Economia

Muito mais que
vitrines famosas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 13/09/2005

O fenômeno ainda não mereceu atenção dos especialistas em varejo, mas é amplamente reconhecido pelos consumidores: shopping centers se transformaram em muito mais do que centros de compras. Além de justificar a tradução das palavras inglesas, os empreendimentos evoluíram, agregaram novas atribuições e se consolidaram como verdadeiros complexos de entretenimento e lazer em meio ao corre-corre das regiões metropolitanas. E não apenas por acolherem miniparques de diversões, boliches, salas de cinema, praças de alimentação e outras opções de diversão. 


O que chama atenção de quem se acostumou a enxergar shoppings estritamente como sinônimo de centros de consumo é a diversidade de eventos e ações que conduzem visitantes a caminhos alternativos com apelos culturais, artísticos e esportivos. 


É claro que a função primordial dos empreendimentos que conquistaram o mundo a partir dos Estados Unidos continua sendo faturar com a venda de produtos e serviços. A novidade é que shoppings encontraram formas muito mais sofisticadas de lutar pela preferência dos consumidores num contexto de alta competitividade. Já não basta acenar com quesitos convencionais como estacionamento, segurança e diversidade de lojas. 


Experiência diferente


É preciso encantar, surpreender, oferecer algo fora do script que transforme o tradicional passeio em shopping em experiência diferente, especial e, se possível, inesquecível. A tendência é claramente observada nos shoppings ABC, ABC Plaza e Metrópole, os maiores da região, que totalizam mais de 600 lojas e 2,5 milhões de frequentadores por mês — volume equivalente à soma da população das sete cidades da região. 


O Shopping ABC, de Santo André, é o principal protagonista da flexibilidade conceitual. Além de oferecer 300 lojas, o empreendimento instalado na Avenida Pereira Barreto magnetiza o público com atrações tão distintas como shows musicais, estação de esportes radicais, parque country, exposições artísticas e culturais, oficina de moda, feira mística e esotérica, shows de mágicas, planetário, desfiles de moda com atores globais e cursos e palestras sobre temas variados como liderança empresarial e artesanato infantil. 


Os eventos incorporados ao calendário contribuem para o fluxo mensal de um milhão de visitantes. “Procuramos despertar interesses que vão além das compras. Assim, o shopping imprime lembranças positivas e os consumidores tendem a voltar” — observa Antonio Ferrite Sampaio, superintendente do Shopping ABC. Ele cita como exemplo o sorriso espontâneo de crianças que se deleitaram com o show dos ilusionistas Paul & Jack. Foram nove extensas apresentações diárias na praça de alimentação em julho. “São momentos de encantamento dos quais pais e filhos jamais se esquecerão” — comenta o executivo. 


Camas elásticas 


Se não é necessariamente obrigatório ir ao circo para assistir ilusionista hipnotizar pomba, fazer cigarro levitar ou transformar baralho em rato, também deixou de ser necessário ir até o parque de diversões para sentir friozinho na barriga ao embarcar em brinquedos radicais. Em julho o Shopping ABC sediou o Space Jump, conjunto de camas elásticas atreladas a estruturas metálicas que proporcionaram saltos e piruetas a quatro metros de altura aos visitantes mais audaciosos. O ingresso a R$ 8,00 garantia segurança completa com equipamentos e monitores treinados. 


Na oficina da moda, em funcionamento durante quase todo mês de abril, os visitantes puderam criar as próprias peças de vestuário com coordenação do produtor Edyr Moraes e auxílio de profissionais e estudantes da área. 


O Planetário Móbile, instalado na primeira quinzena de junho, proporcionou viagem espacial por meio de conjunto de projetores que simulavam a esfera celeste com mais de três mil estrelas, planetas, eclipses, constelações, galáxias, nebulosas, pulsares, buracos negros e outras maravilhas do universo. Do lado de fora, um robô convidava os frequentadores do shopping a entrar na nave. Do lado de dentro, um monitor os conduzia à viagem interplanetária.


Aprendizado também


O espetáculo Ciência em Show, realizado na primeira quinzena de junho, também mesclou entretenimento e aprendizado. Sob direção do grupo CiEnsinando, formado por mestres e professores licenciados da Universidade de São Paulo, o cenário-laboratório deu lugar a mais de 100 experiências diferentes com eletricidade, som, luz, sombras, magnetismo, gravidade, ação e reação, distribuição de massa num corpo, estados físicos da matéria, composição atmosférica, efeitos físicos do gás carbônico, a terceira lei de Newton, entre outros conceitos científicos. 


Quem disse que o clima de badalação inerente aos shoppings não combina com a seriedade de ciência? Se o que está em jogo é a necessidade de estabelecer laços mais fortes e duradouros com consumidores bombardeados por múltiplos apelos de consumo nestes tempos de competição exacerbada, da qual participam shoppings, comércios de rua e hipermercados, não existe combinações impossíveis. 


Até atividades físicas compõem o reino das ações diferenciadas nos templos de consumo. ABC Plaza Shopping, de Santo André, e Metrópole, de São Bernardo, dispõem de programas gratuitos para afastar o público do sedentarismo. Tanto o Movimento Vivo do ABC Plaza quanto o Saúde Metrópole aproveitam a estrutura física no período da manhã, enquanto os shoppings ainda estão fechados, para oferecer sessões diárias de alongamento, caminhada e relaxamento com supervisão de profissionais especializados. 


Espaços para todos 


O Movimento Vivo contempla mais de 100 participantes que batem ponto no ABC Plaza entre terça e sexta-feira, das 7h às 9h. O Saúde Metrópole registra 150 inscritos e é realizado de segunda a sexta, das 7h30 às 8h30. “Nada melhor do que aproveitar período ocioso para oferecer algo mais, aproveitando o espaço amplo e seguro do shopping” — observa Márcia Pacheco, gerente de marketing do ABC Plaza.


Assim como o Shopping ABC, ABC Plaza e Metrópole também aprimoram a política de relacionamento com agenda repleta de eventos. “O calendário é formatado com um ano de antecedência e os eventos são renovados a cada 15 dias” — explica Tatiana Meluso, gerente de marketing do Metrópole, com 160 lojas e 700 mil frequentadores por mês. 


Entre os eventos mais recentes figuram a exposição “A Moda a seus Pés”, que mostrou a história dos calçados, e o Fashion Eco, no qual frequentadores produziram peças de vestuário com material reciclável. O ABC Plaza sediou exposição fotográfica sobre Paranapiacaba, laboratório de robótica, feira de troca de livros e outros eventos de cunho educacional. 


Cursos e palestras 


Outra característica comum dos três maiores shoppings do Grande ABC é a permanente oferta de cursos e palestras. Pelo Espaço das Artes do Shopping ABC passam mais de 1,5 mil alunos por mês em cursos de gastronomia, artesanato e palestras sobre temas diversos como pescaria, poder das plantas medicinais, como se alimentar corretamente e manter a forma, massagem antiestresse, entre outros. A Central de Cursos do Metrópole atende de 600 a 800 alunos por mês e o ABC Plaza também registra centenas de participantes em cursos de artesanato. Normalmente os cursos são gratuitos ou custam pequena taxa para custear materiais, além de alimentos não-perecíveis destinados a entidades assistenciais. 


Especificamente na praça de alimentação o lema é valorizar o ambiente das refeições com música ao vivo — ferramenta utilizada pelos shoppings ABC e Metrópole. A programação do Shopping ABC é digna de casa de shows com MPB, rock, pop e músicas instrumentais. O Shopping ABC promove apresentações diariamente das 12h às 14h30 e das 19h às 21h. No Metrópole a música ao vivo ecoa no jantar e também durante o almoço, especialmente aos domingos. “E não é preciso pagar couver artístico” — brinca Antonio Ferrite Sampaio, superintendente do Shopping ABC.


A transformação dos shoppings em muito mais do que centros de compras é observada pelo consultor em varejo Edson Zogbi como tendência facilmente compreensível diante de condicionantes de mercado e comportamentais. “Como o tempo é cada vez mais escasso, o shopping se adaptou à necessidade de oferecer tudo no mesmo espaço. Por outro lado, os eventos e cursos trazem resultado interessante para os lojistas: aumentam o tempo de permanência dos visitantes no local, gerando mais consumo” — aponta Zogbi. 


O especialista ressalta ainda que a consolidação dos shoppings como pólos de entretenimento e convivência caminha em convergência com a necessidade de adicionar experiências no ato de compra, no contexto do que identifica como marketing de serviço acoplado ao comércio. “No caso dos shoppings, os varejistas oferecem atrativos através de ações conjuntas que representam evolução em relação a estratégias individuais como degustação em lojas de alimentos, provadores em lojas de cosméticos, orientadores de estilo em lojas de roupas e simuladores virtuais em lojas de decoração” — observa. 


Mais complicações nas ruas


As evidências de que shopping centers assumem papéis mais completos ajudam a compreender de forma mais abrangente o rol de dificuldades enfrentadas pelo comércio de rua. Atrativos adicionais de lazer e entretenimento aprofundam ainda mais o fosso de competitividade entre comerciantes independentes e shoppings que já levam vantagem gigantesca por agregar estacionamento, segurança e glamour. 


É claro que as novas armas empunhadas pelos shoppings não estão blindadas à participação dos comerciantes de rua. Nada impediria, por exemplo, que empreendedores de determinado corredor comercial reservassem espaço para promoção compartilhada de eventos, shows e exposições voltadas à ampliação do fluxo de visitantes com reflexos na melhoria das atividades comerciais. 


Para tanto, seria necessário sair do isolamento típico de negócios avulsos e apostar em ações cooperadas, como se todos fizessem parte de um shopping a céu aberto. Foi exatamente nisso que pensaram alguns comerciantes do centro de São Caetano que, com apoio do Departamento de Desenvolvimento Econômico, passaram a promover exposições e música ao vivo na Rua Santa Catarina nas noites de sexta e sábado. A iniciativa mostra que alguns comerciantes e administradores públicos que não integram os templos planejados de consumo já compreenderam o arsenal sutil da guerra que marca o terciário do século XXI.  


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