Economia

Poderio econômico
define força da língua

ANDRE MARCEL DE LIMA - 14/03/2017

Uma língua que tem como principal expoente o escritor mais celebrado do mundo – William Shakespeare – talvez não precisasse de referencial adicional, mas 400 anos após a morte do maior representante literário, em 2016, o inglês cresce e se consolida cada vez mais como o idioma mais influente do mundo. E por razão evidente: parcela considerável dos que não nasceram num país de língua inglesa transformam o aprendizado em requisito de formação educacional e mobilidade social.

Números comprovam. Para cerca de 400 mil falantes nativos de inglês em países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Austrália, existem cerca de 1,6 bilhão de cidadãos de outras nacionalidades adeptos do ESL -- English as a Second Language (ESL), ou Inglês como Segunda Língua.

O que faz do idioma esse magneto para japoneses, chineses, italianos, brasileiros, gregos, indianos, árabes, enfim, povos dos mais diversos? A pronúncia não se equipara ao charme do francês nem ao romantismo da língua italiana. A composição das palavras está longe de permitir as possibilidades de expressão de conceitos filosóficos complexos, atribuídas ao alemão.

E a mistura de contribuições germânicas e latinas ao longo de séculos de dominações da Grã-Bretanha por povos distintos confere ao inglês um hibridismo um tanto caótico, uma vez que o vocabulário fortemente influenciado pelo latim convive com sintaxe de conformação germânica. 

Pragmatismo

A razão é puramente pragmática: o que faz do inglês esse blockbuster (arrasa-quarteirão) internacional é a influência econômica ao longo dos séculos e, principalmente, na atualidade.

“Uma língua é global por um único motivo: o poder das pessoas que a falam. Não existe outra razão pela qual você deseja falar a língua de alguém que não seja interagir e melhorar sua qualidade de vida” – destaca o linguista, palestrante e escritor britânico David Crystal que com 75 anos, já escreveu ou editou mais de uma centena de livros, além de inúmeros artigos acadêmicos. “O poder sempre determina a linguagem. Money talks (o dinheiro fala)” – destacou, durante palestra promovida pelo Conselho Britânico (British Council) na Sérvia.

British Council, ou Conselho Britânico, é uma organização do governo do Reino Unido responsável por relações culturais e educacionais. Foi fundada em 1934 e está presente em mais de 100 países. Em 2016 promoveu calendário internacional de eventos relativos à celebração pelos 400 anos da morte de William Shakespeare, incluindo o Brasil, onde está presente desde 1945 e mantém escritórios, em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.

De Holyhead, País de Gales, onde cresceu e mantém base de escritório domiciliar, Crystal conta que está trabalhando num livro sobre poesias de John Bradburne, escritor inglês já falecido. Mas não é só. Ele antecipa que outros dois títulos deverão ser lançados ainda neste ano: “Estou sempre trabalhando em um novo livro, isso é tudo o que faço” – afirmou com peculiar humor britânico o professor honorário da Universidade de Wales.

Em 1995 Crystal foi laureado com a Ordem do Império Britânico, distinção concedida em razão de suas contribuições à língua inglesa.

Influência história

David Crystal entrelaça o domínio global do inglês no século XXI a fatos históricos como Império Britânico e Revolução Industrial, além da influência econômica dos Estados Unidos. “No século XIX o inglês se consolidou como a língua financeira. No século XX o idioma se disseminou por meio da cultura, da música pop, da propaganda, do cinema, do rádio, da televisão da Internet” – comenta Crystal.

As citações abarcam riqueza de conteúdo que merece aprofundamento. O Império Britânico (1583-1997) dominou um quarto da população mundial e a mesma proporção relativa à superfície da Terra. Ficou famosa a citação de que o sol nunca se punha sobre o Império Britânico, pois entre os mais de 60 países e territórios que chegou a ter sob o controle, sempre haveria de existir algum ponto iluminado no planeta em movimento, em função do movimento de rotação da Terra.

Com o passar do tempo ex-colônias foram conquistando independência por meio de acordos pacíficos, como o Canadá, ou por guerra, como os Estados Unidos. O final do Império Britânico é marcado com a entrega de Hong Kong para a China, em junho de 1997.

Foi nas mãos de uma ex-colônia que a internacionalização do idioma ganhou impulso sem igual. Com a independência dos Estados Unidos, em 1776, a nação tomaria o lugar de honra que pertencera à colônia.

Os Estados Unidos registraram Produto Interno Bruto de US$ 18,5 trilhões em 2016, equivalentes a 24,5% do total mundial. O Reino Unido registrou US$ 2,65 trilhões. O conjunto formado por Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales ficou em quinto lugar no ranking, atrás de China, Japão e Alemanha, para citar da segunda à quarta posição.

Revolução Industrial 

Muito do sucesso econômico dos Estados Unidos pode ser atribuído ao fato de ter adotado muito cedo as inovações que demarcaram a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, por volta de 1750.

A Revolução Industrial representou divisor de águas: pela primeira vez, a agricultura deu lugar à indústria como principal setor econômico. Populações migraram maciçamente do campo para cidades e passaram a ter o ritmo de vida regulado pelo relógio e pelo apito das fábricas, não mais pelo anoitecer e clarear do dia.

A mecanização de uma série de operações de produção têxtil e a invenção da máquina a vapor foram os principais motores do processo. Tais inovações proporcionaram a explosão da produtividade das fábricas de tecidos do norte da Inglaterra. O motor a vapor deu origem ao transporte ferroviário e representou salto sem precedentes para a navegação.

A adesão e o aprimoramento das inovações surgidas na Inglaterra estão na origem do poderio militar e econômico dos Estados Unidos. Poderio utilizado de forma estratégica para a manutenção do equilíbrio geopolítico internacional principalmente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Por meio do Plano Marshall, o governo norte-americano despejou o equivalente a mais de 130 bilhões de dólares (em valores atualizados) na reconstrução de países da Europa Ocidental destruídos após a Segunda Guerra. O plano recebeu o nome do então secretário de Estado norte-americano, George Marshall e concluído quatro anos após a implantação em 1947.

A motivação por trás do Plano Marshall era evitar a expansão do comunismo sobre os países da Europa Ocidental por influência da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Caso isso ocorresse, não apenas os Estados Unidos perderiam importantes parceiros comerciais como haveria grande risco de o comunismo contagiar mais e mais países do globo, por efeito-dominó.

Com uma boa dose de abstração é possível conjecturar que se a ex-União Soviética tivesse sido bem sucedida em seu plano de dominar o mundo, a humanidade provavelmente estaria falando russo. Ou, no mínimo, se esforçando para absorver o alfabeto cirílico na escola mais próxima.

Como a produção estatizada do comunismo representa a antítese da economia de mercado -- fundamental para o progresso material e econômico -- talvez essa proposição não passe mesmo de pura abstração de quem exagerou no consumo de vodca.

Fato é que cidadãos de países limitados pela Cortina de Ferro, como era chamada a região de influência política e militar da ex-União Soviética, estão entre os principais adeptos do English as a Second Language, engrenagem educacional que envolve escolas de línguas e pacotes de intercâmbio, além do mercado de exames de proficiência do redor do mundo.

Imprevisível

Não é porque o comunismo virou pó e escombros a golpes de picareta no Muro de Berlim em 1989 que o caminho do inglês como língua franca (língua global) está praticamente pavimentado ad aeternum.  “Quem teria previsto, mil anos atrás, que o latim não seria mais utilizado mil anos depois?” – pergunta David Crystal, referindo-se a língua oficial do Império Romano. 

“Se você tivesse dito isso mil anos atrás, as pessoas da época te reputariam como louco. Daqui a mil anos, o Inglês continuará sendo uma língua global? Poderemos estar todos falando marciano, se eles aterrissarem e dominarem a Terra. Quem sabe. O inglês continuará sendo a língua global enquanto as nações mais poderosas falarem inglês e as outras quiserem ser como elas, vender para elas ou interagir com elas” – ilustrou o especialista.

O latim, por sinal, é raiz linguística do Português, Espanhol, Italiano, Francês e Romeno, as chamadas línguas românicas. Muita gente não se dá conta de que 60% do vocabulário do Inglês tem base no latim. O que torna o aprendizado relativamente difícil para muitos brasileiros são diferenças de fonologia (a forma como as palavras são pronunciadas), sintaxe (ordem dos elementos gramaticais na frase e relações de concordância) e o fato de que palavras inglesas de origem latinas são menos utilizadas do que vocábulos de raízes germânicas -- sobretudo na linguagem coloquial.

Cenários

Seguindo por essa senda conceitual que associa língua dominante à pujança econômica, quais seriam possíveis cenários alternativos à soberania do inglês num futuro distante, sem considerar a alusão extraterrestre elaborada para efeitos didáticos?

“Muita gente fala do potencial da língua chinesa, por conta da população de 1,2 bilhão de habitantes e pelo crescimento econômico acelerado do país, mas os chineses estão aprendendo inglês” – considera David Crystal.

“Pode-se imaginar um cenário em que prevaleça o espanhol, uma língua de rápido crescimento no momento, ou o árabe. Tudo isso pode acontecer, mas até o momento não há sinal de diminuição do prestígio do inglês. No longo prazo, sem ideia. No curto prazo, sem mudança” – afirma Crystal. 

Tipo exportação

Se a supremacia do Inglês está longe de ser ameaçada, a questão é que tipo de inglês predomina e predominará? “Estatísticas mostram que o inglês americano é o que mais se encontra e se fala no mundo” – expõe Crystal.

Inglês americano e inglês britânico têm diferenças de sotaque, pronúncia e escrita, além de vocabulário. Americanos usam truck para caminhão, enquanto britânicos falam lorry, apenas para citar um exemplo. Mas nada que dificulte ou impossibilite a comunicação.

Diferenças personalizadas 

Por que o inglês americano é diferente do britânico? “Porque os americanos quiseram identificar a si mesmos com um povo. Foi uma decisão consciente. Quando os Estados Unidos se tornaram independentes, Noah Webster e outros criaram um inglês que expressasse identidade da nova nação” – explica Crystal.

Noah Webster foi o mais influente lexicógrafo norte-americano, pai do moderno dicionário Merriam-Webster, cuja primeira edição, em 1828, apresentava-se como “um dicionário americano da língua inglesa”.

O que aconteceu nos Estados Unidos naquela época está ocorrendo de certa forma agora, globalmente, segundo Crystal. “Na Índia deve haver pelo menos 400 mil pessoas falando inglês. Falando inglês indiano, um tanto distinto em pronúncia, vocabulário e gramática” – observa.

Crystal cita como exemplo a tendência de os indianos utilizarem a forma verbal do presente contínuo no lugar do presente simples, algo que na prática lembra o cacoete linguístico atribuído a atendentes de telemarketing no Brasil. Em vez de dizer I know (eu sei) eles dizem I am knowing (eu estou sabendo).

“A tendência é tão acentuada que até a rede de lanchonetes Mc Donald’s adotou o slogan I’m loving it!” – destacou o linguista, para quem o inglês do futuro será cada vez mais resultado da contribuição de diversos povos no melting pot (caldeirão).



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