Ouvi em novembro de 2001 (portanto no começo do novo século) um executivo da Volkswagen de São Bernardo. A Entrevista Especial com Enrique Lozzano à revista LivreMercado está disponível neste site, como muitos exemplares do acervo daquela que durante quase duas décadas foi a melhor publicação regional do País. Descubro agora, por conta dos novos investimentos da Volkswagen, capitalizados pelo prefeito Orlando Morando, que aquele trabalho se tornou histórico. A montadora mais antiga da região vive situação dramática que o Novo Polo poderá aliviar. Ou seja: o investimento anunciado na semana passada é contraditório porque tanto pode ser motivo de festa como de inquietação. A expressão “vai ou racha” não seria um exagero. Antes, disso, é um desafio.
A cantada de caçapa daquele profissional de Recursos Humanos à revista Livre Mercado não foi levada a sério por muitos agentes econômicos e sindicais da região. Declarações certeiras, se querem saber. Nesta Província, tudo que é sério, mas sendo supostamente desfavorável às cores locais, ganha a prateleira de catástrofes. Coisa típica dos triunfalistas que não querem largar o osso da riqueza seletiva.
Querem um exemplo de que Enrique Lozzano estava absolutamente certo ao traçar um cenário de complicações para a multinacional? Pois leiam:
Pergunta – O futuro da Volkswagen de São Bernardo reserva vagas para apenas oito mil trabalhadores?
Resposta – Isso acontecerá, mas a longo prazo.
Pergunta – O que é longo prazo?
Resposta – Algo como cinco, seis anos. Teríamos um número que variaria entre 10 mil e 12 mil trabalhadores considerando tudo. Quando digo tudo é porque incluo nessa contabilidade não só trabalhadores ligados diretamente à manufatura na Anchieta, mas de outras fábricas que estão neste complexo industrial, casos das áreas de compras, de vendas, de desenvolvimento de produtos. Temos também toda a área administrativa. Se considerarmos só a produção do Polo, acreditamos que não precisaríamos de mais de seis mil trabalhadores nas atividades produtivas. Entretanto, temos a expectativa de que o Gol não vai desaparecer. Esperamos que o Gol tenha vida longa também. Todos esses números, é bom que se diga, são estimados, porque não sabemos o que pode acontecer mais para frente. Não sabíamos, em março, o que aconteceria neste final de ano.
Estoque de trabalhadores
Antes de tudo, um esclarecimento: o Polo ao qual se referiu Enrique Lozzano naquela Entrevista Especial não é o Polo de agora, claro. É uma versão antiga, então recém-lançada na fábrica da Anchieta.
Quanto ao estoque de trabalhadores da Volkswagen Anchieta, informações do Sindicato dos Metalúrgicos dão conta de que seriam 9,3 mil. Não se tem notícia de que seja esse todo o efetivo da companhia em São Bernardo ou apenas da manufatura. Parece, pelas informações, que são apenas dos trabalhadores de chão de fábrica. Ou seja: muito próximo da previsão de Lozzano.
Aonde pretendo chegar com o resgate de uma entrevista imperdível ainda hoje e que o será para sempre quando alguém se dispuser a escarafunchar as estranhas da desindustrialização além do que estamos cansados de escrever? Que aquele executivo estava tão certo como a luz do sol da manhã.
O que adiou o esquartejamento mais que necessário do operariado da Volkswagen de São Bernardo foram os anos de fartura consumista do governo Lula da Silva. Mas bastou o Brasil voltar à normalidade sustentável de um PIB magérrimo para a cortina do desconforto baixar.
Competitividade perdida
O cerco aperta, as medidas de contenção de custos da companhia foram introduzidas, inclusive com o paternalismo do Estado na forma de Programa de Proteção ao Emprego, seletivíssimo por excelência, e a saída agora é encaixar um novo produto, o Polo que Orlando Morando avançou em méritos construídos a duras penas pelos metalúrgicos, principalmente, para evitar que a vaca desse símbolo do capitalismo da região submerja de vez.
O resumo da ópera da concorrência que permeava e ainda permeia as montadoras de veículos – situação tóxica que se estende às autopeças – é que perdemos competitividade num setor de extrema importância ao equilíbrio social. Desfigurou-se de tal maneira o macroorganismo produtivo das montadoras, com a manutenção e muitas vezes o acréscimo das chamadas conquistas trabalhistas arrancadas a fórceps, que não nos demos conta de que a cada nova temporada perdíamos mais e mais espaço no mercado nacional e internacional.
A Volkswagen despencou da liderança, a Ford nem se fala e a General Motors pena para se sustentar como nova líder com índice de participação em decréscimo – aliás como todas as montadoras mais tradicionais no País. Uma crônica mais que anunciada. A Mercedes-Benz come o pão que o diabo amassou no setor de pesados e a Scania é um caso à parte, porque tem a válvula de escape da exportação. Uma exceção à regra de montadoras da região tecnologicamente defasadas, quando contrapostas a players internacionais.
Sequência histórica
Na Entrevista Especial de 2001, sob o título “O que será da VW deste novo século?”, acredito ter estado à altura do entrevistado ao iniciar o trabalho jornalístico com a seguinte exposição de ideias:
Como LivreMercado vem publicando há muitos anos, é melhor não ter muitas ilusões com o gigantismo da Volkswagen Via Anchieta. Símbolo maior da industrialização regional, a fábrica que já contou com mais de 35 mil funcionários contabiliza apenas 16 mil e vai chegar nos próximos anos ao máximo de 10 mil a 12 mil, num turbilhão de emagrecimento de recursos humanos semelhante ao físico, já que dezenas de galpões foram a pique para dar lugar à produção do Polo, antigo projeto PQ-24 que entre outras novidades trará grupo seletivo de fornecedores para bem próximo da linha de montagem. Convém prestar muita atenção aos desdobramentos das negociações que opõem o comando da fábrica e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. É possível que alguns pilares de relações bilaterais sejam destruídos pelo momento de extrema dificuldade que atinge o setor automobilístico em geral e o menos competitivo, como a Volkswagen, em particular.
Alerta pertinente
Chamo a atenção à entrevista – entre muitas que constam de nosso acervo público – porque mais que recordar uma ação jornalística que se comprovou atualizadíssima, porque embasada em dados agregados daquele profissional, o que temos como cardápio é um alerta. Que tipo de alerta? Que o prefeito Orlando Morando e seus pares no Clube dos Prefeitos têm tarefa inadiável e, portanto, não podem perder tempo. Cada dia que passa mais entraves encontraremos ao desenvolvimento econômico.
É preciso colocar mãos na massa econômica sem perda de tempo. Até porque já se perdeu tempo demais. Enrique Lozzano, o entrevistado daquele novembro de 2001, se comportou com a dignidade e a franqueza dos grandes executivos de multinacionais que passaram pela região e não tiveram interlocução com as autoridades municipais. Entre outras razões porque insistimos em pretender ouvir apenas quem tem boas notícias a dar, principalmente boas notícias que soterrem as más notícias.
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