Economia

Prioridade como nunca,
desprezado como sempre

ANDRE MARCEL DE LIMA - 19/05/2017

Normalmente abordado sob a ótica nacional, da competição entre países, o temário do Desenvolvimento Econômico é conceito estranho à maioria esmagadora dos políticos e acadêmicos quando relacionado à esfera local, dos municípios e regiões. Desde a fase das campanhas, candidatos demonstram predileção por temas populares e de identificação imediata como saúde, educação, segurança e outras reivindicações do gênero. Uma vez eleitos, aí é que não enfrentam mesmo o assunto crucial sobre o qual entendem que teriam muito mais a perder do que a ganhar, dado o nível de complexidade envolvido.

Além de ser bem menos palatável, Desenvolvimento Econômico Local costuma ficar à margem por outra questão de ordem prática: trata-se de algo trabalhoso se devidamente levado a sério. Estabelecer condições objetivas para que empresas geradoras de impostos e empregos resolvam permanecer, se expandir ou se instalar em cidades e regiões requer muito mais que retórica, sobretudo em se tratando de localidades de industrialização antiga e afetadas pelas chamadas deseconomias de aglomeração, cujo conceito será explicado mais adiante. 

Desenvolvimento Econômico Local requer pacote de ações estratégicas capazes de reverter os efeitos negativos das desvantagens competitivas responsáveis pelo afastamento de linhas de produção ou fábricas inteiras. Isso significa que o desafio requer estudo, planejamento e um longo caminho a ser percorrido na fase de execução. Tais requerimentos vão contra a lógica imediatista em vigor de procurar apresentar resultados concretos sobre o que a população percebe como o mais importante. Pode ser uma ponte, um hospital ou qualquer monumento capaz de imprimir uma marca facilmente reconhecida. 

Fatura sempre chega 

A negligência sobre a importância de conferir prioridade ao Desenvolvimento Econômico Local não deixa de cobrar a fatura. Principalmente no longo prazo. Quando uma cidade ou região passa a perder muitas empresas, é a sustentabilidade socioeconômica que fica comprometida. Basta imaginar um Município ou região como um ecossistema em que a produção local de bens e serviços funciona como mecanismo de retroalimentação para seus integrantes. A cada produto gerado localmente corresponde um número de habitantes ocupados e uma fração de recursos financeiros revertidos na forma de impostos. 

Atividades produtivas mantidas pela iniciativa privada são duplamente à gestão pública. Primeiramente pelo motivo óbvio do repasse de recursos financeiros. Adicionalmente, por aliviar a pressão sobre os serviços prestados no âmbito municipal. Quando parcela significativa da população economicamente ativa está empregada, serviços de saúde, por exemplo, acabam sendo bancados por planos corporativos. Além disso, muitas das empresas que não vão embora acabam oferecendo creches ou escolas para filhos de funcionários. 

A saída de empresas e o consequente desemprego, por outro lado, força prefeituras a gastar mais com ações curativas na esfera social, num contexto de recursos cada vez mais escassos, configurando o pior dos cenários.  Por isso é difícil resistir à imagem um tanto desgastada da galinha dos ovos de ouro como metáfora de Desenvolvimento Econômico Local. 

Triângulo indispensável 

Como desarmar essa armadilha? Não existe alternativa a enfrentar o problema com honestidade, expertise, realismo e uma dose de idealismo um tanto rara, senão inexistente, de modo a romper a fim de fazer a diferença. Aos que desejarem encarar o desafio, convém estar cientes sobre a particularidade das três categorias que compõem o tecido produtivo: indústria, comércio e serviços. Conhecer o papel, a importância ou limitações de cada um é fundamental para evitar equívocos na adoção de políticas públicas.

É preciso ter cuidado quanto à caracterização do comércio: atividades comerciais apresentam alcance extremamente limitado, para dizer o mínimo, em termos de geração de riqueza. Parcela esmagadora do que é vendido nas lojas de uma determinada cidade ou região foi produzida fora dos limites da referida cidade ou região – onde a maior parte da riqueza é efetivamente gerada -- cabendo ao comerciante adicional relativamente modesto. 

Além disso, diferentemente de indústrias cujo raio de atuação se estende pelo País e até ao Exterior, o comércio varejista tem como característica o fato de depender de consumidores que vivem nas proximidades. Por isso, em termos de planejamento público para sustentabilidade econômica, não há muito oque esperar de uma atividade cuja grande contribuição, na melhor das hipóteses, é evitar a evasão de recursos por falta de opções locais.

Riscos dos excessos 

Cabe um alerta: sob a premissa aparentemente nobre de ampliar o leque de opções aos consumidores, pode-se patrocinar concorrência exagerada prejudicial a todos os competidores. Num cenário em que a massa de recursos disponíveis para consumo diminui e a quantidade de estabelecimentos comerciais aumenta, margens de lucro são inexoravelmente afetadas e muitos são lançados ao acostamento do mercado. A lógica puramente econômica vale tanto para estabelecimentos comerciais a céu aberto quanto para shoppings e respectivos lojistas. 

E o que dizer do setor de serviços? Bem, depende do tipo de serviço em questão. Se o foco de análise recair sobre estabelecimentos como lavanderias, alfaiates e chaveiros vale a máxima aplicada ao comércio varejista: como o espectro de clientes está atrelado ao imperativo geográfico, o aumento da oferta num cenário de inelasticidade ou assoreamento da demanda pode representar riscos adicionais.

A solução estaria no estímulo aos chamados serviços de alto valor agregado. Trata-se de áreas nobres como marketing, engenharia e tecnologia de informação, entre outras, voltadas para o suporte de atividades industriais. Além de empregar profissionais mais qualificados e bem pagos, esses serviços podem ser exportados para outras regiões e até países. Mas num cenário em que o Desenvolvimento Econômico Local assiste praticamente inerte a perda do tônus da manufatura, como esperar o fomento de um terciário de alto valor agregado? 

Locomotiva industrial  

Por fim, cabe enfatizar que a indústria, a despeito de algumas considerações pós-modernas inclinadas a relativizar seu valor, continua sendo o principal pilar de sustentação socioeconômica tanto em nível local quanto nacional. Afinal, é na indústria de transformação que a adição de valores em etapas sequenciais atinge escala exponencial em termos de geração de impostos e empregos.  

No aspecto nacional, a indústria enfrenta dificuldades relacionadas a variáveis macroeconômicas como taxa de juros e câmbio, além de custos trabalhistas e da máquina estatal em geral. Em termos municipais e regionais, indústrias costumam bater asas em busca paragens mais competitivas em função das deseconomias de aglomeração, como são chamadas as condições desvantajosas específicas de determinada localidade. 

São exemplos de deseconomias de aglomeração altos custos fundiários (preços dos terrenos), valores elevados de IPTU, presença de mão-de-obra desqualificada ou custos trabalhistas muito acima da realidade do mercado, más condições de deslocamento e transporte em relação a centros de consumo, baixos níveis de qualidade de vida relacionados a questões de ordem prática como incidência criminal e trânsito excessivo, entre outros pontos de analise.  

A falta de distritos especificamente voltados a indústrias é outro fator de desequilíbrio para cidades ou regiões em que o adensamento produtivo se deu no passado sem o devido planejamento. Em distritos específicos, indústrias podem usufruir de custos reduzidos com o compartilhamento de serviços comuns e ainda podem operar com tranquilidade, sem receio de indisposição com vizinhança residencial.   

Extremos opostos 

Deseconomias de aglomeração são o extremo oposto das economias de aglomeração, as quais compõem coquetel de vantagens de territórios bem sucedidos na operação de atrair empresas: baixos custos fundiários e tributários em distritos industriais, mão-de-obra qualificada e com custos competitivos, boas condições logísticas em relação a fornecedores e mercados de consumo, entre outras. 

No tocante à logística cabe um esclarecimento: logística não tem necessariamente a ver com distância, mas com condição de deslocamento. No passado, municípios da Região Metropolitana de São Paulo contavam com a vantagem competitiva de proximidade em relação a grandes centros consumidores. Com o desenvolvimento rodoviário entre a capital e o Interior do Estado a partir da década de 1990, tal vantagem virou pó. Isso explica, entre outros fatores conjugados, o crescimento de novos polos industriais em direção ao Interior, notadamente nas regiões de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba.

Enquanto cidades como Hortolândia, Indaiatuba e Vinhedo, entre muitas outras, começaram a ganhar corpo no mapa dos investimentos produtivos e da geração de riqueza industrial, o Rusty Belt (Cinturão da Ferrugem) brasileiro experimentou trajetória oposta. Formado por um conjunto de municípios conurbados que acolheram as primeiras linhas de montagem de veículos e a primeira central de matérias-primas petroquímicas do País, o Rusty Belt passou a fazer jus a esta nomenclatura internacional ao se tornar recordista de perdas econômicas, com saldo de galpões abandonados parcialmente mascarado por empreendimentos habitacionais. 



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