Economia

Afinal, quantas lojas de shopping
ainda comporta esta Província?

DANIEL LIMA - 25/11/2011

Ando me perguntando sobre os limites da Província do Grande ABC quando se referenciam o potencial de consumo e a oferta de lojas em shopping. A perspectiva é de overdose de empreendimentos ou o que se anuncia vai preencher espaços ociosos no bolso do consumidor?

Além da chegada do ParkShopping, em São Caetano, anunciam-se novos shoppings e a ampliação dos mais antigos. Há uma década um especialista no assunto, Henrique Falzoni, garantia que o tempo de jogo de consumo nos centros de compras da região já estava esgotado. Mas isso faz tempo, muito tempo, e tudo muda, não é verdade? Às vezes, muitas vezes, para pior.

Confesso que estou com pelo menos um pé atrás. Ainda estamos pagando o pato da globalização combinada com a descentralização industrial que ceifou a trajetória de centenas de empreendimentos de porte na região. Não bastasse isso, vem por aí uma segunda leva de complicações macroeconômicas. E desta vez há projeções de que será bem mais enroscada que a primeira, que negativou o PIB brasileiro em 2009.

Há uma numerologia mal analisada que refestela a fome triunfalista mas que não condiz com a realidade dos fatos. Quantidade de empresas é diferente de qualidade. A Cofap chegou a contar com 13 mil trabalhadores na região. Hoje, multinacionalizada, não comporta mais de três mil. Do contingente colocado no olho da rua, surgiram pequenas indústrias, a maioria de fundo de quintal. Bastam duas dezenas formalizadas para os afoitos propagandearem crescimento industrial. São uns bobalhões.

Ainda temos um saldo negativo de empregos industriais gigantesco, depois da hecatombe dos anos 1990, quando 120 mil carteiras assinadas no setor produtivo foram para o chapéu. A maioria de empregos de qualidade. Uma parte de empregos de prestadores de serviços industriais, que se desvincularam dos registros oficiais de produção. A terceirização pegou todo mundo de calças curtas.

Regredimos, portanto, na principal atividade econômica regional. E não há no horizonte de médio prazo qualquer possibilidade de reversão de expectativa. Exceto para aqueles que adoram enganar. Mais ainda: com o avanço de tecnologia, processos e gestão, empregos industriais mais produtivos gerarão mais Valor Adicionado, que é a medida que mais influencia os números do PIB (Produto Interno Bruto). Mais PIB com menor participação de renda do trabalhador não é exceção. É regra.

Classe média suportará?

Por essas e outras avaliações fiquei particularmente preocupado com o excesso de expectativa em relação ao ParkShopping em São Caetano. Principalmente porque todo o mix de oferta de produtos está calcado nas classes A e B. Os números socioeconômicos de São Caetano, um paraíso de qualidade de vida no inferno da Região Metropolitana de São Paulo, não resistem à imperiosidade de manutenção de um centro de compras do porte do ParkShopping. É preciso atrair a vizinhança da Província do Grande ABC e parte das franjas mais a Sudeste da Cinderela paulistana. Conseguirá?

Essa é a questão mais relevante. E preocupante, porque o sistema viário não favorece o acesso ao Parkshopping. A logística disponível para alcançar aquele endereço é pobre em alternativas e complexa em mobilidade urbana. Um ramal de comunicação direto com a Anchieta seria um golpe de mestre.

Como não se contabilizam números de sucesso apenas nas pranchetas eletrônicas de estudos muitas vezes voláteis ante contrapontos nem sempre lembrados, o melhor é esperar.

Alguns outros desafios parecem explícitos ao ParkShopping e não é justo que sejam ignorados. Até porque podem representar muito mais em termos colaborativos do que os entusiasmados — e muitas vezes interesseiros — aplausos jornalísticos.

Primeiro é preciso seduzir a população de São Caetano. O que não é difícil, nestas alturas do campeonato. A mobilização da administração José Auricchio Júnior para incorporar o empreendimento na geografia local e dotar o Município de um investimento de peso na área comercial detectou pulsação municipalista tão vigorosa ali. Tradicionalmente a gama de consumidores mais sofisticados de São Caetano desfruta da vizinhança de shopping de Santo André e, principalmente, da Capital.

Ter o potencial de consumo de São Caetano como aliado é um bom começo, mas não garante mais que 30% da viabilidade do negócio. São Caetano reúne apenas 150 mil habitantes e conta juntamente com Santos com o maior percentual de idosos do Estado. Gente aposentada bastante conservadora em gastos.

O fluxo mínimo médio de 50 mil frequentadores por dia terá de ter visitantes de outros municípios. Da Província do Grande ABC e da Capital. Será que o ParkShopping conseguirá?

O perfil de classe média tradicional exigido da clientela é um desafio e tanto. A Província do Grande ABC engana muita gente que imagina que seja aqui o paraíso desse agrupamento social.

Itaim não é aqui

Quando o então Shopping ABC Mappin abriu as portas no final dos anos 1980 em Santo André, centro geográfico da região, a expectativa com relação à clientela-base de atendimento era semelhante. Trouxeram uma réplica do Mappin Itaim. Acreditava-se que uma classe média de alto poder aquisitivo invadiria as gôndolas. Caíram do cavalo. Com 30 dias de atendimento, percebeu-se que o Itaim Bibi e a Província do Grande ABC distanciavam-se em formato de consumo tanto quanto em posição geografia e em cultura. Gata Borralheira é Gata Borralheira. Cinderela é Cinderela, como se sabe. Foi uma correria para alterar o mix das mercadorias.

Parte da classe média industrial da Província do Grande ABC antecipou a classe média emergente destes tempos no País. A outra parte é de classe média tradicional. O que as diferenciou no tempo foram os empregos em chão de fábrica e de gabinetes. Os peões e os almofadinhas, como sempre propagaram os sindicalistas.

Estruturas industriais inchadas num período de mercado fechado, durante o qual os preços eram definidos por burocratas do governo, sustentaram assalariamento e benefícios paralelos a diretores, gerentes, coordenadores e correlatos que só profissionais liberais bem sucedidos alcançavam. Os peões locais eram beneficiados pelo monopólio regional das montadoras de veículos e de autopeças e ganhavam como ainda ganham bem mais que trabalhadores industriais de outras localidades. Ditamos as regras do jogo até que, como um tsunami, chegaram a abertura econômica e a descentralização automotiva.

Se o ParkShopping de São Caetano não conseguir concentrar a maior parcela da classe média tradicional dos municípios locais, a corrida para mudança de mix de produtos e serviços será repetida.

É melhor prestar atenção

Gostaria de acreditar que temos massa econômica para atender a essa sobrecarga de ofertas. Mas como o tempo me ensinou a ser comedido e a ler com extrema desconfiança o noticiário em geral, especialmente quando interesses publicitários estão em jogo, acho melhor pedir calma e atenção.

Diferentemente de tantas praças onde estão ancorando shoppings, as quais em regra são centros geoeconômicos de territórios com características metropolitanas ou de aglomerados urbanos atingidos pela novidade, a Província do Grande ABC há muito foi descoberta na área comercial e de serviços.

A indústria de shoppings já amadureceu na região faz bom tempo. E nesse ponto cabe um raciocínio pertinente: se há tanta disponibilidade de consumo assim, a ponto de justificar tantos investimentos, o que tivemos na última década, então, foi uma constante multiplicação de lucros dos estabelecimentos já consolidados. Mas insisto em pelo menos duas perguntas:

a) Teremos de fato tanto dinheiro disponível para gastar com a carga suplementar de quase mil novas lojas que se abririam nos shoppings até o final do ano que vem?

b) Terá a classe média tradicional da Província do Grande ABC alterado tanto o perfil que decepcionou os empreendedores do Shopping Mappin naquele final de anos 1980 a ponto de acenar para o Parkshopping a bandeira de sucesso?

Para as duas questões, transparentemente, sou bastante reticente. Vão dizer que esse comportamento é típico dos pessimistas, mas estão enganados. Se há alguém que torce sempre pelo sucesso nos negócios, porque sabe o que isso significa desde os primeiros tempos neste planeta, membro de uma família cujo chefe da casa sempre inventava uma maneira de correr atrás de dinheiro para sustentar oito filhos, esse alguém sou eu. Só que não posso fazer parte de torcida organizada porque torcida organizada sempre será torcida organizada, basicamente emocional.

E a torcida organizada costuma esquecer o fundamental: com novas lojas e a chegada de novos shoppings, mas sem crescimento do PIB regional e sem avanços no potencial de consumo, quem pagará a conta de novos endereços comerciais será o pequeno negócio.

O mesmo pequeno negócio que, todos sabem, está longe da badalação dos centros de compras e há muito tempo entregue, como se sabe, à falta de segurança pública. Basta verificar como os pequenos negócios armam-se de barricadas para reduzir o risco de assaltos. São fortalezas que, para serem erguidas e mantidas, custam boa parte da rentabilidade já rebaixada. Tudo muito simples, não é verdade?

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