Economia

O que mudou 30 anos após a
chegada do primeiro shopping?

DANIEL LIMA - 23/08/2017

Mudou muito, mas muito mesmo a economia do então Grande ABC que virou Província dos Sete Anões, desde que, em dezembro de 1987, o então Mappin Shopping ABC, hoje Shopping ABC, instalou-se em Santo André. Foi uma festança e tanto. Era o primeiro empreendimento do gênero na região – isso dá o tamanho do provincianismo comercial que nos abatia. Hoje são muitos shoppings. E complicadíssimos. A aridez do passado em termos de oferta contrastava com um potencial de consumo gigantesco, em oposição ao presente de lojas demais e bolsos de menos. 

Não temos fôlego econômico para atender aos investimentos no setor. Não faltam vítimas de engodos comerciais. Gente que acreditou na fartura de dinheiro em direção aos novos shoppings que chegaram durante o período petista, sobretudo de Lula da Silva e os milagres de um consumismo com prazo de validade. 

Há excesso de lojas e escassez de demanda. Os mais novatos sofrem muito mais por causa da recessão econômica subestimada no horizonte de esgotamento do consumismo do governo Lula da Silva. Os mais antigos empreendimentos do setor também comem o pão que o diabo amassou. Basta percorrê-los. Não faltam falsas lojas que mal disfarçam ociosidade espacial. 

Tudo isso foi antecipado nestas páginas. Contra uma ofensiva triunfalista de políticos de plantão e uma mídia submissa. O senso crítico regional é tão latente quanto a eficiência do lanterninha Atlético Goianiense no Campeonato Brasileiro. A diferença é que o Atlético Goianiense sobe e desce no Campeonato Brasileiro e a região segue uma jornada de empobrecimento contínuo, com breves períodos de reversão ditada pelo setor automotivo há muito tempo sem a vitalidade regional ainda decantada pelos embromadores. 

Quem conhece minimamente a economia da região sabe que o histórico de implantação de centros comerciais planejados não corresponde à expectativa gerada. Quem chegou primeiro levou vantagem, claro, caso do então Mappin ABC em dezembro de 1990. 

Reproduzo os trechos que considero principais da matéria que assinei para o jornal Estadão, trabalhando como trabalhava na Agência Estado sediada em Santo André. São, repito, 30 anos de inauguração.  Leiam “Um Morumbi quase lotado para conhecer o primeiro shopping”: 

 Quase um Morumbi lotado marcou a inauguração do Mappin Shopping ABC e, depois disso, diariamente, mais que um Pacaembu igualmente lotado passa pelas escadas rolantes do empreendimento que está revolucionando o setor de comércio e de serviços do ABC Paulista, região de dois milhões de habitantes e renda familiar média estimada em 7,5 salários mínimos/mês. As 100 mil pessoas que literalmente invadiram o Mappin Shopping ABC e as 60 mil que diariamente percorrem os 56 mil metros quadrados construídos fazem a alegria da diretoria da empresa. Afinal, trata-se da consagração de um meticuloso plano de expansão que tem como elemento socioeconômico da região, mas o divisor de águas que certamente inserirá a área comercial e de serviços do ABC num patamar mais moderno. Se para a direção do Mappin os impactos iniciais da instalação de sua primeira loja de departamentos fora da Capital, tendo na orbita mais 44 lojas de terceiros, confirma todos os estudos de viabilidade desse projeto de US$ 50 milhões, para os centros comerciais tradicionais das sete cidades do ABC sobraram estilhaços. Fala-se em canibalismo comercial, tal a força de atração do Mappin Shopping ABC. Em Santo André, grupo de comerciantes já se movimenta para formar associação de classe para traçar estratégias de reconquista de consumidores que o glamour do Mappin levou.

Mais chegada do Mappin

 Sérgio Orciuolo, gerente de marketing do Mappin, não vê motivos para desespero da concorrência. Pelo contrário. Prevê completa reformulação nas áreas comerciais tradicionais como fórmula de aumento da demanda de consumidores. Tal qual ocorreu no Itaim que, em 1984, ganhou a então quarta loja Mappin e, a partir daí, transformou-se num disputadíssimo centro de compras, com moderno portfólio de produtos. Tão disputado que o Mappin decidiu que, já em 1988, erguerá um novo shopping na área contigua à loja de departamentos. Investidores não faltam. Antes mesmo de Santo André transformar-se no sucesso que é. O Mappin já faz as contas sobre as receitas em Santo André e os resultados são animadores. A loja já fatura perto de 80% do Mappin Itaim, a segunda do ranking, atrás da unidade da Praça Ramos. A previsão é que, passado o período de maturação, naturalmente de dois a três anos, o Mappin ABC avançará para o segundo posto, já que o estrato social dessa região de mais de cinco mil indústrias e quase 30 mil lojas comerciais é saudável mistura do público-alvo do Mappin Praça Ramos (classes C e D), com o Mappin Itaim (classes A e B).

Mais chegada do Mappin

 (...) A chegada do Mappin foi cientificamente preparada a partir de junho último com a realização de shows musicais obedecendo a figurinos sociais ou circunstanciais. Na modesta Diadema, por exemplo, promoveu-se um show na Praça Central com uma dupla sertaneja – Tonico e Tinoco – e também com Sérgio Reis, aplaudido por 20 mil pessoas. Em Santo André, um público jovem de 35 mil pessoas levou agasalhos e muita animação para ouvir Sandra de Sá e Capital Inicial, Beto Guedes e Titãs. No classe-média Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, Ney Matogrosso foi o destaque em uma noite de sábado. No mesmo Aramaçan, a fina flor da sociedade do ABC participou de um chá beneficente. O Dia das Crianças, em São Bernardo, foi barulhentamente comandado por Sérgio Malandro. “Com essa programação, criamos o clima desejado para que o interesse e a aceitação da marca Mappin se consolidassem de vez” – lembra Orciuolo. (...) Renato Ciorlia Filho, gerente de planejamento do Mappin, considera “um grande achado” o enraizamento da empresa no ABC Paulista. O Mappin ABC, percebe-se claramente, virou a menina dos olhos da diretoria executiva. Nem poderia ser diferente, porque além de ser pioneiro no setor de shopping o empreendimento materializa a experiência de 74 anos de atividades no setor varejista. 

Febre enlouquecedora

A febre de shoppings na região nos últimos anos foi abordada nesta revista digital numa linha crítica que colidiu frontalmente com os interesses em jogo. Interesses de subalternidade da mídia e de grandiloquência dos administradores públicos. 

Não pensem que sou engenheiro de obra feita. Para variar, como não tenho amarras de qualquer natureza, cantei a caçapa da enrascada em que estavam se metendo os investidores dos novos centros planejados de compras. Um exemplo? Leiam o que escrevi em novembro de 2011, entre tantas matérias que davam conta do descompasso entre oferta e demanda mesmo naqueles momentos de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). 

 Ando me perguntando sobre os limites da Província do Grande ABC quando se referenciam o potencial de consumo e a oferta de lojas em shopping. A perspectiva é de overdose de empreendimentos ou o que se anuncia vai preencher espaços ociosos no bolso do consumidor? Além da chegada do ParkShopping, em São Caetano, anunciam-se novos shoppings e a ampliação dos mais antigos. Há uma década um especialista no assunto, Henrique Falzoni, garantia que o tempo de jogo de consumo nos centros de compras da região já estava esgotado. Mas isso faz tempo, muito tempo, e tudo muda, não é verdade? Às vezes, muitas vezes, para pior.(...) Por essas e outras avaliações fiquei particularmente preocupado com o excesso de expectativa em relação ao ParkShopping em São Caetano. Principalmente porque todo o mix de oferta de produtos está calcado nas classes A e B. Os números socioeconômicos de São Caetano, um paraíso de qualidade de vida no inferno da Região Metropolitana de São Paulo, não resistem à imperiosidade de manutenção de um centro de compras do porte do ParkShopping. (...) Gostaria de acreditar que temos massa econômica para atender a essa sobrecarga de ofertas. Mas como o tempo me ensinou a ser comedido e a ler com extrema desconfiança o noticiário em geral, especialmente quando interesses publicitários estão em jogo, acho melhor pedir calma e atenção.  

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Diferentemente de tantas praças onde estão ancorando shoppings, as quais em regra são centros geoeconômicos de territórios com características metropolitanas ou de aglomerados urbanos atingidos pela novidade, a Província do Grande ABC há muito foi descoberta na área comercial e de serviços. (...) E a torcida organizada costuma esquecer o fundamental: com novas lojas e a chegada de novos shoppings, mas sem crescimento do PIB regional e sem avanços no potencial de consumo, quem pagará a conta de novos endereços comerciais será o pequeno negócio. 

Nova abordagem em 2012

Um ano depois dessa matéria, em dezembro de 2012, produzi outra análise sobre o mercado de shopping center na região. Isso não quer dizer que nesse intervalo não tenha voltado ao assunto. É que selecionei arbitrariamente o que vem a seguir quando o Brasil ainda vivia crescimento do PIB e a região nadava de braçadas no setor automotivo, carro-chefe da economia local. Leiam os principais trechos da matéria sob o título “Quantos shopping cabem na Província do Grande ABC?”:

 Shoppings de verdade, shoppings de conceitos de shoppings, shoppings compatíveis com o consumidor disponível, shoppings assim cabem menos do que os já instalados. Não pretendo desfilar um mar de números e de estatísticas para solidificar esse ponto de vista, porque seria chover no molhado. Já temos, nesta revista digital, uma imensidão de dados que, a qualquer consulta, dirimem dúvida. O que posso dizer e escrever é que não há espaço com rentabilidade sonhada para os sete shoppings em atividade e para um oitavo, em fase final de construção na Avenida Kennedy, em São Bernardo. O mais recente centro de compras da Província do Grande ABC foi inaugurado há poucas semanas e saudado como salvação da lavoura. A mídia não fez qualquer menção ao fato de o empreendimento ocupar ampla área que produzia riquezas e salários elevadíssimos, no caso a Brastemp, que se mandou para o Sul do País. Estava a empresa cansada de guerra do Custo ABC, como se consagrou a expressão que quer dizer mais ou menos o seguinte para os não iniciados em Economia: tudo o que se pode fazer na indústria de transformação fora daqui a custo bem inferior não tem razão alguma de continuar a ser feito aqui. Elementar.

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 Lembrar que o São Bernardo Plaza Shopping, na Avenida Rotary, foi instalado em parte do terreno da Brastemp (a outra parte é ocupada pelo Wal-Mart, um hipermercado que favorece o consumo, não a produção) é crime de lesa-região. Há um tratado não escrito que determina a omissão sobre tudo que supostamente torne negativo qualquer noticiário econômico. (...) No caso específico do São Bernardo Plaza Shopping, a imprensa deixou escapar uma grande oportunidade de comparar períodos econômicos a distinguir a ocupação daquele espaço. A Brastemp substituída por Wal-Mart e agora por um centro de compras foi o desenlace nefasto de extravagâncias sindicais que colocavam no mesmo balaio de gatos de reivindicações de empresas de tamanhos diferentes como também de atividades sem parentesco como as montadoras de veículos, núcleo de reivindicações dos metalúrgicos. A Brastemp foi embora de São Bernardo porque não suportou os custos sindicais, as ofensivas sindicais e os destemperos sindicais dos metalúrgicos com os olhos e os bolsos postos nas multinacionais automotivas.

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 Se não mudarem o mix de produtos, tanto o ParkShopping quanto o São Bernardo Plaza vão acumular complicações. Algo pelo qual passou o antigo Shopping Mappin, rebatizado Shopping ABC, em Santo André, que, ao aportar no final dos anos 1980, imaginava encontrar público consumidor semelhante ao da elite do bairro paulistano do Itaim. Tanto o Shopping Metrópole, em São Bernardo, quanto o Shopping Grand Plaza, em Santo André, assim como o Shopping Mauá Plaza, converteram-se de imediato ao espectro de clientela massificada. No primeiro e no terceiro casos contando com a logística de beira de estação ferroviária e de terminais de ônibus. Já o Shopping Praça da Moça, em Diadema, também aportou com desenho físico e de investimentos adequado à realidade do Município, até então órfã desse tipo de estabelecimento.

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 Se fosse realizado um campeonato regional de shopping centers, que definisse os endereços menos rentáveis na região, apostaria as fichas no São Bernardo Plaza e no ParkShopping São Caetano. Colocaria alguma força no Metrópole, em parte canibalizado pelo São Bernardo Plaza que, por sua vez, não terá futuro se não mexer no mix de produtos. Pensando bem, estou restringindo minhas fichas ao Shopping ABC, ao Grand Plaza Shopping de Santo André, ao Mauá Plaza Shopping e ao mais modesto empreendimento localizado em Mauá. Acho que, portanto, ainda não perdi o juízo. Já o shopping que chegará à Avenida Kenedy, em São Bernardo, tudo indica que repetirá o fracasso do antecessor, o Golden Shopping, no mesmo endereço, embora com outro tipo de configuração societária e gerencial.



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