Economia

De São Caetano
para o mundo

MALU MARCOCCIA - 05/11/2005

A mais recente estrela da General Motors do Brasil atende pelo nome de novo Vectra, mas quem está brilhando aos olhos da corporação mundial é a equipe do Centro de Design e Engenharia da fábrica em São Caetano. Em pouco mais de uma década, a Engenharia de Produtos da GM brasileira passou de obscura pesquisadora e avalizadora de modelos criados na matriz para uma das líderes da marca em desenvolvimento de tecnologias e design. 


O Brasil foi alçado ao restrito grupo de cinco centros de engenharia GM com expertise para criar e executar veículos globais, o que não é pouco nesse mercado superofertado de modelos e de tensões excessivas na disputa pelo exigente consumidor do mundo sem fronteiras comerciais. Em matéria de engenharia da maior automobilística do planeta, só se ombreiam Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Brasil e Coréia.


“O novo Vectra é exemplo da criatividade brasileira. Nosso conhecimento é dos melhores do mundo e não devemos em competência para ninguém” — afirmava um entusiasmado Ray Young, presidente da GMB, no lançamento do modelo em Brasília, em outubro. 


Empolgado com a venda antecipada de quatro mil unidades um mês antes de o veículo chegar às concessionárias nacionais, Young confia em que a engenharia de produtos da marca vai colocar a GM Brasil num novo patamar de negócios — o de exportação de know-how. Há vários antecedentes para atestar a superioridade em engenharia e design brasileiros, entre os quais o mais retumbante é a Meriva, que vende 200 mil unidades por ano na Europa. 


Rebento brasileiro 


O motor diesel Hummer H3 Jeep produzido na África do Sul e com status mundial também é um rebento brasileiro. “O futuro carro da fábrica de Gravataí (RS) será 100% brasileiro, como o Vectra” — emenda Ray Young, sem esconder satisfação com o andamento desse novo braço de receitas com exportação de projetos e cérebros, já que as últimas notícias não têm sido alvissareiras. 


Na mesma semana em que espocava champanhes pelo novo Vectra, a GM norte-americana anunciava fechamento de fábricas e corte de 25 mil funcionários para ajustar-se aos crescentes custos operacionais, enquanto a GM Brasil lamentava a perda de 25 mil Corsas e Astras para Venezuela, Equador e Colômbia em 2006, além de ver cancelados 10 mil kits do Corsa Classic para a Índia. Tudo devido ao câmbio defasado. Com o real cotado a menos de R$ 2,30, a GMB já havia perdido cinco mil carros este ano para Venezuela, Equador e Colômbia. Para o México os embarques caíram de 80 mil para 69 mil veículos. 


Com isso, a receita global com vendas externas da empresa vai tombar de US$ 1,6 bilhão para US$ 1,3 bilhão neste ano, o mesmo nível de 2004. O presidente Ray Young gostaria de reaver o câmbio dos sonhos a R$ 3 sobre o qual a GM se planejou para este ano, mas se contentaria com um dólar a R$ 2,70. No mercado interno a expectativa se mantém em vendas totais de 1,640 milhão de veículos, ou crescimento de 5%. A GM espera abocanhar 21% dessa fatia.


Vários cérebros


É devido aos altos e baixos da economia nacional — e como se vê, também internacional — que a General Motors espicha os olhos para seus centros de serviços. Claro que a boa dose de criatividade dos brasileiros conta muitos pontos a favor, mas isso explica só parte da competitividade do País. Pesam muito nessa escolha os baixos custos nacionais, combinados com produtividade elevada e com a boa base tecnológica. 


Calcula-se que no Brasil e na Coréia os orçamentos caem à metade dos equivalentes europeus e norte-americanos. “O custo mais competitivo foi o fator maior. Mas caso nossos engenheiros não fossem capazes e criativos, esse custo não seria considerado” — enfatiza Pedro Manuchakian, vice-presidente de Engenharia de Produtos da GM para a Divisão LAAM (América Latina, África e Oriente Médio). 


Como a palavra de ordem é competitividade, cada vez mais as matrizes recorrem às filiais dos chamados países emergentes para transferir ou trocar tecnologias — algo impensável anos atrás, quando o veículo mundial era desenvolvido no QG central e enfiado goela abaixo dos mercados periféricos. Outros exemplos recentes de projetos brasileiros são o Fox da Volkswagen e o novo compacto que a Ford acaba de anunciar para 2008 na fábrica de São Bernardo, totalmente desenvolvido por engenheiros brasileiros e destinado ao mercado interno e à América Latina. 


Carro global 


Sai de cena o carro mundial feito nas matrizes e entra na passarela o carro global, cuja base é desenvolvida a várias mãos e cérebros e, depois, o modelo é adaptado a cada país. “O atual conceito da GM é globalizar a arquitetura do veículo e dar liberdade às regiões para efetuar modificações requeridas por cada mercado” — sublinha Pedro Manuchakian.


Ter mãos livres para implementar idéias fez toda a diferença para imprimir personalidade brasileira à engenharia de padrão mundial. Terceira geração após o lançamento, em 1993, o novo Vectra é o que expõe de forma mais contundente a evolução e capacitação da engenharia verde-amarela. Mas antes disso essa expertise assinou veículos como o compacto Celta e a picape Montana, além do monovolume Meriva, todos genuinamente projetos nacionais. 


Com motores 2.0 e 2.4 bicombustíveis, 12 centímetros maior, quatro centímetros mais alto e maior porta-malas em sua categoria, o Vectra 2006 tem altíssima tecnologia embarcada. Um sensor aciona o pára-brisa ao primeiro pingo de chuva, por exemplo, e há piloto automático. Sensores no pára-choque ajudam a fazer manobras, além de terem sido acopladas comodidades como DVD, controle do CD no volante, geladeira portátil e air-bag central e lateral. “É o único modelo brasileiro que concorre em sua categoria de luxo” — saúda o presidente Ray Young, citando o fato de os concorrentes serem todos importados (Toyota Corolla, Honda Civic e Ford Focus Sedan) e o preço cerca de R$ 25 mil menor. “Um Celta de diferença” — enfatiza esse simpático descendente de chineses com o dedo indicador levantado.


A capacitação do Centro de Design e Engenharia da GM Brasil foi assentada basicamente sobre dois pilares: a desverticalização do novo modo mundial de produzir, com fornecedores participando intimamente do processo, e as modernas tecnologias que mudaram a forma homogênea de criar um veículo. Com a redefinição da base tecnológica da produção, a engenharia deu asas à imaginação e mudou a abordagem na direção de carros globais feitos sob uma mesma base, mas com introdução de tecnologias e arquiteturas de cada país. 


Com vários profissionais saídos das boas safras da FEI e da Escola Mauá, a equipe de engenheiros de São Caetano teve sensibilidade para perceber esse momento e mergulhou no que há de mais precioso na economia mundial — o conhecimento. “O desenvolvimento de um veículo continua tendo seu tempo diminuído. O que levava 36 meses há cinco anos, hoje se faz em 20 ou 18 meses” — conta o vice-presidente de Engenharia de Produtos da GMB, Pedro Manuchakian, a respeito das mudanças dramáticas impostas pela competição global.


Não à toa que toda ênfase está sendo dada ao Centro de Engenharia GMB. Os 500 engenheiros de um ano atrás são agora 660 e devem crescer mais 40% na planta de São Caetano nos próximos cinco anos. É o prazo previsto para que os cinco centros top de engenharia e design da marca comecem a despejar pelo mundo o novo conceito de carro global desenvolvido sob tecnologias regionais. 


Para dar um empurrãozinho à empreitada, a GM patrocina com outras automotivas o Programa PACE (Parceiros para Educação Colaborativa Avançada de Engenharia) em aliança com a Universidade de São Paulo. As montadoras forneceram 65 estações de trabalho CAD-CAM e Engenharia Computadorizada destinadas a preparar estudantes de engenharia para as novas tecnologias automotivas e, com isso, não interromper o fluxo de talentos que alimentam seus centros de serviços. Segundo a AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), triplicou o número de especialistas desde o início da década de 1990. 


São hoje quase 12 mil engenheiros automotivos no Brasil. Por isso, também a AEA prepara um plano para que o BNDES libere financiamentos com juros subsidiados para formação de pessoal e compras de equipamentos.


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