Quatro dos principais barões do setor imobiliário paulistano ocuparam ontem uma página inteira de reportagem especial do jornal Valor Econômico. Eles choram com razão e sem razão. Choram que o mercado vive a maior crise de todos os tempos. Nem precisavam dizer, tão escandalosa é a crise na atividade. Na Província do Grande ABC, onde falta baronato mas não escasseiam espertalhões, se bem que uma coisa não exclui a outra, o estado é de calamidade agravada com a crise automotiva, nossa Doença Holandesa.
Os mais experientes construtores da Capital ouvidos pelo Valor Econômico lamentam a recessão e particularmente a diarreia de distratos. A desistência da clientela que descobriu no consumismo do período de Lula da Silva as pernas curtas da mentira edulcorada do desenvolvimento econômico, colocou construtores e incorporadoras na marca do pênalti. Contabilizam-se mais desistências do que contratos viabilizados nos últimos anos. E a tormenta ainda não terminou.
Venderam um Brasil que não existe e, particularmente o mercado imobiliário, a sobrevalorização do preço do metro quadrado não resultaria em outra coisa senão o estatelamento geral.
Choradeira generalizada
Vou reproduzir algumas declarações dos empresários mais poderosos do mercado imobiliário paulistano e brasileiro para que os leitores tenham dimensão da situação. Nada que me surpreenda. Recorram ao acervo desta revista digital e vejam quantas bolas cantei sobre a fragilidade estrutural subestimada pelo entusiasmo geral e irrestrito. Foram tantos os textos de advertência sobre o boom imobiliário na região – e no País como um todo – que não me faltaram hostilidades. Faz parte do jogo, mas também não precisavam exagerar.
Vamos então a alguns trechos da matéria do Valor Econômico de ontem:
“Zarzur (Ernesto), (fundador da EZtec) afirma que, agravada pelos distratos, a crise provoca, além de prejuízo financeiro, desânimo. “Não durmo à noite. Estou emagrecendo. “Como forçado”, diz, acrescentando que os distratos resultam em demissões, pois não há novas obras para recolocação dos empregados à medida que projetos são concluídos. Conhecido por mesclar negócios e família na EZTec, o empresário continua indo à incorporadora durante a semana. “No sábado e no domingo, sofro, porque não tenho onde ir. Antes ia para os plantões de vendas. Eu era o rei do plantão”, conta Zarzur. (...) O empresário defende que o comprador perca todo o valor pago em caso de distratos. “O cliente tem de perder tudo, como disse o Elie (Horn, em reportagem recente publicada pelo Valor). Amanhã, na hora de distratar, a pessoa pensará bem. A EZTec já concedeu R$ 350 milhões em financiamento direto para reduzir distratos.
Vítimas e especuladores
Antes de dar conta de outro personagem da reportagem do Valor Econômico, não resisto a ponderar sobre os distratos. As regras atuais são extremamente justas para os compradores que encontram dificuldades de firmar contratos de financiamento por conta de apertos financeiros de várias ordens. A legislação poderia evitar que as construtoras e incorporadoras ficassem à mercê dos oportunistas ao permitir mecanismos para distinguir compradores comuns de investidores que especulam no mercado imobiliário. Não se pode confundir uns com outros. É fácil identifica-los. Muitos são aliados das incorporadoras por razões que poderia explicar outro dia. São parceiros de conveniência.
Mais: os compradores comuns são vítimas de uma atividade dominada por especialistas em elevar às alturas a rentabilidade dos negócios e que, por conta disso, manipulam os valores do metro quadrado ao sabor de interesses que a Imprensa avaliza com reportagens ao gosto do freguês. Prosseguindo com a reportagem do Valor Econômico:
Rossi (João, da Rossi Residencial) que também espera definição, neste ano, de regras para os cancelamentos de vendas, não acredita ser possível aprovar, no Brasil, que o cliente perca tudo em caso de rescisão. Ele defende alguma penalidade, como a perda da maior parte do valor pago pelo consumidor para que não haja incentivo à especulação. “Hoje o consumir assina uma opção de compra com a incorporadora. A aquisição mesmo ocorre quando o cliente contrata o financiamento com o banco”, afirma. A incorporadora tem em média 70% de distratos nos projetos. (...) A companhia se endividou para lançar muito, lembra João Rossi. No fim de 2011, ano que marcou o ápice do setor, a Rossi estava em 95 cidades e tinha 209 canteiros de obras. Atualmente, possui 17 canteiros em oito cidades.
Complicações em 1986
Elie Horn, da Cyrela, foi o único dos barões entrevistados que não vê na atual crise imobiliária o pior momento do setor ao longo dos tempos. Ele disse ao jornal paulistano que o momento mais difícil que o setor enfrentou foi quando “os recebíveis foram congelados e os pagamentos liberados” em 1986. Naquele ano, os reajustes das prestações e do saldo devedor deixaram de ser feitos pelo mesmo índice. Com o descasamento, ao terminar de pagar as parcelas, o consumidor devia boa parte do valor do imóvel, o que resultou no encolhimento do crédito imobiliário até o fim dos anos 90. Na avaliação do fundador da Cyrela, o maior erro das incorporadoras foi acreditar que o boom seria eterno. “Todo boom é temporário por definição”, afirma Horn, reconhecendo que a companhia também acreditou que aquela era a nova realidade.
Henrique Borenstein, da Helbor, afirmou que vai demorar até que o setor retorne ao que era há cinco anos. Para 2017, sua expectativa é que os lançamentos superem os do ano passado e que os níveis de estoque e distratos sejam normalizados, segundo o Valor Econômico. E disse mais:
Para o fundador da Helbor, os erros do setor “cometidos há seis, sete, oito anos, já foram absorvidos. “Hoje o problema é o mercado”, diz Borestein. Seus lançamentos caíram 12,3% para R$ 204,44 milhões em 2016, e as vendas líquidas ficaram estáveis em R$ 725,12 milhões. Os distratos somaram R$ 477 milhões.
Contraponto indigesto
Recorro a um texto-análise que publiquei nesta revista digital em 16 de agosto de 2010 (portanto há quase sete anos), quando bolha imobiliária era uma heresia. Reproduzo alguns pares de parágrafos para entenderem duas questões conectadas: o horror que os especuladores imobiliários nutrem contra este jornalista e, em especial, alguns dos motivos que levaram o empresário Milton Bigucci, então presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, a mover feroz perseguição contra este jornalista. Leiam, portanto, partes da matéria:
Diante da falta de responsabilidade social das entidades que se autodenominam representantes do mercado imobiliário — e não se deve esperar que o comportamento de avestruz se altere, porque é a essência dos especuladores que as dirigem — noticiário pinçado aqui e ali dá conta de que não está fora de cogitação uma trombose na atividade. Provavelmente não será nada semelhante ao que se traduziu em crise financeira internacional a partir do último trimestre de 2008, mas também estaria muito longe do desdém com que é tratado o assunto por especialistas e especuladores travestidos de torcida organizada. Há perigo sim de bolha imobiliária no Brasil, garantem especialistas. Não há risco nenhum, asseguram outros. Quem está com a razão? Só o tempo dirá, evidentemente. Mas como prevenir é melhor que remediar, nada mais interessante que tomar certos cuidados. E não cair na conversa fiada de gente irresponsável do setor. Principalmente os falastrões que ocupam cargos de comando em entidades empresariais que cuidam mesmo é de interesses individuais. A classe empresarial e a sociedade que se virem. Professor de finanças da Brazilian Business School e colaborador do jornal Valor Econômico, Ricardo Torres escreveu ainda recentemente preocupado com a demanda imobiliária. “Os preços subiram muito, para patamares que chamam a atenção e nos alertam sobre uma possível criação de uma bolha especulativa no setor”. Trinta dias depois eis que o noticiário do mesmo Valor Econômico dá conta de que a expectativa de elevação da massa de renda da população acompanhando o ritmo dos preços dos imóveis no País afasta o mercado imobiliário das características clássicas de formação de bolha. A projeção foi feita pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, em estudo encomendado pela Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança). Com quem prefere ficar o leitor? (...) Em linhas gerais, apontar o contraste de pontos de vista sobre o equilíbrio do mercado imobiliário é no mínimo obrigação de quem tem a missão de informar com ponderação. É claro que no rol de responsabilidade social que a análise do mercado imobiliário recomenda não constam entidades do setor, principalmente no Grande ABC onde a atuação classista se restringe à propagação de um lobby abjeto que não respeita inclusive os pequenos e médios empresários do próprio setor imobiliário. São propagandistas que industrializam numeralhas sem contextos críticos que coloquem o mercado regional no devido lugar. Sempre com as bênçãos de boa parte da mídia, beneficiária temporária, sempre temporária, do jogo de cena que, como em outros casos, custa caro quando cai a máscara – escrevi há quase sete anos.
Cantando a caçapa
Com este, são 518 textos direta ou indiretamente sobre o mercado imobiliário nesta revista digital. Não entendam que esteja aqui a cantar vitórias. Seria péssimo mesmo para todos, principalmente para mim, que ocupasse esse espaço para solicitar desculpas por falhas de avaliações que teriam afetado a vida de muitas famílias.
A crise imobiliária foi uma caçapa cantada particularmente na Província do Grande ABC. Vivemos situação caótica. Há empresas de todos os portes abrindo o bico. E a situação não tende a melhorar nem mesmo no médio prazo. Diferentemente do Brasil, aqui a crise chega primeiro e vai embora bem depois. O que temos para vender são veículos, principalmente veículos, e ao que tudo indica as mamatas fiscais que protegem as montadoras estão congeladas porque o Brasil quebrou.
O que os mercadores imobiliários fizeram de patifarias para seduzir a clientela que agora (ou já faz um bom tempo) simplesmente rescinde os contratos de compra não é uma obra de capitalismo que se deva respeitar. Em muitos casos é gangsterismo puro. Gente que compra imóvel uma vez na vida e que se defronta com lobos vestidos de cordeiro até que se consumam os negócios.
Defesa do consumidor
Os distratos para famílias que acreditaram nos sedutores imobiliários precisam ser ainda mais rigorosos do que já são. As companhias precisam devolver todo o dinheiro ou quase todo o dinheiro. Já os especuladores devem pagar caro, muito caro, pelos distratos.
São dois tipos de clientela que não podem ser colocadas no mesmo saco sem fundo de igualdade dos desiguais. Pau nos especuladores que desistem de negócios quando capturam a virada da biruta do mercado imobiliário e se entregam às águas da especulação financeira de juros elevadíssimos. Salvem as famílias que acreditaram no céu de emprego garantido, salários em alta e apartamentos com preços justos.
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