Economia

Bagunça, e não guerra fiscal,
é o que prevalece na Província

DANIEL LIMA - 12/09/2017

O prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos está anunciando no Diário do Grande ABC de hoje que finalmente teremos o fim da guerra fiscal na Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC. Entro em campo com um bloco de sete alertas ligados simultaneamente para dizer aos leitores que é melhor ficarem atentos. Diria que são os sete pecados capitais da proposta do Clube dos Prefeitos. Há um cheiro de precipitação no ar. A simplificação resolutiva de um tema tão grave pode nos custar caro. 

Por conta disso, suspendi outros assuntos sobre os quais me debruçaria nesta terça-feira ao ler a manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) do Diário do Grande ABC de hoje. Enquanto fazia terapia mental e emocional ao passear com minhas cachorras, montei uma lista de observações pertinentes à notícia. Vou apresentá-la em seguida.  

 Bagunça fiscal, não guerra fiscal

Caí na real de que a expressão “guerra fiscal” no setor de ISS (Imposto Sobre Serviços) na região é balela. No passado, nos anos 1990, principalmente, não o era. Naquele período em que o prefeito Luiz Tortorello de São Caetano e Clovis Volpi de Ribeirão Pires deram um nó em Celso Daniel e saíram na dianteira ao reduzir alíquotas para atrair empreendimentos do setor, até se aceitava a expressão guerra fiscal. 

Sobretudo porque do outro lado da Grande São Paulo, Barueri, Santana do Parnaíba e entornos, deflagraram mesmo a metodologia para ganhar tônus arrecadatório. Saíram tão à frente que jamais foram alcançadas. Apontamos alguns espasmos na Província, sobretudo em São Caetano, os quais se mantêm até hoje, com participação relativa fortíssima no próprio Município, mas menos impactante em termos regionais. 

O que vivemos neste século na região não passa de bagunça fiscal com tudo que é de pernicioso que isso pode significar. Alíquotas de quase uma centena de atividades não têm referenciais sistêmicos. São espécies de disputa tenística individual, quando se recomenda o coletivismo do futebol. Chamar isso de guerra fiscal é exagero, do qual me dei conta e espero que outros assim o faça. 

 Centralismo decisório

O que o prefeito dos prefeitos Orlando Morando está anunciando é um ato unilateral no sentido institucional, cuja centralidade se dá no âmbito de secretários municipais escalados para supostamente harmonizar numericamente as alíquotas. A diferença entre “numericamente” e “economicamente” é enorme. 

O noticiário que vazou e as decisões preliminarmente tomadas não dão bola aos agentes econômicos. Nada que reunisse representantes de associações comerciais e de unidades do Ciesp (Centro das Indústrias) se apresenta. A burocracia do Estado (no caso em formato de Município) tomou conta da cena que, espera-se, não seja de crime contra os contribuintes. 

 Transparência ignorada

Não há nada que indique a possibilidade de discutir com embasamento técnico o projeto que ganha forma de decisão. Prevalece opacidade total dos estudos que supostamente estão em fase de final de avaliações. 

O Clube dos Prefeitos comandado por Orlando Morando age com o autoritarismo fiscal de quem acredita que a sociedade tem que se lascar no sentido de pretender-se informada, ou então se preferiu abertamente relegar os agentes econômicos em nome de agilidade decisória. 

Não bastasse a unilateralidade de excluir agentes econômicos dos debates, a falta de transparência empacota a proposta em espécie de presente-surpresa, que tem tudo para ser de grego. 

 Dissonância temporal

A ideia de que existe guerra fiscal na região está superada, como alinhavei rapidamente no início deste artigo. Há evidente dissonância temporal entre a implantação do regime de atração de empreendimentos e a proposta em fase final de conclusão do Clube dos Prefeitos. 

Perdemos o bonde da história entre outras razões porque os prefeitos locais jamais se entenderam no passado e, por conta disso, decidiram agir isoladamente. E agora, que se vende a ideia de uniformidade de pretensões e objetivos, tudo está mais que consolidado. 

A guerra fiscal deu lugar a guerrilhas localizadas em determinadas atividades, mas mesmo assim sem peso preponderante na balança de sensibilização dos investidores. Até porque já não é uma Brastemp em termos de vantagem comparativa. 

 Armadilha arrecadatória

Até prova em contrário, desconfia-se que a readequação da planta de valores do Imposto Sobre Serviços não passaria de um golpe contra os contribuintes, com aumento da base geral de arrecadação. Algumas ondulações seriam anunciadas como atendimento à demanda por menos impostos, mas, no conjunto da obra, não haveria como escapar a novo impulso fiscal. 

Essa premissa se dá principalmente por duas razões entrelaçadas: os cofres públicos estão abarrotados de teias de aranha e a Lei de Responsabilidade Fiscal impede que executivos públicos patrocinem iniciativas que resultem em quebra de receitas tributárias. 

Como desconheço agente público que se tenha dado ao desfrute de rebaixar tributos a ponto de comprometer valores monetários já registrados, convém ficar de olho vivo nessa iniciativa. Quem parte e reparte e não fica com a maior parte, é bobo ou não entende da arte. 

Não parece que Orlando Morando seja um bom-samaritano, tendo em vista que os cofres de São Bernardo sofrem de enfermidade contaminadora: não escapam à anemia de receitas financeiras provenientes do Valor Adicionado abalado pela desindustrialização. 

 Participação relativa crescente

Já produzi artigos e estudos que provam que a participação relativa do ISS no conjunto orçamentário das prefeituras da região elevou-se continuamente desde os anos 1990. Tudo porque o refluxo industrial se associou à necessidade de reposição parcial de perdas tributárias. 

Lançaram-se mãos de vários expedientes para elevar a arrecadação própria dos municípios. Houve um aperto geral que colheu frontalmente os contribuintes tanto no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) quanto no ISS, além de outros tributos. Na contramão dessas medidas, o custo com pessoal eleva-se seguidamente, tanto de forma vegetativa, por força da legislação, como por fruto de benevolências de prefeitos pouco atentos às ondas do mar macroeconômico. 

 Enquadramento sistêmico

Talvez o ponto mais desmesuradamente improvisado do que se pretende lançar como novidade do Clube dos Prefeitos seja o descolamento de uma reforma profunda do sistema de arrecadação de impostos municipais na Província em relação a planejamento estratégico que abranja gama extensa de atividades produtivas e de suporte à produção.

O que salta à falta de transparência da iniciativa de Orlando Morando é que prevalece o improviso de uma ação direcionada a garantir arrecadação municipal mais ampla, a pretexto de equacionar a mal nominada guerra fiscal, e se subestimam medidas transversais no campo econômico, com ampla possibilidade de oferecer respaldo à melhoria social num prazo mais adiante. 



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