Levantamento divulgado pelo instituto suíço IMD chamou atenção por mostrar que o Brasil ocupa o 61.º lugar – entre 63 países – no ranking internacional de competitividade econômica, à frente apenas de Mongólia e Venezuela. Até Ucrânia e Croácia, que compunham a antiga cortina de ferro sob influência comunista, passaram a enxergar o Brasil pelo retrovisor. Entre 2016 e 2017, o Brasil foi ultrapassado por quatro países, incluindo ainda Grécia e Argentina, em função da queda de 3,6% no PIB (Produto Interno Bruto) naquele ano.
Alguma surpresa com a posição retardatária no ranking da competitividade? Pelo menos não deveria causar. Competitividade, cuja expressão mais precisa é produtividade, pode ser entendida como uma das extremidades de uma gangorra cuja ponta oposta é a corrupção. Como água e óleo, é impossível que os dois conceitos antagônicos ocupem a mesma posição de destaque em uma sociedade.
E corrupção é o que não faltado no Brasil. Essa realidade sombria é tão insofismável diante da avalanche de notícias veiculadas diuturnamente pela mídia que qualquer comentário no sentido de tentar transmitir senso de proporção dos acontecimentos torna-se automaticamente perecível, dada a atualização frenética de informações.
Outro dado complementar de análise: o Brasil ocupou o 79º lugar no ranking da corrupção compilado pela organização não governamental Transparência Internacional, que avaliou níveis de percepção da corrupção em se tratando de governos de 176 países no ano 2016.
Governos ainda piores
O resultado brasileiro só não foi pior porque no mundo existem casos de governos notadamente autoritários e que estão abaixo da crítica, como o Afeganistão, por exemplo, e porque a Transparência Internacional levou em conta esforços de instituições brasileiras a fim de combater o problema de ramificações catastróficas especialmente em territórios nos quais predomina o autoritarismo e a impunidade.
A reflexão sobre o caráter diametralmente oposto de produtividade em relação à corrupção é o que de melhor a situação pode legar. Verbete obrigatório dos manuais de economia, produtividade pode ser definida de uma forma mais libertária como o resultado de um processo de aprimoramento e entrosamento dos chamados fatores de produção, incluindo seu elemento distintamente nobre -- o ser humano com sua capacidade de criar.
Com máquinas, equipamentos e tecnologias mais modernas, além de pessoas mais engajadas, comprometidas, motivadas e preparadas para desempenhar funções complementares e interdependentes, é possível obter produtos e serviços melhores ou em maior quantidade, elevando, portanto, o nível de produtividade de uma empresa.
Do conjunto da realidade produtiva das empresas é extraído o nível de produtividade de uma nação. Num ambiente marcado pelo valor do trabalho honesto, e no qual agentes públicos e privados a estes relacionados são alvos do devido escrutínio à luz do que se convencionou identificar por accountability, termo inglês que significa algo como prestação de contas, cidadãos acordam e vão dormir tendo em mente a necessidade de dar conta de suas tarefas de forma correta e eficiente. Sabem que não há brechas para burlar o sistema de mercado em que paradoxalmente todos são beneficiados por seus esforços individuais. Em razão disso, ocupam-se em buscar seus objetivos pessoais dentro das regras do jogo.
Inovação e ascensão
O empenho para atividades criativas e produtivas faz parte da cultura. A inovação, reconhecida como a busca de soluções para resolver problemas reais, desponta como caminho preferencial, se não único, de ascensão socioeconômica.
O processo de aprimoramento e entrosamento dos fatores de produção definido como produtividade é necessariamente longo porque está baseado em um ativo que não se cria da noite para o dia: Educação. Países com os maiores índices de competitividade ou produtividade são justamente aqueles em que Educação, Pesquisa e Desenvolvimento recebem investimentos dignos de atributos coletivamente valorizados.
Se produtividade é o resultado da inventividade humana aplicada num contexto em que se valoriza o ganho incremental de conhecimento aplicado, e em que se reduz ao máximo o aparecimento de brechas para obtenção de vantagens imerecidas ou ilícitas, a corrupção é o oposto. Num ambiente em que existe muito espaço para a aferição de ganhos e vantagens espúrios, sem a necessária contrapartida da geração de benefício proporcional para o conjunto da sociedade, o trabalho árduo fica eclipsado e a esperteza para dar jeitinho e levar vantagem acaba recebendo apelo indevido.
Neste ambiente marcado pela fragilidade de regras e instituições, transgressores de diferentes matizes e independentemente de backgrounds (origens) unem-se com o interesse comum de explorar escaninhos e enriquecer ilicitamente.
Predomina neste caso o chamado capitalismo de compadrio, em que o Estado (em sentido amplo) e empresas privadas entram em simbiose por meio de agentes políticos infiltrados com objetivo de obter vantagens recíprocas à custa do conjunto da sociedade. Os desvios financeiros resultantes do capitalismo de compadrio drenam recursos para investimentos em setores como saúde e educação, além de impor fardo tributário adicional ao conjunto da população, que se vê obrigado a destinar parte do salário e da renda para custear o pedágio ilegal da corrupção.
Impactos coletivos
Tão ou mais importantes do que essas perdas financeiras calculadas na casa dos bilhões, entretanto, são os impactos sobre a mente coletiva, especialmente de cidadãos em formação. Casos de corrupção que vem a tona a cada instante levam à percepção de que maçãs em bom estado tornaram-se exceção no cesto das esferas de poder constitucional. Essa impressão leva muitos a se perguntar até que ponto será possível nadar contra o mar de lama – neste caso o clichê é insubstituível.
Desesperança coletiva não apenas impacta negativamente em perspectivas futuras de indicadores econômicos, agravando escombros financeiros consumados na economia real, mas abala alicerces de sustentação da produtividade. O saldo negativo da corrupção não se calcula apenas pela soma de recursos que migra do bolso de quem efetivamente produziu, e tem direito ao fruto do seu trabalho, em direção a bolsos indevidos. Inclui também os efeitos incalculáveis que a inversão de valores impõe sobre o potencial de realização de um povo como nação.
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