O Estadão de ontem revelou em matéria de página inteira que há o equivalente a 49 shoppings fantasmas no Brasil. O jornal paulistano ouviu especialistas, O problema é que se ouvem especialistas depois da casa arrombada, quando não dá mais para esconder as dificuldades. Duro mesmo é cantar a caçapa com muita antecedência. Há instrumentos microeconômicos, macroeconômicos e sociais disponíveis para tanto. Foi o que produzi nesta revista digital. E concluímos hoje, sem medo de equívoco, que contamos com pelo menos o equivalente a três shoppings fantasmas na região, do total convencional de nove estabelecimentos.
Cantei a bola da bolha de shoppings na região. Por isso, a afirmação de que contamos com pelo menos três shoppings fantasmas em nossa geografia está fora de zona de risco. Ou seja: na contabilidade oficial contamos com nove centros de compras planejados, enquadrados nos rigores do conceito de shopping, mas pelo menos um terço, somando-se a ociosidade escancarada de lojas, está à espera de clientela. Se os administradores de shoppings não se mobilizassem para flexibilizar contratos, os estragos seriam muito maiores.
Ao final deste artigo vou selecionar textos que produzi no passado recente, quando alertei sobre os riscos de os novos shoppings darem com a cara na porta. Um alerta que não foi ouvido por investidores e também por profissionais de vários ramos, para que não comprassem gato por lebre. Uma região depauperada a olhos vistos, e que perde riqueza material e potencial seguidamente há mais de duas décadas, não é endereço a atividades comerciais e de serviços sem plano de ação meticuloso. E planos meticulosos certamente desaconselhariam investimentos.
Vendedores de ilusão
Quem caiu na conversa de vendedores de ilusão se deu muito mal. Lançaram shoppings demais onde já faltava clientela se até mesmo onde não faltaria freguesia, caso de Sorocaba, onde o PIB dá um show de bola na região, há shoppings fantasmas, o que esperar da região? Acreditou-se demais em novo milagre da economia brasileira durante a gestão de Lula da Silva. Confundiram consumismo com desenvolvimento econômico. Jamais o País se desindustrializou tanto como durante a gestão petista. Os números são implacáveis. Sem indústria competitiva, vivemos de serviços de baixo valor agregado.
Há pelo menos três shoppings na região cujos resultados para quem pretende encaminhar um bom negócio não seriam nada satisfatórios. Já escrevi sobre isso lá atrás, quando o PIB Nacional bombava e havia muita gente na praça falando bobagens aos jornais que, como sempre, aceitam tudo sem ponderar e refletir. O Shopping Atrium em Santo André, o Shopping Golden Square e o Plaza Shopping São Bernardo, em São Bernardo, vão demorar um bocado para entrar num ritmo razoável. Se chegarem lá, claro.
O Park Shopping São Caetano está na minha lista suplementar de negócio não recomendável. Sei de fontes insuspeitas que empreendedores locais que se meteram naquele empreendimento se deram mal. Sem o arcabouço de franquias, lojas individuais ou de um número reduzido de unidades costumam virar obituário econômico. O Shopping Praça da Moça, em Diadema, também registra abalos da classe média baixa que o frequenta. O dinheiro está curto para todo mundo que depende do mercado de trabalho.
Tradicionais também sofrem
Os shoppings mais tradicionais da região comem o pão que o Diabo amassou. Apelam a todas as modalidades possíveis de marketing para resistir à recessão mais calamitosa da história do País. O Shopping Metrópole de São Bernardo opera com algumas lojas tapa-buracos, para evitar desalento de um ambiente de fim de feira.
Durante a febre de grandeza que permeou a região no governo Lula da Silva, divulgou-se à exaustão que o conglomerado imobiliário Domo, vizinho do Shopping Metrópole, elevaria em 50 mil pessoas ao dia a movimentação diária naquela área. Torres residenciais, comerciais e de serviços dariam vitalidade extraordinária ao antigo terreno de uma tecelagem. Foi o suficiente para o Metrópole construir uma nova ala de lojas. Aumentou a oferta, mas a demanda se retraiu. Uma combinação terrível, seguida de canibalização.
O Shopping ABC e o Shopping ABC Plaza, em Santo André, também acusam golpes de redução do consumo. O Mauá Plaza Shopping, fronteiriço aos terminais de transporte coletivo e ferroviário, reúne certo grau superior de resistência. Como o Shopping ABC Plaza.
Estudos do Ibope
A reportagem de ontem do Estadão diz que os shoppings centers que vêm sendo aberto no Brasil encaram uma dificuldade cada vez maior de atrair lojistas. “Segundo um estudo feito pelo Ibope Inteligência, os 20 centros de compras abertos no ano passado operam com uma vacância de 55% -- ou seja, mais da metade das lojas estão vagas”. E segue o Estadão: “A situação difícil já tinha sido registrada em pesquisas anteriores do Ibope. Os shoppings abertos entre 2013 e 2015, por exemplo, vinham operando com 45% das lojas vazias”, escreveu o jornal. Leiam mais alguns parágrafos da reportagem do Estadão:
Em números absolutos, a ociosidade que há nos shoppings novos abertos após 2013, é de 900 mil metros quadrados, o que corresponde a 7,6 mil lojas vagas. Somadas à desocupação que há nos shoppings consolidados, que abriram as portas até 2012, o número de lojas vazias no setor atinge 13,4 mil, ou 1,46 milhão de metros quadrados. Nas contas dos especialistas, essa área desocupada equivale a 49 shoppings fantasmas de 30 mil metros quadrados cada.
Travas de comedimento
A reportagem do Estadão vai mais fundo ao revelar alternativas que as administradoras dos centros de compras lançam mão para amenizar a situação. Tudo isso seria menos traumático aos empreendedores que acreditaram na possibilidade de desenvolverem atividades que lhes garantissem dias menos turbulentos se a gulodice que domina a economia nacional fosse menos abusada.
Não há travas de comedimento a interromper o circuito especulativo que conduz milhares de pequenos empreendedores à loucura de terem reservas financeiras destroçadas. Joga-se um jogo sem freios. Tal qual ocorre no mercado imobiliário, o mais abusivo e insinuante dos negócios, no qual os níveis recordes de inadimplência e de distratos sintetizam os exagerados protegidos, quando não estimulados, pela mídia.
Para não dizerem que sou engenheiro de obra pronta – é natural que alguns assim se manifestem, porque nem todo mundo acompanha o histórico desta publicação – sugiro a leitura integral do artigo que escrevi em dezembro de 2012 sob o título “Quantos shoppings cabem na Província do Grande ABC”. Não, não é preciso recorrer agora àquele texto. Vou transpor para este artigo alguns trechos. Gosto de matar a cobra e mostrar o pau. Leiam:
Shoppings de verdade, shoppings de conceitos de shoppings, shoppings compatíveis com o consumidor disponível, shoppings assim cabem menos do que os já instalados. (...) O que posso dizer e escrever é que não há espaço com rentabilidade sonhada para os sete shoppings em atividade e para um oitavo, em fase final de construção na Avenida Kennedy, em São Bernardo. O mais recente centro de compras da Província do Grande ABC foi inaugurado há poucas semanas e saudado como salvação da lavoura. A mídia não fez qualquer menção ao fato de o empreendimento ocupar ampla área que produzia riquezas e salários elevadíssimos, no caso a Brastemp, que se mandou para o Sul do País. (...) Lembrar que o São Bernardo Plaza Shopping, na Avenida Rotary, foi instalado em parte do terreno da Brastemp (a outra parte é ocupada pelo Wal-Mart, um hipermercado que favorece o consumo, não a produção) é crime de lesa-região. Há um tratado não escrito que determina a omissão sobre tudo que supostamente torne negativo qualquer noticiário econômico. A única publicação que não encarou a chegada do novo empreendimento como mais uma prova de pujança da região, porque essa é a máxima triunfalista, foi o Diário Regional que, dia seguinte à inauguração, meteu um título-síntese da preocupação que todos deveriam ter com o futuro da região, já que o presente foi há muito tempo para a cucuia: “Após 32 anos e dois fracassos, São Bernardo ganha 2º shopping”. (...) Nenhuma outra reportagem sobre o empreendimento teve sinalização de cautela. (...) A Brastemp substituída por Wal-Mart e agora por um centro de compras foi o desenlace nefasto de extravagâncias sindicais que colocavam no mesmo balaio de gatos de reivindicações de empresas de tamanhos diferentes como também de atividades sem parentesco como as montadoras de veículos, núcleo de reivindicações dos metalúrgicos. A Brastemp foi embora de São Bernardo porque não suportou os custos sindicais, as ofensivas sindicais e os destemperos sindicais dos metalúrgicos com os olhos e os bolsos postos nas multinacionais automotivas. (...) Sofrível mesmo é que num amplo espaço que contribuiu imensamente para o enriquecimento de São Bernardo, festeje-se ruidosamente a chegada de um centro de consumo que agrega tão pouco valor ao conjunto da sociedade. Mais que isso: um centro de compras sofisticado demais para aquela área do Município, cercada por populares sem apetrechamento financeiro para frequentar com certa assiduidade aqueles amplos corredores e aquelas lojas de Primeiro Mundo. (...) Aliás, não é só o São Bernardo Plaza Shopping que cairá na real de que a Província do Grande ABC não tem massa de consumidores de classe média alta para sustentar vários empreendimentos. O Park Shopping São Caetano está comendo o pão que o diabo amassou. Vários aspectos que não interessam ser destrinchados agora levam à conclusão de que o Park Shopping está duplamente no lugar errado: numa São Caetano de apenas 150 mil habitantes sem a cultura de consumo local e encalacrada numa geografia de difícil acesso logístico. (...) Já o shopping que chegará à Avenida Kenedy, em São Bernardo, tudo indica que repetirá o fracasso do antecessor, o Golden Shopping, no mesmo endereço, embora com outro tipo de configuração societária e gerencial.
Outra matéria, de 2011
Não resisto a outro texto que produzi nesta revista digital. Mais especificamente em novembro de 2011, sob o título “Afinal, quantas lojas de shopping ainda comporta a Província”. Leiam alguns trechos:
Ando me perguntando sobre os limites da Província do Grande ABC quando se referenciam o potencial de consumo e a oferta de lojas em shopping. A perspectiva é de overdose de empreendimentos ou o que se anuncia vai preencher espaços ociosos no bolso do consumidor? Além da chegada do Park Shopping, em São Caetano, anunciam-se novos shoppings e a ampliação dos mais antigos. Há uma década um especialista no assunto, Henrique Falzoni, garantia que o tempo de jogo de consumo nos centros de compras da região já estava esgotado. Mas isso faz tempo, muito tempo, e tudo muda, não é verdade? Às vezes, muitas vezes, para pior. Confesso que estou com pelo menos um pé atrás. Ainda estamos pagando o pato da globalização combinada com a descentralização industrial que ceifou a trajetória de centenas de empreendimentos de porte na região. Não bastasse isso, vem por aí uma segunda leva de complicações macroeconômicas. E desta vez há projeções de que será bem mais enroscada que a primeira, que negativou o PIB brasileiro em 2009. (...) Ainda temos um saldo negativo de empregos industriais gigantesco, depois da hecatombe dos anos 1990, quando 120 mil carteiras assinadas no setor produtivo foram para o chapéu. A maioria de empregos de qualidade. Uma parte de empregos de prestadores de serviços industriais, que se desvincularam dos registros oficiais de produção. A terceirização pegou todo mundo de calças curtas. Regredimos, portanto, na principal atividade econômica regional. E não há no horizonte de médio prazo qualquer possibilidade de reversão de expectativa. Exceto para aqueles que adoram enganar. Mais ainda: com o avanço de tecnologia, processos e gestão, empregos industriais mais produtivos gerarão mais Valor Adicionado, que é a medida que mais influencia os números do PIB (Produto Interno Bruto). Mais PIB com menor participação de renda do trabalhador não é exceção. É regra. Por essas e outras avaliações fiquei particularmente preocupado com o excesso de expectativa em relação ao Park Shopping em São Caetano. (...) Os números socioeconômicos de São Caetano, um paraíso de qualidade de vida no inferno da Região Metropolitana de São Paulo, não resistem à imperiosidade de manutenção de um centro de compras do porte do Park Shopping. É preciso atrair a vizinhança da Província do Grande ABC e parte das franjas mais a Sudeste da Cinderela paulistana. Conseguirá? Essa é a questão mais relevante. E preocupante, porque o sistema viário não favorece o acesso ao Park Shopping. A logística disponível para alcançar aquele endereço é pobre em alternativas e complexa em mobilidade urbana. (...) Tradicionalmente a gama de consumidores mais sofisticados de São Caetano desfruta da vizinhança de shopping de Santo André e, principalmente, da Capital. Ter o potencial de consumo de São Caetano como aliado é um bom começo, mas não garante mais que 30% da viabilidade do negócio. São Caetano reúne apenas 150 mil habitantes e conta juntamente com Santos com o maior percentual de idosos do Estado. Gente aposentada bastante conservadora em gastos. O fluxo mínimo médio de 50 mil frequentadores por dia terá de ter visitantes de outros municípios. Da Província do Grande ABC e da Capital. Será que o Park Shopping conseguirá? O perfil de classe média tradicional exigido da clientela é um desafio e tanto. A Província do Grande ABC engana muita gente que imagina que seja aqui o paraíso desse agrupamento social. (...) Gostaria de acreditar que temos massa econômica para atender a essa sobrecarga de ofertas. Mas como o tempo me ensinou a ser comedido e a ler com extrema desconfiança o noticiário em geral, especialmente quando interesses publicitários estão em jogo, acho melhor pedir calma e atenção. Diferentemente de tantas praças onde estão ancorando shoppings, as quais em regra são centros geoeconômicos de territórios com características metropolitanas ou de aglomerados urbanos atingidos pela novidade, a Província do Grande ABC há muito foi descoberta na área comercial e de serviços. A indústria de shoppings já amadureceu na região faz bom tempo. E nesse ponto cabe um raciocínio pertinente: se há tanta disponibilidade de consumo assim, a ponto de justificar tantos investimentos, o que tivemos na última década, então, foi uma constante multiplicação de lucros dos estabelecimentos já consolidados. Mas insisto em pelo menos duas perguntas: a) Teremos de fato tanto dinheiro disponível para gastar com a carga suplementar de quase mil novas lojas que se abririam nos shoppings até o final do ano que vem? b) Terá a classe média tradicional da Província do Grande ABC alterado tanto o perfil que decepcionou os empreendedores do Shopping Mappin naquele final de anos 1980 a ponto de acenar para o Park Shopping a bandeira de sucesso?
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