Economia

Só especialistas podem dar
jeito nos gargalos industriais

DANIEL LIMA - 15/02/2017

Produzi na correria, confiando no meu taco de longevidade jornalística e também no domínio de informações econômicas da região, uma lista que chamaria de gargalos à recuperação industrial da Província do Grande ABC. Na maioria dos casos são temáticas sobre as quais já derramei um rio de lágrimas e de lamúrias. Afinal, estão aí à espera de protagonistas de fato do jogo da regionalidade. Uma regionalidade que esboroa há tanto tempo que hoje a expressão só existe para valer mesmo, com comprometimento social para valer mesmo, nesta revista digital. Somos agentes da mais bárbara idiotice da praça. 

O mote “regionalidade em primeiro lugar” não é uma marca moldada por algum especialista em marketing. É fruto mesmo da experiência deste jornalista que, como muitos dos leitores, já confiou em muita gente que desfruta do poder público ou de influência privada e quebrou a cara a ponto de o ceticismo ser um direito inalienável e incontestável, quando não autodefesa mais que providencial. 

Vamos então aos gargalos da região quando se tem no horizonte a expectativa de dias melhores no setor industrial? Preparem o coração. Não vamos dar espaço a indecisões. O que tem de ser dito vai ser dito e está acabado. É possível que venha a esquecer de alguns pontos importantes, mas fiz o possível, mesmo que apressadamente, para não tropeçar: 

1. Logística emperrada.

2. Sindicalismo anticapitalista.

3. Qualidade de vida em queda.

4. Ambiente de trabalho hostil nas empresas.

5. Mão de obra com vícios e custos elevados.

6. Comitês de fábricas anacrônicos.

7. Baixa institucionalidade.

8. Elevado custo de áreas desocupadas.

9. Benefícios fiscais improváveis.

10. Fornecedores dispersos.

11. Sociedade com Síndrome da viuvez industrial.

12. Desinteresse do Poder Público Municipal.

13. Concorrentes externos mais qualificados.

14. Fragmentação territorial.

15. Academias distantes.

16. Justiça do Trabalho contaminada.

17. Efeitos deletérios da Doença Holandesa Automotiva.

18. Barafunda fiscal.

19. Lei de Proteção dos Mananciais.

20. Ambiente macropolítico debilitado.

Competitividade comprometida

Sem nenhuma pretensão de transformar essa relação em um bólido de inconformismo que acerte a cara de todos aqueles que insistem por omissão ou por incompetência, quando não por falsa esperteza, em negar as evidências históricas, diria que está aí a síntese bem-acabada do que somos em matéria de competitividade.

Todos esses vetores poderiam ser repassados a uma consultoria especializada como ponto de partida obrigatório ao exercício no qual mais acredito como catalizador de mudanças – o consagrado mãos à obra. Do contrário, se nossos administradores públicos continuarem a dourar a pílula e inventarem e reinventarem fórmulas supostamente salvadoras da pátria, como uma representação em Brasília para recolher migalhas do orçamento federal, vamos dar com a cara na porta da quebra da mobilidade social misturada com o crescimento em larga escala da desigualdade social. 

Não quero, não pretendo e não vou neste texto destrinchar cada um desses pontos cardeais de nossas fragilidades competitivas. Até porque, se o fizesse precisaria de muito espaço e muito tempo para costurar o que poderia ser interpretado como um tratado de desmonte de nossas incompetências. 

Possivelmente os leitores em grande maioria não conseguirão destrinchar o significado de cada um desses enunciados de maneira ampla e precisa. Menos aqueles que nos acompanham há muito tempo. 

Lógica de continuidade 

A vantagem de contar com CapitalSocial como sucessora absoluta e inegável da revista LivreMercado, que dirigimos editorialmente por quase duas décadas, é que existe uma lógica de continuidade às análises sobre os mais diferentes aspectos da vida regional. 

Os enunciados acima podem por isso mesmo soar como imensos pontos de interrogação entre aqueles menos doutrinados ao regionalismo. Mas não seria a falta de detalhamento neste texto que os remeteriam a um sentimento de desencanto. 

Sugiro que vasculhem o acervo desta publicação porque tudo que está aí em cima, ou quase tudo, já foi destrinchado. Agrupá-los num texto como este é uma maneira de disciplinar o pensamento, empacotando determinados conceitos. Algo como colocar em ordem uma bagunça deixada pelos filhos num final de semana em que ficaram sozinhos em casa. Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa. 

É importante ter em conta que os 20 enunciados em questão são o guarda chuva de regionalidade que tanto defendemos. São nossos buracos negros, por assim dizer. E sem atacá-los duramente não sairemos do encalacramento em que nos metemos. E é nesse ponto que se concentra o maior de todos os problemas – a baixa institucionalidade. 

Cada um para si 

Vou explicar rapidamente do que se trata a questão. Baixa institucionalidade é uma expressão ou definição crítica generosa. Na verdade, a Província do Grande ABC não tem baixa institucionalidade coisa nenhuma, por que não tem mesmo é institucionalidade, que seria a aproximação construtiva de diferentes organizações coletivas de setores e segmentos diversos que expressem o conjunto da população. 

Quando tivermos um grupo que poderia ser até literalmente de meia dúzia de dirigentes públicos e privados com vocação à prática de ações políticas no sentido amplo da expressão, a pasmaceira que nos domina há décadas, com espasmos de reações, começará a ser dissolvida. 

No passado creio que tivemos individualidades que poderiam fazer a diferença coletiva. Vou explicar: 20 anos atrás, no bojo do Fórum da Cidadania, insinuamos a existência de pares de lideranças que poderiam ajudar a dinamitar as estruturas então já arcaicas que centralizavam o jogo de influências no setor público, nas atividades privadas, no sindicalismo e também na sociedade como um todo. Como o Fórum da Cidadania deu com os burros nágua principalmente porque quis abraçar o mundo, saindo do foco de objetividade relacionada às questões locais e regionais, entramos em parafuso. 

Inapetências e sanguessuguismos

Infelizmente a emenda ficou pior que o soneto. Os efeitos temporários e prospectivos do Fórum da Cidadania se tornaram ilusórios, falseadores, paralelamente durante o processo de esvaziamento que o impactou, até esboroar-se. Entretanto, muito ainda propagaram fantasias sobre o engajamento de instituições em novas arremetidas. Pura balela. A morte do Fórum da Cidadania não foi lenta e prolongada a ponto de despertar a ideia de que poderia se recuperar. Foi um processo mais rápido do que as tentativas de lhe dar ares de sustentabilidade. 

Entendo que a complexidade de medidas para recuperar a economia da Província do Grande ABC não me encorajaria a apontar nem uma dezena de nomes de protagonistas da vida regional com estofo para empreitada de tamanha monta. Não temos quadros com profundas ramificações sociais para mudar o cenário em que o poder do Estado, na forma agentes públicos municipais, predomina avassaladoramente em conjunto com nichos de sanguessugas.  Os gargalos estão aí, claros, cristalinos, irrefutáveis, dolorosamente inibidores. Não encontramos na sociedade local, repito, uma dezena de especialistas em regionalidade. 

Querem ver como estou certo nessa assertiva? Quantos de nossas cabeças mais coroadas em diferentes setores da região, em instituições públicas, econômicas e sociais, seriam capazes de destrinchar para valer, sem enrolação, cada uma dos enunciados acima formulados? 

Então, entenderam por que sou intransigente defensor da contratação de uma consultoria internacional respeitadíssimas para cuidar do destino da economia regional? Uma consultoria monitorada por poucos regionalistas tecnicamente preparados para que tudo flua num casamento perfeito entre competência técnica e orientação sobre as nuances da cultura regional.  



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