henrique. (...) Assim como as galerias Marechal e São Bernardo, o Espaço Único também está no lugar certo. O universo regional do consumo segregado entre os shoppings e os centros voltados ao comércio popular comporta ainda o terciário mais sofisticado na órbita de bairros de alto poder aquisitivo, casos de Vila Bastos, Jardim Bela Vista e Bairro Jardim, em Santo André, e Jardim do Mar, em São Bernardo. 

Menos classe média 

Fiz esses breves apanhados sobre o contexto em que o Espaço Único se instalou em São Bernardo (os trechos das matérias retratam com clareza a diferença entre o texto burocrático que marca a história editorial do Diário do Grande ABC e a sofisticação de linguagem e de informações da revista LivreMercado) para que os leitores se situem no que pretendo transmitir logo em seguida. Quem pretender ler a reportagem integral de LivreMercado terá um link logo abaixo. 

O que se passou nos últimos 12 anos na região e, principalmente, em São Bernardo, é que se acentuaram os escombros da demolição da casa já avariadíssima da classe média tradicional – não a suposta classe média que os petistas inventaram e cientistas sociais avermelhados avalizaram, vendendo a ideia de algo estrutural que não passava, de fato, de circunstancial.

O Espaço Único foi para o chapéu porque, por mais que tenham buscado a eficiência, os empreendedores se viram imersos numa complicação para a qual não existe remédio disponível no curto e mesmo no médio prazo: empobrecemos visivelmente, claramente, indiscutivelmente.

Por ter o domínio de informações econômicas da região (sempre confrontando-as com outros territórios) acabei por me transformar em suposto vidente. Dizem que tenho poderes mediúnicos. Bobagem. Cantar a bola das derrocadas econômicas regionais é a coisa mais fácil deste mundo: basta estar bem informado e não perder uma oportunidade sequer (em elevadores, por exemplo) para entabular diálogos. Conversar é a alma do jornalismo. 

Cara do Brasil 

Pois bem. A casa do Espaço Único caiu porque caímos pelas tabelas. Frequentemente escrevo sobre potencial de consumo da região, espécie de PIB do Consumo. Sempre ouço o especialista Marcos Pazzini, da Consultoria IPC Marketing. Em maio do ano passado, por exemplo, mostrei nesta revista digital números mais recentes sobre nosso quadro socioeconômico. Vejam alguns parágrafos iniciais daquele texto: 

 A riqueza acumulada na Província do Grande ABC disponível como potencial de consumo nesta temporada é maior que a média brasileira, mas está um pouco abaixo da vizinha Capital. Os números são da Consultoria IPC Marketing, empresa especializada no assunto. Tanto especializada que o Estadão de domingo deu manchetíssima de primeira página com base nos estudos de Marcos Pazzini e sua equipe. Dizer que o conjunto dos sete municípios da região é relativamente mais poderoso em riqueza acumulada que a média brasileira não é novidade. Tampouco que é inferior a São Paulo. O preocupante é que anos após anos nos aproximamos mais da média nacional. Ficamos, portanto, cada vez mais parecidos com o Brasil. Isso não é bom. (...). Neste 2016 são 905.470 famílias (residentes) na região e 57.396 milhões no País. A participação relativa do poder de consumo da região no bolo nacional em 1995 era de 2,90%. Para esta temporada não passará de 1,71%. Uma queda de 41%. A diferença que nos separa da cidade de São Paulo em várias faixas socioeconômicas é maior do que as vantagens que impomos ao Brasil. Entre as famílias de classe rica a região conta com 3,0%, contra 2,4% do Brasil e 3,8% de São Paulo. São Caetano é a única cidade proporcionalmente com mais ricos do que a cidade de São Paulo: são 5,4% das famílias. 

Nordestinização regional 

Também instalo no pé deste artigo o link dessa análise que produzi para CapitalSocial há quase dois anos. A compreensão de desventuras empreendedoras na região passa obrigatoriamente pelo que chamaria de “macroeconomia local”. Sem entender o que se tem passou na região ao longo de pelo menos duas décadas, retratadíssimas por LivreMercado e na sequência por CapitalSocial, é praticamente impossível decifrar as desilusões empreendedoras. 

Qualquer dia desses vou reconstruir fatos mais recentes, sobre as cantadas de bola da estupidez de investimentos em novos shoppings, há três anos, quando os sinais de esboroamento regional eram ainda mais graves. Chamaram-me de derrotista. Os triunfalistas de sempre desaparecem, claro, quando a verdade se estabelece de vez. Sempre foi assim e assim continuará. Eles são prevaricadores por natureza.

Quem ouvir os empreendedores que acreditaram no Espaço Único, em São Bernardo, provavelmente vão colecionar lamúrias. Duvido que eles omitam informações sobre o fracasso coletivo. Imagino o quanto se decepcionaram e quanto de perdas financeiras acumularam. Mas o pior mesmo é a quebra do entusiasmo de ter um negócio que gere empregos. A nordestinização da Província do Grande ABC, expressão que cunhei para definir a proliferação de negócios nas áreas de comércio e serviços, tornou-se autofágica num período de empobrecimento generalizado ditado pela decadência industrial. 

A sugestão que faço aos leitores que eventualmente pretendam empreender é que meçam todos os passos. Não caiam na lábia de gente desqualificada e despreparada. O bolo de consumo regional segue em constante retração. Quanto mais concorrentes, mais exclusão e infortúnios. Pensem muito antes de despedaçarem sonhos e liquidarem com reservas financeiras vitais à manutenção da família. A Província do Grande ABC não é lugar para descuidos. Nem para sonhos. Cuidado, muito cuidado. 

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