A Editora Livre Mercado decidiu apertar o cerco contra estatísticas que afetam diretamente o Grande ABC. Insatisfeita com a frequente seletividade e manipulação de dados sobre a economia da região pelo coordenador técnico da Agência de Desenvolvimento Econômico, o professor universitário João Batista Pamplona, a direção editorial da Editora Livre Mercado anunciou a decisão inédita de entrar com medida extrajudicial contra o representante dessa ONG mantida pelas prefeituras, entidades empresariais e sociais do Grande ABC. Entretanto, um acordo com José Carlos Paim, diretor-executivo da Agência, que também teve participação da secretária de Desenvolvimento Econômico de Santo André, Nádia Somekh, possibilitou a substituição da ação por entrevistas através da Internet.
"Seria a primeira medida do gênero, mas como sempre estamos dispostos a alcançar objetivos que satisfaçam os consumidores de informações, não tivemos dúvidas em transformar o que seria um debate obrigatório em algo cooperativo" -- afirma o jornalista Daniel Lima, diretor-executivo da revista LIVRE MERCADO.
A medida extrajudicial seria a tentativa extrema de evitar que consumidores e usuários de informações econômicas sobre o Grande ABC continuem sendo ludibriados. "A insistência com que se divulgam dados absolutamente desconectados da realidade econômica da região é um acinte na medida em que, além de enganar os usuários de informações, provoca a desmobilização de agentes sociais, econômicos, políticos e culturais que buscam reoxigenar as instituições do Grande ABC em busca de uma virada do jogo pelas vias concretas dos fatos, e não do reino da fantasia" -- afirma Daniel Lima.
O diretor de redação de LIVRE MERCADO lembra que o debate que será divulgado diariamente pelo boletim eletrônico Capital Social se prende, entre outros motivos, à necessidade de adequar o ambiente do Grande ABC a um dos mandamentos de Michael Porter, professor da Harvard Business Scholl e conselheiro de importantes empresas em todo o mundo. Porter foi membro da Comissão Presidencial sobre Competitividade Industrial nos Estados Unidos. Especialista em desenvolvimento regional e nacional, estudou mais de 100 diferentes negócios em oito países desenvolvidos e dois emergentes.
Com base nessa longa experiência, estruturou a teoria das vantagens competitivas e notabilizou-se pela rigorosa conceituação sobre clusters. Daniel Lima explica que o primeiro ponto dos pressupostos de Michael Porter para o desenvolvimento regional está na necessidade indispensável de atmosfera de tensão na região e que a maior parte da população deve reconhecer a importância de mudanças significativas no estado passado e atual.
Em Reportagem de Capa da edição de julho de LIVRE MERCADO Grande ABC, sob o título Competitividade Comprometida, mostrou-se que o Grande ABC é um barril de pólvora de criminalidade, desemprego e exclusão social. E que o velho orgulho foi-se pelo ralo do esgarçamento econômico de uma população que está viúva do cada vez mais escasso emprego industrial de primeira classe.
Na mesma Reportagem de Capa, foram listados e analisados outros três pressupostos de competitividade regional construídos por Michael Porter e transplantados para o Grande ABC:
A região deve reunir uma base de conhecimento que permita fazer escolhas com fundamento em dados e informações precisas.
Receptividade a novas idéias e abordagens por parte de lideranças públicas e privadas.
Compartilhamento dos mesmos objetivos por parte de todos na região, com uma visão comum de como lidar com os problemas.
A análise publicada por LIVRE MERCADO reprovou o Grande ABC em todos os quesitos. O trecho final da reportagem não deixa margem para dúvidas: "O problema todo é que a cada dia que passa a conta da caderneta de poupança de prosperidade regional alimentada durante anos enfrenta a dura realidade de saques sistemáticos. Poupador inteligente trataria de se reorganizar para evitar a sangria. O Grande ABC ainda não se deu conta disso na dimensão desejada" -- afirma a reportagem.
A Editora Livre Mercado só havia procurado a possibilidade da ação extrajudicial porque o pesquisador João Batista Pamplona insistia em se utilizar da logomarca da Agência de Desenvolvimento Econômico para dar credibilidade a dados estatísticos que, segundo sua interpretação, negam a real desindustrialização do Grande ABC.
Recentemente convidado por uma emissora de televisão de São Caetano -- o Canal 45, em UHF -- para debate ao vivo com o jornalista Daniel Lima, o economista João Batista Pamplona preferiu recusar. Em seguida, também não atendeu a convite para um debate na Rádio ABC.
"Ele sabe que está descolado não só da realidade prática e estatística da região como também do sentimento regional de produzir elementos responsáveis para análise" -- afirma Daniel Lima.
O debate foi proposto pela emissora de televisão depois de LIVRE MERCADO republicar análise de João Batista Pamplona inicialmente impressa em maio no jornal Gazeta Mercantil sob o título "Fatos e Mitos sobre a "desindustrialização" no ABC". Nas páginas seguintes, Daniel Lima assinou uma réplica sob o título "Fatos e mitos sobre a desindustrialização do ABC".
Mais recentemente, João Batista Pamplona voltou à carga e anunciou aos jornais dados antigos e requentados de pesquisa realizada pela Fundação Seade, instituição ligada ao governo do Estado que trabalha de forma associada à Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC em pesquisas sobre a região.
Cuidado com estatísticas -- Daniel Lima afirma que a inspiração para anunciar a medida extrajudicial agora transformada em debate virtual foi embalada pelo livro lançado recentemente nos Estados Unidos pelo escritor Joel Best -- Demned Lies and Statistics (Malditas Mentiras e Estatísticas, em tradução livre, University of California Press). "Entretanto, em vez de, como aquele autor, ficar apenas na denúncia, como já fizemos em outras ocasiões não só a respeito dos desvios da Agência mas também de outras instituições, resolvemos ir para um campo menos agradável aos fraudadores de informação" -- explica.
No livro, o norte-americano Joel Best diz que o mundo é muito complicado e precisa de estatísticas para ser mais bem compreendido, mas que se deve pensar de forma crítica sobre os números, sejam quais forem. As estatísticas, afirma Best, podem virar armas em disputas em torno de problemas e políticas sociais. "Elas têm sempre dois objetivos, um deles geralmente oculto. O objetivo público é dar uma descrição acurada e verdadeira da sociedade. O outro é dar apoio a visões particulares de certos problemas" -- afirma o escritor e professor de Sociologia e Justiça Criminal da Universidade de Delaware. Que completa: "As estatísticas de órgãos do governo também devem ser analisadas com cuidado. A maneira como são feitas as perguntas pode ajudar determinadas políticas que interessam ao governo" -- alerta o escritor.
Para Daniel Lima, não há a menor sombra de dúvida de que João Batista Pamplona está se utilizando de informações das pesquisas da Fundação Seade para vender ao mercado irrealidades sobre o Grande ABC que vão muito além da anedótica afirmação de que a região não perdeu tônus industrial. "Não acredito que ele tenha o aval de todos os integrantes da Agência, até porque se trata de organismo formado por representantes dos governos municipais, empresariais e da sociedade, cujas diferenças já se têm revelado profundas. Ele doura a pílula por orientação de um ou outro representante da Agência, mas isso precisa acabar. Precisamos de menos fantasia e mais trabalho" -- desabafa o jornalista.
O diretor de redação de LIVRE MERCADO foi convidado a participar de debate público na Câmara Municipal de Santo André juntamente com João Batista Pamplona, Wilson Ambrósio da Silva (presidente da Associação Comercial e Industrial de Santo André), Fausto Cestari Filho (dirigente do conglomerado Fiesp/Ciesp que tem atividades empresariais em Santo André), o tributarista Ary Silveira Bueno, diretor da ASPR Auditoria e Consultoria de Santo André, o empresário José Carlos Buchala, presidente do Sindicato do Comércio Varejista do ABC, e a pesquisadora Maria de Fátima Araújo, executiva da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados), organismo do governo do Estado que tem atuado em parceria com a Agência de Desenvolvimento Econômico.
O encontro foi marcado para segunda-feira última, dia 17, mas o vereador Ricardo Alvarez (PT), responsável pelo debate, afirmou na quinta-feira anterior que o economista João Batista Pamplona e a representante da Fundação Seade não atenderiam à solicitação porque já teriam compromisso agendado.
O dirigente da revista LIVRE MERCADO não tem dúvida sobre o desfecho do caso, pelo menos do ponto de vista de respeito aos consumidores de informações: "A última peripécia do Pamplona para jornalistas de periódicos diários, que compraram suas bobagens sem questioná-las minimamente, foi requentar um prato mal-cheiroso e bolorento sobre suposta negativa de desindustrialização do Grande ABC. Por incrível que pareça, ele disse com todas as letras que a região não sofreu esvaziamento industrial. É evidente que manipulou dados. E vamos provar isso no foro mais adequado. Antecipadamente, posso garantir que, comparando 1994 e 2000, as perdas industriais internas do Grande ABC, comprovadas pelos números da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo no quesito Valor Adicionado, atingiram nada menos que R$ 4,7 bilhões. Esse montante, vejam só, significa todo o Valor Adicionado produzido no ano 2000 por Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra juntas, e ainda mais um terço de todo o Valor Adicionado de São Caetano" -- explica o jornalista, exibindo comprovantes da Fazenda paulista.
Para o diretor de redação de LIVRE MERCADO, falta à mídia nacional mais cautela com as fontes de informações. "O caso Pamplona é apenas uma das muitas manobras para ludibriar o distinto público. Estamos com outras instituições em nossa alça de mira" -- garante.
Para Daniel Lima, a medida anunciada pela Editora Livre Mercado deveria ser seguida por outras publicações: "A única maneira de acabar ou minimizar as patifarias estatísticas que brotam diariamente é agir com seriedade e questionamento, mas nem toda a mídia tem interesse nesse tipo de ação. Para dizer a verdade, há mídias que adoram os Pamplonas fazedores de ilusão porque eles atendem a interesses inconfessos, ajudando na manipulação do mercado de produtos, de serviços, de idéias e de ideologias. Há questões subjetivas que infelizmente não podem ser desmascaradas, mas em outras há sustentação quantitativa, qualitativa, ética e moral" -- afirma.
Para o jornalista, responsabilidade é uma estrada de mão dupla: "Também temos de estar sintonizados com as demandas dos leitores por ética e responsabilidade. Temos um caso emblemático de que não aplicamos o conceito de casa de ferreiro, espeto de pau. Veja o Prêmio Desempenho, que realizamos há oito anos no Grande ABC. Além de contar com um Conselho Consultivo autônomo de 41 profissionais da região que decidem o ranking dos cases corporativos, a partir deste ano resolvemos dar mais transparência ainda ao processo e contratamos auditoria externa, da ASPR de Santo André, para analisar todas as planilhas de notas. Além disso, a empresa especializada está checando todas as planilhas que elegerão os vencedores individuais da temporada, através de voto popular. A isso damos o nome de compromisso com os leitores".
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