Por mais paradoxal que possa parecer, o enunciado do título que escolhi para dar suporte a este texto é verdade puríssima. Provavelmente a maioria dos leitores não tenha tido a compreensão exata do que pretendi dizer, porque da forma que está colocado, sem o acompanhamento que vem a seguir, e precisa mesmo vir a seguir, é difícil compreender o que está na raiz de meu pensamento. Pois é disso que vou tratar.
Escrevo especificamente sobre a planta Anchieta da Volkswagen do Brasil. Nas edições de hoje os jornais requentaram os investimentos da multinacional alemã nas unidades que mantém no Brasil, entre as quais a da Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, que deterá 40% dos R$ 7 bilhões que serão investidos até 2020 para modernização das fábricas mais que obsoletas.
Modernização sem o correspondente retorno do capital, em forma de maior produtividade, é tiro no pé. A companhia alemã trafegaria na contramão econômica, por mais vieses estatistas a frequentar o DNA corporativo do qual inclusive sindicato de trabalhadores tem seu pedaço de participação.
Pelos efeitos de marketing acionado pelo governo do Estado, representado no encontro de ontem na fábrica de São Bernardo pelo próprio governador Geraldo Alckmin, até parece que a notícia é uma grande novidade. O Diário do Grande ABC exagerou na manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página), o Valor Econômico desprezou, enquanto Folha e o Estadão reservaram espaços generosos nas páginas internas.
Relevante minimizado
O que está redigido e editado de forma discretíssima nos jornais é o mais relevante envolvendo a Volkswagen do Brasil: o conglomerado industrial vai de mal a pior e finalmente decidiu salvar o próprio futuro. Com participação de apenas 12,6% no mercado de vendas totais no País, a Volkswagen estava com os dias contados. Agora conta os dias para novos lançamentos, entre os quais dois modelos do Polo em São Bernardo.
O prefeito Luiz Marinho, esperto como sempre, tentou capitalizar como obra-prima de sua gestão. De fato, trata-se (conforme reparamos aqui neste espaço ante o esquecimento dos demais jornais da região) de resultado de negociações realizadas há mais de cinco anos entre sindicalistas e dirigentes da montadora.
Acertos nada amistosos. A Volkswagen botou a faca da possibilidade de fechar as portas no pescoço da teimosia sindical, até que se encontrou saída honrosa para os investimentos, congelando e em seguida demitindo cuidadosamente parte do efetivo dos trabalhadores ociosos.
É nesse ponto que passo a explicar o título deste artigo, que aborda o privilégio da Volkswagen em manter quadro de trabalhadores em situação de afastamento permanente das linhas de produção. Se com uma fábrica de multinacional a situação é dramática, imaginem os leitores o que se passa e o que se passou principalmente com os pequenos e médios negócios que giram em torno das montadoras locais?
Volta aos anos FHC
A derrocada do emprego industrial na região, que voltou ao limite vergonhoso de 2002, do oitavo ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, explicita a desgraceira geral.
Vou reproduzir um trecho da reportagem de hoje do jornal Estadão para os leitores compreenderem a dimensão do enrosco fabril na Província. Leiam:
Desde julho, quando transferiu a produção do Gol para a fabricação em Taubaté, a unidade Anchieta como é chamada pelo grupo, produz apenas a picape Saveiro. Com a produção dos dois novos modelos, o segundo turno voltará a operar no fim de setembro e o terceiro cerca de um mês depois. “Não haverá contratações, pois ainda operamos com ociosidade depois da queda de mais de 40% nas vendas no mercado brasileiro nos últimos anos”, afirma Powels (presidente da companhia). A fábrica emprega cerca de nove mil funcionários dos quais 6,5 mil estão na produção. O novo período de lay-off começou no dia 1º, em princípio por cinco meses, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Além disso, no retorno no dia 4 de setembro, dos 1,5 mil funcionários que estão em férias coletivas, outro grupo, de 800 pessoas, entrará em férias também por duas semanas, informa o sindicato. Já o Programa Seguro-Emprego (PSE), que reduz jornada e salários, foi suspenso neste mês.
Reflexão sobre quadro
Sei que a compreensão do quadro de atividades da Volkswagen em São Bernardo requer leitura cuidadosa. Sugeriria que a leitura fosse repetida quantas vezes necessárias para se entender o tamanho da encrenca que coloca em conflito o efetivo de trabalhadores e a demanda concorrencial do mercado.
Há impactante disritmia que as grandes corporações amenizam porque, sobretudo no caso das montadoras, não falta Estado a garantir recursos financeiros e fiscais para suportarem o tranco. Situação bem diversa das pequenas e médias empresas, excluídas do jogo de proteção por serem inadimplentes fiscais renitentes e, portanto, entregues à própria sorte.
A desnacionalização das autopeças familiares é prova disso, conjuntamente com falências, concordatas e evasão regional. Daí ser compulsória a conclusão de que a Volkswagen nada num mar de privilégios mesmo com os dois pés atolados num período de recessão dramático.
Na notícia publicada no Diário do Grande ABC que dá conta do (repetido) anuncio da Volkswagen do Brasil, o prefeito Orlando Morando, acompanhado do governador Geraldo Alckmin, voltou a falar sobre incentivos ao setor de produção industrial em São Bernardo. Mais uma vez martelou que está na ponta da agulha (a expressão é minha, mas poderia ser do titular do Paço, sempre em busca de inovação retórica) um plano de compensação financeira. Quer trocar redução do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) por emprego.
Vou escrever um dia desses sobre a iniciativa, mas antecipo ao tucano que, como no caso de cobrar das concessionários de rodovias que cortam São Bernardo por acidentados residentes em outros municípios pelo atendimento médico, dará com os burros nágua.
Força-tarefa especializada
Sete meses após assumir a Prefeitura, Orlando Morando aprofunda mais e mais a sensação de que não tem absolutamente nada, nadinha da Silva, a oferecer como resposta ao esvaziamento econômico da Capital Automotiva do Brasil.
Não há nada estruturado nesse sentido até agora, quando, fosse previdente, já no primeiro dia de governo convocaria a Imprensa para anunciar força-tarefa de especialistas no assunto. Tampouco há qualquer planejamento econômico destinado à Província dos Sete Anões, estando Morando como prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos.
Será imperdoável o tucano passar pela Prefeitura de São Bernardo e pelo comando político de centro-direita da região sem deixar algum legado que nos leve à comemoração mesmo que comedida. A redução de custo do IPTU é uma piada de mau gosto se o referencial é a reestruturação do tecido econômico de São Bernardo. Alguém precisa dar um beliscão no prefeito. Talvez o faça da próxima vez que encontrá-lo num restaurante de classe média. Ele é sempre atencioso e solícito nesses encontros. Como sempre o foi antes de ser eleito.
Luiz Marinho, antecessor de Orlando Morando e possível concorrente municipal (até porque o sonho do petista virar governador do Estado carece também de um belo beliscão para chamá-lo à realidade) já tem motivos sólidos para festejar fissuras na embarcação supostamente reformista do tucano.
Entretanto, a sociedade regional tanto chorará quando voltar ao passado ou quando perscrutar o presente. Luiz Marinho se esmerou em fantasiar projetos de Desenvolvimento Econômico que não saíram do papel, enquanto, por enquanto, Orlando Morando não tem mesmo nem imaginação fértil para engabelar o distinto público, já que fazer do IPTU política econômica é apenas repetir frustrações de diferentes prefeitos que se embrenharam no mesmo mato de complicações sem cachorro de soluções factíveis.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?