Economia

Pós-verdade: realidade ou
ilusão na era da Internet?

ANDRE MARCEL DE LIMA - 09/03/2017

O advento da Internet e das redes sociais está tornando as pessoas mais sintonizadas e informadas ou ignorantes e alienadas? Para uma corrente expressiva a alternativa correta é a segunda. Tanto é assim que o termo post-truth (pós-verdade) foi escolhido pela Oxford Dictionaries como a Palavra do Ano de 2016 (Word of the Year 2016, no original).

O vocábulo não é novo. Teria sido usado notadamente pela primeira vez nos anos 1990, mas retornou com força total no ano passado -- carregado de significado político e ideológico atrelado ao ciberespaço e às redes sociais.

E o que vem a ser post-truth, ou pós-verdade, de acordo com o cânone da língua inglesa? A definição é a seguinte: trata-se de adjetivo relativo ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos importantes na formatação ou formação da opinião pública do que apelos à emoção ou crenças pessoais. 

Interlocutores da Oxford Dictionaries anunciaram que a utilização do termo aumentou nada menos que 2.000% em 2016 em relação ao ano anterior “no contexto do referendo do Reino Unido e da eleição presidencial dos Estados Unidos”. Ainda de acordo com a Oxford Dictionaries, o adjetivo está associado a um substantivo detectável na frase post-truth politics, algo como política na era da pós-verdade.

Ao jornal londrino The Guardian porta-vozes da Oxford Dictionaries disseram: “Não é surpresa que nossa escolha reflete um ano altamente carregado por discurso político e social, caracterizado pelo advento das redes sociais como fonte de informação”.

Para conquistar o título de Word of the Year 2016, post-truth superou concorrentes como alt-right e breexiter. Alt-right é a forma encurtada de alternative-right (direita alternativa) assim definida: agrupamento ideológico associado com pontos de vista extremamente conservadores ou reacionários, caracterizado pela rejeição à politica de corrente majoritária e pelo uso da mídia online para disseminação de conteúdo deliberadamente controverso.

Breexiter, por sua vez, é o nome dado aos que votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Está claro que a língua é um organismo vivo, em contínuo desenvolvimento de acordo com mudanças culturais, econômicas e sociais. Entretanto, a criação, escolha e utilização de determinado vocábulo para descrever um acontecimento ou fenômeno por parte de um grupo considerável corresponde a uma forma de conceber e expressar a realidade segundo visões próprias.

Pós-verdade suscita era de ilusões em que os fatos teriam perdido importância num contexto marcado pela prevalência da Internet e das redes sociais com seu imenso poder de retorcer a verdade e conduzir a humanidade no sentido do engano coletivo. Mas se isso for mesmo verdade, o fato de a grande mídia internacional ter abraçado a terminologia para descrever o estado atual não equivaleria a uma espécie de confissão de culpa, pela incapacidade de confrontar à altura as informações não confiáveis oriundas do universo virtual? 

No site da Oxford Dictionaries postagens de mídias tradicionais como The Independent e The Economist são exibidas como exemplos da massificação do termo.

Facebook

Quando o assunto é o impacto da Internet e das redes sociais, é obrigatório incluir o Facebook na conversa. Com cerca de dois bilhões de usuários em todo planeta, a rede hegemônica é vista por estudiosos como o sistema de informações mais amplo e influente da história. Logo, o que Mark Zuckerberg, criador e principal executivo da companhia sediada na Califórnia, tem a dizer sobre tudo isso?

Numa longa entrevista a David Kirkpatrick, especialista em temas tecnológicos e autor do livro The Facebook Effect (Efeito Facebook), é possível encontrar respostas. O entrevistador catalisou miríade de insatisfações dos críticos, dando a Zuckerberg oportunidade de prestar esclarecimentos sobre temas candentes como fake-news (notícias-falsas), bubble-filter (filtro de informações que faria com que os usuários vivessem numa bolha à parte do mundo real) e algoritmo.

A entrevista foi concedida logo após vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em novembro último, durante conferência de tecnologia e negócios em Half Moon Bay, ao sul de San Francisco.

Fake News

Qual teria sido o impacto das chamadas fake-news (notícias falsas) para o resultado eleitoral nos Estados Unidos? Para Zuckerberg, o menor possível. “A ideia de que notícias falsas no Facebook possam de alguma forma ter influenciado a eleição é uma maluquice. Eleitores tomam  decisões baseados em experiências vividas. É profunda falta de empatia imaginar que alguém pode ter votado da forma como votou apenas porque viu notícias falsas, as quais, aliás, representam fração diminuta, conforme nossos estudos” – afirma Zuckerberg.

“O jeito mais rápido de refutar essa afirmação e comprovar que certamente não houve impacto no resultado eleitoral é perguntar: como você acredita que pode ter havido notícias falsas de um lado (por parte de um candidato), mas não de outro?” – conclui.

Zuckerberg ressalvou que, apesar de notícias falsas não representarem proporção expressiva, o Facebook aprimora constantemente mecanismos de combate, permitindo que os próprios usuários reportem postagens impróprias como forma de retirá-las de circulação.

“Embustes e trotes (hoaxes) não são algo novo na Internet. Sempre existiram. Nós fazemos o possível para que as pessoas possam denunciá-los”. 

Algoritmos

Algoritmos correspondem ao coração do Facebook. Trata-se de mecanismos de inteligência artificial capazes de alimentar a newsfeed (espaço de notícias) de cada usuário de forma personalizada, com base no histórico individualizado de engajamento medido por curtidas, comentários e compartilhamentos, além de métricas qualitativas como o tempo que o usuário gasta num determinado conteúdo, por exemplo.

Quem curte, compartilha e comenta posts relacionados a carros antigos, por exemplo, acaba recebendo mais conteúdos relacionados a carros antigos. Tal lógica vale para qualquer tema de interesse. Seguindo a mesma linha, o algoritmo também prioriza a exibição de postagens de pessoas com as quais mais se interage na rede social. A essência é comercial e o foco é manter as pessoas conectadas o maior tempo possível de modo a potencializar a fonte de receitas representada pela venda de anúncios. Não haveria como haver interferência política direta no sentido de beneficiar um candidato, assegura Zuckerberg, que qualifica o Facebook como uma empresa de tecnologia, e não de mídia.

“O algoritmo está em constante evolução, sempre no sentido de trazer para cada usuário os conteúdos mais interessantes sob o seu próprio ponto de vista. No inicio a lógica de apresentação das postagens era meramente cronológica, isto é, apareciam na ordem em que eram publicadas. Com o tempo fomos descobrindo que isso não era suficiente para trazer a melhor experiência e passamos a desenvolver critérios que levam em conta os conteúdos mais caros às pessoas”.

Bolha

E a acusação de que o Facebook, ao filtrar conteúdos aos quais usuários tem acesso conforme seus próprios interesses, acaba criando uma bolha de informação (filter-bubble), também chamada de câmara de eco (echo chamber)? Bolha esta que, segundo o entrevistador, estaria distorcendo o mundo real?

“Se você voltar 20 anos e olhar para o cenário da mídia daquela época, verá que existiam apenas um punhado de redes de TV e jornais em qualquer região. Esse conjunto limitado de veículos, cada qual com seu posicionamento editorial, compunha os filtros pelos quais as informações chegavam até as pessoas. Estudos recentes mostram que, independentemente de preferências políticas, praticamente todos os usuários do Facebook tem pelo menos alguns amigos que estão do outro lado no espectro político, ideológico, religioso ou de qualquer outra natureza. Isso significa que a diversidade de informações à qual cada usuário está exposto num sistema de informações como o Facebook é inerentemente mais ampla do que no passado não muito distante em que havia poucas alternativas” – expõe.

“O caso é que as pessoas, de modo geral, não clicam e não interagem com conteúdos com as quais discordam ou pelos quais não se interessam. Trata-se de uma questão básica de afinidade que vale para qualquer ambiente ou situação, muito longe de ser um privilégio do universo de uma rede social” – conclui.

“Pesquisas que temos conduzido mostram algo menos inspirador: a diversidade de pontos de vista está lá, mas as pessoas estabelecem seus filtros pessoas, elas não clicam, mas passam batido por aquilo que não as agrada. Cada um tem sua visão de mundo, e aquilo que não se conforma a essa visão acaba sendo deixado de lado. Realmente não sei o que fazer a respeito disso” – destacou Zuckerberg.

Ao responder pergunta mais amena sobre qual seria o papel da rede social, Zuckerberg afirmou que a Internet e o Facebook contribuem para tornar as sociedades mais abertas, para dar voz a pessoas que, de outra maneira, não teriam como se expressar. E fez um alerta: “Mesmo que uma eleição não ocorra de forma como você gostaria, acredito que dar voz às pessoas levará, mesmo que no longo prazo, a uma sociedade melhor e mais aberta”.

Brexit

No caso do Brexit do Reino Unido, que não foi abordado na entrevista com Zuckerberg, mas que subsidiou a escolha de post-truth como Word of the Year 2016 pela Oxford Dictionaries, provavelmente o melhor diagnóstico é que tenha faltado uma compreensão mais racional e generalizada da verdade: se os britânicos tivessem consciência de quanto uma saída do bloco os prejudicaria do ponto de vista econômico por conta das turbulências no horizonte do livre comércio, provavelmente não teriam dado a vitória à corrente desertora, mesmo que por apenas 2% de votos.

Esta visão é corroborada por Alan Rusbridger, que durante 20 anos (1995 a 2015) foi editor-chefe do jornal The Guardian. Disse ele em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, ao ser questionado sobre o papel da mídia em relação ao resultado do referendo.

“A acusação a se fazer à imprensa britânica é que a maioria estava ao lado do Brexit e não fez justiça aos argumentos em favor de permanecer na União Europeia. Esta foi uma decisão por margem estreita, na qual você podia levantar argumentos para ambos os lados. E foi uma decisão complexa. A imprensa britânica falhou com as pessoas ao não explicar a complexidade ou fazer justiça a ambos os lados da discussão. Só apresentou um deles, e isso não é o que a imprensa deve fazer”.



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