Não me levem a mal e muito menos me chamem de pretensioso ou algo semelhante, porque seria baita injustiça e ignorância. Faz sete anos, quando o País e a Província do Grande ABC viviam o auge do triunfalismo consumista, escrevi pela primeira vez um texto de advertência no qual utilizei a expressão “bolha imobiliária”. Com este artigo somam-se 30 que fazem uso dessa expressão. Tradução disso tudo?
Cantei a bola de que o mercado imobiliário, em particular nesta região sujeita a solavancos automotivos, estava a cavar a própria sepultura de excesso de oferta, queda de demanda e, principalmente, assaltos aos compradores, geralmente famílias, vítimas de manipuladores informativos que usam e abusam da generosidade interesseira da Imprensa para desfilar números e cenários fantasiosos.
Não sei, mas vou buscar em fontes sérias, não especulativas, o resultado da Feira de Imóveis do Clube dos Construtores do Grande ABC. A entidade há um ano é presidida por Marcus Santaguita, empresário institucionalmente sério, em contraste com o antecessor.
O evento foi realizado no final de semana na área de estacionamento do Extra da Anchieta. Não erraria em dizer o seguinte, por conhecimento sistêmico: por mais que a organização tenha sido caprichada, os resultados foram pífios.
O tempo chuvoso, o dinheiro curto, incertezas sobre os rumos da economia da região, as montadoras de veículos em estado de choque, o desemprego destruidor de lares e muito mais colocaram o evento como ferramenta de marketing entre o desespero e a loucura.
Perseguição explicada
Saibam os leitores que não entendem as razões deste jornalista ser implacavelmente perseguido pelo então presidente do Clube dos Construtores, Milton Bigucci, que a raiz de tudo está na independência de analisar o mercado imobiliário.
A primeira das três ações judiciais movidas por Milton Bigucci contra mim, sempre seguindo o ritual macunaímico do qual nem sempre o Judiciário dá conta, foi perpetrada em 2011. Muito antes disso já escrevia sobre as nebulosidades do setor sob o comando do empresário do conglomerado MBigucci.
Nesse momento em que poucos falam sobre bolha imobiliária (no contexto regional da expressão, que não tem nada a ver com o norte-americano da crise de 2008) convém voltar no tempo.
A primeira vez que a expressão foi utilizada aqui data de 26 de abril de 2010. Há quase sete anos, portanto. Reproduzo alguns dos principais trechos daquela análise para que os leitores possam entender por que tudo teria sido diferente ou em proporção muito menor caso não prevalecesse o caráter especulativo do crescimento da demanda:
Quem acha que apenas os jornais regionais se submetem ao lobby econômico do mercado imobiliário não conhece da missa de mistificações um terço das manobras. O dirigente classista Milton Bigucci, conhecido no Grande ABC porque ocupa a presidência da Acigabc, entidade que supostamente reuniria construtoras, administradores e imobiliárias, é um filho do esquema nacional de industrialização de dados geralmente nebulosos preparados sob medida para dourar a pílula da atividade. Milton Bigucci reza pela mesma cartilha de megadirigentes e consultorias do setor. A embromação faz parte do show. É verdade que os shows são cada vez mais mambembes em sustentabilidade de dados, mas quase ninguém liga para isso neste País que finge ter cidadania só porque comparece às urnas a cada dois anos. Ainda estamos distantes do que ocorreu nos Estados Unidos, onde a bolha imobiliária está na raiz da crise financeira internacional que abalou as estruturas de grande parte da economia real. Nem chegaremos a tanto, porque reunimos alguns contrapesos tanto no sistema financeiro quanto nos mecanismo de financiamento imobiliário, além de tantos outros ingredientes que diferenciam os dois países na modalidade. Mas não falta sem-vergonhice. Fico na dúvida se há dolo ou incompetência. De vez em quando me bate uma porção de ingenuidade, apenas isso.
Mais alguns trechos
Aquela análise é característica desta publicação, concebida distante da pressão do jornalismo fastfoodiano; por isso destaco mais alguns trechos apenas:
A Folha de S. Paulo estampou em manchete principal de primeira página de domingo e replicou no caderno Dinheiro uma matéria emblemática do despreparo ou da conveniência em abordar o mercado imobiliário. Sob a manchete “Preços de imóveis disparam em São Paulo”, um dos três maiores veículos impressos diários do País cometeu a sandice de tomar uma pequena porção de riqueza imobiliária por um todo muito aquém dos números propalados. Fico ofendido como leitor e jornalista quando subestimam minha parca inteligência. E a Folha de S. Paulo de domingo me irritou profundamente. Muito mais que o Diário do Grande ABC alguns dias antes quando, mais uma vez, colocou o propagandista imobiliário Milton Bigucci a desfilar números medonhos tanto do mercado ao qual pertence como da economia do Grande ABC. Tudo ao sabor de interesses materialistas que causam muitas complicações no seio de famílias ludibriadas por cenaristas de plantão. É isso que dá deixar que lobos corporativos cuidem do galinheiro de informações sem pudores. (...) Quem disse que a indústria imobiliária está a fim de apresentar transparência no trato dos ativos? Quem disse que a mídia tem alguma preocupação em questionar os números, a metodologia, os processos que desabam em amontoados de dados e avaliações muitas vezes sem nexo? Quem será capaz de acreditar que uma reportagem que desnude para valer o mercado imobiliário de São Paulo e do Grande ABC passará pelo crivo editorial, plugadíssimo no organograma comercial?
Mais desindustrialização
Pois é, esses são fragmentos de um texto, repito, que escrevi há quase sete anos. Num período de 12 meses (2010) em que o PIB cresceu 7,5% sob a chefia do governo federal de Lula da Silva. Tudo a reboque de um consumismo desvairado que elevou a níveis ainda mais graves a desindustrialização do País e da região em particular.
Aos leitores que pretenderem aprofundar leituras nesta revista digital, na qual a expressão “bolha imobiliária” é utilizada sem-cerimônia, porque retrata momentos diferentes no tempo, mas semelhantemente conexos à situação estrutural do País e da região, repasso logo abaixo os respectivos links, os quais poderão ser acessados no mecanismo de busca.
Espero que nesta segunda-feira, ao fazer um balanço da Feira de Imóveis realizada em São Bernardo, o presidente Marcus Santaguita não caia na armadilha de fomentar vendas que não constam dos registros da Caixa Econômica Federal. Tenho certeza de que Santaguita não será atacado pelo vírus bigucciano de elevar às alturas números rasteiros e tampouco propagar entusiasmo incompatível com o ambiente senão fúnebre, mas muito próximo disso do mercado imobiliário da região.
Por falta de uma entidade capaz de detectar a realidade regional, somos obrigados a construir conjecturas sobre o mercado imobiliário. Para tanto, a melhor alternativa para que a verdade dos fatos não descambe para o oposto de fantasias oficiais e o colapso não seja ainda mais dramático, ouço atentamente muitas fontes do setor. E o que tenho ouvido é estarrecedor.
Situação calamitosa
Muitos investidores foram ludibriados e não conseguem metade dos valores dos metros quadrados que pagaram em período de aquecimento falsificado por meliantes estatísticos – dai inclusive o aumento dos casos de distratos. Famílias que caíram no conto do enriquecimento sem limites buscam alternativas para não perder propriedades que mal começaram a pagar. E os micos povoam o território regional em proporções gigantescas.
Temos um estoque de apartamentos de 10 anos de consumo lento, gradual e sofrido. No caso de estoque de salas comerciais, vai muito além desse tempo. Se esse pessoal lesse com mais atenção o que tenho dito e redito sobre muita coisa da economia regional, não estaria lamentando. A afirmação pode parecer cabotina, mas não me importo. Triste mesmo é mentir descaradamente em nome de um falso regionalismo, que, no caso, não passou de maquiavelismo materialista indomável.
Uma Lei de Responsabilidade Informativa do mercado imobiliário, como já sugeri, deveria estar na pauta dos legisladores federais ou mesmo em forma de medida provisória do presidente da República, o qual, entretanto, está mais preocupado com especuladores imobiliários para abrandar os custos de mentiras que se voltaram contra eles em forma de distratos.
Entenderam os leitores as muitas razões pelas quais sou levado às barras dos tribunais? A banda maquiavélica do mercado imobiliário quer me ver fora de circulação porque detesta verdades irrefutáveis. Para tanto, conta com o silêncio acumpliciador da maioria da Imprensa.
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