O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, segue linhagem de absolutismo dos antecessores. Para o dirigente, entrevistado na edição de ontem do jornal Valor Econômico, o ex-presidente Lula da Silva não pode ser preso porque é uma liderança popular. Diz também que no campo trabalhista seria possível aparar as arestas de diferenciações salariais no setor metalúrgico, citando o sistema financeiro como exemplo de equiparação nacional de vencimentos.
Rafael Marques não se importa com a falta de nexo das declarações que deu ao jornal paulistano porque o roteiro de argumentação segue rigorosamente a carruagem simplificadora de quem não enxerga causas e efeitos nas relações sociais e econômicas. O muro corporativista que protege os sindicatos, a salvo de qualquer aferição dos dinheiros que recebem dos contribuintes, barra qualquer tipo de pensamento naturalmente reflexivo para o conjunto da sociedade.
Acompanhar atentamente os trechos que selecionamos da entrevista do sindicalista ao jornal Valor Econômico é muito interessante porque dá pistas seguras das razões que contribuem frequentemente, quando não historicamente, para a debacle industrial e econômica de São Bernardo, com deletério espalhamento regional. Estamos entregues a chefias trabalhistas despreparadas e procrastinadoras do futuro. São Bernardo não perderá 30% do PIB per capita quando se completarem os seis anos de mandatos de Dilma Rousseff (esqueçam os meses-tampões da temporada passada) por obra do acaso.
Se nas representações político-partidárias e administrativas municipais somos um zero à esquerda, o que dizer dos sindicalistas velhos de guerra que têm os pés plantados no século passado, período no qual os mandonismos do Estado pantagruélico davam as cartas? Acompanhe os trechos da entrevista e o que chamo de “meus comentários”. Cuidado para não chorar.
A entrevista do sindicalista
Valor Econômico – Vocês falam em contrato coletivo nacional. Não está na proposta de reformas. O que é isso?
Rafael Marques – Você poderia pegar o ramo siderúrgico brasileiro, o ramo automotivo, o do petróleo. E aí constrói um acordo nacional básico. Faz bases nacionais de representação sindical, por exemplo, terceirização, que pode ter cláusula nacional. Vai unificando.
Valor Econômico – Bancários fazem isso, não?
Rafael Marques – Sim, foram os primeiros. E funciona muito bem. Definem as bases nacionais e fazem a negociação com a Febraban, tudo bem articulado. Os salários são nacionais. O Bradesco não tem essa de pagar um salário aqui e outro lá no Rio Grande do Norte. Isso é muito positivo. Então nisso poderia derivar a reforma trabalhista.
Meus comentários -- O sindicalista bate na mesma e inconsistente tecla de antecessores presidenciais do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. É uma proposta tão surrada quando inviável. A comparação com o sistema financeiro é descabida. O mundo industrial é muito diferente do mundo financeiro. Guerras fiscais no setor industrial são uma regra. No sistema financeiros sobram convergências. Salários iguais para metalúrgicos que atuam em regiões socialmente diferentes do suposto ponto de partida da uniformização salarial – os custos elevadíssimos da Província do Grande ABC – seriam a revogação tácita das forças de mercado. Da mesma forma que os sindicalistas locais jamais aceitariam rebaixar os valores salariais (caso se falem de benefícios paralelos, então, seria uma ofensa) para se adequarem ao restante da indústria metalúrgica do País, a equação contrária teria receptividade semelhante. No fundo, o que Rafael Marques pratica é o velho e surrado jogo de cena de quem não entende nada de economia e usa o social como porta-bandeira de premissas. O que o dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos quer mesmo é a indústria nacional a convergir para o caos da desindustrialização da região.
Valor Econômico – Por que vocês então são contra a reforma trabalhista?
Rafael Marques – Porque essa reforma do governo remonta o passado, não o futuro. Há novas tendências no mercado que logo vão estar na nossa cara: indústria 4.0. Isso é um desafio. Nós vamos ter fábricas escuras. Só máquinas e o pessoal de monitoramento. Aqui já tem máquinas assim: trabalha de segunda à sexta-feira com operador; de sábado e domingo você faz uma programação, escolhe uma peça menos complexa e quando chega na segunda as peças estão prontas. São desafios que vão exigir novos acordos, novas cláusulas, vão impactar na legislação. Quando você dimensiona reforma trabalhista, tem de olhar isso, o futuro, não no passado.
Meus comentários – É impressionante como o sindicalista exibe seletividade temporal. O PT ficou no governo federal durante mais de uma década e nada fez para atender a seus propósitos, que, no fundo, não passam de variável sem relação direta com o arcaísmo da legislação trabalhista gerada pelo getulismo, ou seja, por um nacionalismo que sempre fechou olhos e ouvidos às inovações nas relações entre capital e trabalho. E que muito ajudou a construir uma Justiça do Trabalho condenada até mesmo pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Gandra Martins. Os manuais de atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com filhotes de comissões em fábricas espalhados por uma centena de fábricas de São Bernardo, são uma densa pregação anticapitalista – sempre sob a proteção da semântica do interesse dos trabalhadores.
Valor Econômico – Você fala assim, mas o PT está com rejeição recorde, acabou de sofrer impeachment e foi massacrado nas eleições municipais.
Rafael Marques – Lula e PT são instâncias com certo descolamento aos olhos da opinião pública. O PT é importante para o Lula, o braço, a perna, o alicerce. Mas o Lula descolou faz tempo. A imagem do Lula está melhorando muito, está voltando a da época de quando era presidente. Há uma saudade, a gente percebe. Não vamos negar que a Dilma não foi o governo que esperávamos. Teve muito erro de condução, aquela ministra poderosa que tinha o Brasil na cabeça não aconteceu. Várias tentativas não deram certo. Tem responsabilidade? O PT tem, o governo Dilma tem. Mas em relação ao Lula, eu acho que está dissociando. Você não percebe em São Paulo com tanta facilidade, mas já percebe em outros Estados, a recuperação é muito forte.
Meus comentários – O sindicalista tem fundamentos na projeção que faz, mas o que chama de descolamento de Lula do PT está longe de ser qualificativo do primeiro e se consolida muito mais como poder destrutivo eleitoral do segundo. A proporção do crescimento popular de Lula da Silva após o período mais retumbante da Operação Lava Jato é muito inferior ao esvaziamento popular do Partido dos Trabalhares e do próprio ex-presidente. Imaginar que Lula da Silva, como eventual candidato presidencial, vai compensar a perda líquida do prestígio e de votos do PT seria ingenuidade. A correlação do prestígio de Lula da Silva imediatamente após o encerramento do segundo mandato com estes tempos de Lava Jato é bastante comprometedora ao petista, por mais que esteja acima da escassez de credibilidade do PT.
Valor Econômico – Tem um aspecto fora do alcance dele ou do partido, que é a decisão judicial que será tomada. Ele é réu. Condenado em segunda instância, está fora da eleição.
Rafael Marques – Aí é que está. Um juiz não pode fazer isso e nem um tribunal. Não é assim também.
Valor Econômico – Não? Lula mesmo age como se já não contasse com a chance de absolvição pelo juiz Sérgio Moro.
Rafael Marques – Tem a sociedade, né? Nós temos que obedecer a Justiça. Mas a Justiça... com todo respeito ao Judiciário, mas não dá para um juiz isoladamente, e depois confirmado no TRF, numa turma, não dá para ele só tirar um líder político, e que mobiliza milhões em torno do que ele representa e do seu pensamento. Eu acho que nós temos que achar uma solução. Tudo tem solução. E a solução está na política.
Meus comentários – O sindicalista prega claramente uma espécie de desobediência judicial, considerando que a voz do povo, mesmo de apenas uma parte do povo, vale muito mais que a Operação Lava Jato inteira. Não se deve estranhar o absolutismo do sindicalista, porque é assim no mundo do trabalho. Acostumados a não prestar contas a ninguém dos recursos financeiros que recebem dos contribuintes, os sindicalistas, em larga escala, acreditam que o mundo se resume a seus interesses. Esse ranço vem do passado e, mesmo com alarmante perda de prestígio dos sindicatos, é muito bem esgrimido na mídia.
Valor Econômico – Muita gente parece convencida de que a política piorou no Pais?
Rafael Marques – Mas não é verdade. A própria Constituição de 1988 e o que seguiu de lá para cá, esses avanços que o Brasil viveu, tudo foi pela via política. E a criminalização da política é muito ruim para o país. Eu não gosto do Aécio (Neves), acho ele... mas quando ele fala que tem de salvar a política, tem razão. Políticos, não. Não quero salvar políticos, mas tem de salvar a política.
Meus comentários – A salvação da política passa pela varredura implacável dos maus políticos. O que o sindicalista defende são os políticos do PT. Usa Aécio Neves como escudo em defesa de uma subjetividade que não engana. Essa história de não judicializar a política é um mantra malicioso que invadiu o campo de jogo da Lava Jato com o objetivo envergonhado de tentar ludibriar o distinto público. Algo como uma anistia ampla, geral e irrestrita que deixaria tudo como antes para que tudo volte à bandalheira amanhã. Não se deve esperar resposta diferente, repito, de um representante de uma categoria que não presta contas a ninguém.
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