Economia

Balanço imobiliário inquietante
finalmente elimina DataBigucci

DANIEL LIMA - 28/09/2017

Os números de vendas e lançamentos do mercado imobiliário da região são tenebrosos. Tudo está no balanço do primeiro semestre do ano, mas para quem aprecia um mundo institucional mais ético e responsável o anúncio do presidente do Clube dos Construtores, engenheiro Marcus Santaguita, o encontro com a imprensa para a revelação dos dados não poderia ter sido melhor. 

Afinal, acabou a longa e tenebrosa jornada de manipulações em forma de marketing positivista do então presidente Milton Bigucci. Durante mais de duas décadas, Bigucci comandou a entidade. Desfilou trimestre sim, trimestre também, fornadas de estatísticas viciadas que a Imprensa aceitou passivamente. Menos este jornalista. 

Não é por outra razão, além da constatação de que a entidade não passava de inutilidade social, quando não um risco aos consumidores de informação, que este jornalista é perseguido pelo empresário no campo judicial. Como se o fato de alguns magistrados não entenderem bem o papel da imprensa independente fosse suficiente para acovardamento. A derrubada branca de Milton Bigucci da presidência da entidade em dezembro de 2015 iniciou processo de oxigenação diretiva do setor na região. 

Mudança anunciada em maio 

Como antecipamos na edição de 30 de maio, o Clube dos Construtores sob o controle de Marcus Santaguita acabou com o improvisado departamento fazedor de mentiras montado por Milton Bigucci. Foram demitidos funcionários que, entre muitas tarefas, se dedicavam a inventar números retirados de pesquisas inconsistentes. Quem conhecia os mandraquismos do então presidente ironizavam as estatísticas do DataBigucci.  Agora com a assessoria de empresa especializada contratada pelo Secovi (Sindicato da Habitação), ao qual o Clube dos Construtores está filiado, a situação tornou-se mais clara e confiável. 

O estrondoso buraco de vendas e lançamentos seria provavelmente muito menos profundo e completamente fora da realidade se Milton Bigucci ainda estivesse à frente da entidade. O passado é o melhor indicador do quanto se faria para minimizar os estragos e, com isso, repassar um ambiente de negócios com mascaramentos deletérios. 

Quantas famílias e investidores em imóveis residenciais e salas comerciais não foram levados a acreditar em estatísticas que esquentavam além da conta o movimento do setor na região? Os estragos proporcionalmente maiores agora do que na Capital, por exemplo, não se explicam apenas porque a crise econômica é maior numa região por conta da dependência do setor automotivo. 

Exceção à regra do Secovi 

Chama-se Embraesp a empresa privada contratada pelo Secovi para colocar ordem na bagunça numérica de Milton Bigucci. Há muitos anos a Embraesp, dirigida por especialistas no mercado imobiliário, mantem contrato com o Secovi. Todas as unidades regionais do Sindicato da Habitação no Estado de São Paulo estão cobertas pelas ações da empresa. O Clube dos Construtores do Grande ABC (oficialmente Acigabc) era exceção à regra.  Os pendores absolutistas de Milton Bigucci não tinham fronteiras à manifestação.

Se existe alguma coisa que possa ser chamada de troféu, mesmo que metaforicamente, para um jornalista, é a convicção de que guerras e guerrilhas em nome da transparência da informação não podem ceder espaço à unanimidade ou quase unanimidade dos comodistas.

A situação do mercado imobiliário da região é estonteantemente desanimadora. Dados divulgados pelo Clube dos Construtores e publicados ontem pelos jornais da região apontam que foram vendidas apenas 870 unidades de imóveis novos no primeiro semestre deste ano, contra 1.440 do mesmo período do ano passado. Uma queda relativa de 39,6%. Na Capital, o balanço divulgado pelo Secovi apontou vendas de 7.888 unidades no primeiro semestre deste ano, com aumento de 9,6% em relação ao mesmo período do ano passado. 

É importantíssimo ressaltar a diferença entre a região e a Capital. A região apresentou queda de 39,6% em vendas de imóveis novos neste primeiro semestre em relação ao primeiro semestre do ano passado. Já na Capital houve crescimento de 9,6%. Nos tempos de Milton Bigucci e seus números mágicos, não faltaram temporadas em que as vendas na região eram relativamente superiores às da Capital.  Uma barbaridade de abuso que não encontra justificativa econômica sob qualquer aspecto. Exceto se a Capital tivesse passado por catástrofe natural. Os Estados Unidos não são aqui.  

Comparação mais danosa 

Se no intervalo de 12 meses os números de vendas na região já assustam, tudo fica mais inquietante quando se comparam com o primeiro semestre de 2013, a melhor temporada do mercado imobiliário regional. Por mais que os números contaminados do passado devam ser observados com muito cuidado, são os referenciais disponíveis. Em 2013 a região comprou 3.957 imóveis novos no primeiro semestre. A queda, portanto, em quatro anos, é de 78%. 

Se no quesito de vendas a Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, oferece esqualidez, em lançamentos, outro termômetro importante para medir a temperatura da economia da região, o desastre foi semelhante: neste primeiro semestre foram colocadas nas praças da região apenas 342 unidades, contra 2.094 de 2013, o ano de ouro segundo consta das estatísticas. Uma queda, portanto, de 83,7%. Se a comparação for com as 1.161 unidades do primeiro semestre do ano passado, a diferença relativa é de 71%. Na Capital, no mesmo período, foram lançadas 6.500 unidades no primeiro semestre deste ano. 

Quem resolver criar alguma marca que sinalize tamanho mergulho precisa pensar muito para não errar na calibragem. Quanto mais contundente for a expressão ou verbete, mas se estará próximo do acerto. Suavizar seria uma maneira diplomática de passar mensagem menos apropriada aos consumidores de informação.

Realidade sem sofismas 

Não se podem desconsiderar as declarações do presidente Marcus Santaguita durante a entrevista coletiva. Sobre as vendas ele disse exatamente o seguinte, retratado pelo Diário Regional: “A queda nas vendas reflete a atividade econômica fraca e a insegurança do consumidor, que teme ser demitido e, por isso, não se sente confortável para contrair financiamento”. 

Marcus Santaguita foi adiante ao afirmar que o medo de encalhe é maior no segmento de 130 metros quadrados, nicho fora de produção e sem unidades no estoque. “Houve excesso de ofertas, principalmente em 2012 e 2013. Pode ser um nicho de mercado a ser explorado quando a economia da região reagir”. Traduzindo a declaração do presidente do Clube dos Construtores: há desconfiança generalizada dos empresários imobiliários em lançar um produto para a classe média alta de uma região que sofre há muito tempo os efeitos da desindustrialização e do rebaixamento da renda familiar. 

Velocidade de vendas reage 

Ainda sobre as declarações de Marcus Santaguita, é impossível ter algum tipo de saudade do antecessor, especialista em dourar a pílula. Segundo o Diário Regional, Marcus Santaguita aposta em gradual melhora do setor no segundo semestre, mas adverte que a recuperação não será suficiente para devolver o mercado ao azul e impedir que a região registre nesta temporada o quarto ano consecutivo de queda nas vendas e nos lançamentos. A sequência de queda de vendas: 33,6% em 2014, 26% em 2015 e 40% no ano passado. Mas é sempre bom lembrar que os números divulgados até o ano passado não significam segurança de veracidade. As pesquisas do Clube dos Construtores não correspondiam à metodologia padrão do Secovi. Era o DataBigucci em ação. 

Um medidor importante do mercado imobiliário, nem sempre destacado pela mídia, mas ressaltado pelo Diário Regional, diz respeito ao chamado VSO – Velocidade de Vendas sobre Oferta. Marcus Santaguita explica que o indicador apura o percentual de vendas em relação à quantidade de imóveis disponíveis no mercado. Em janeiro deste ano a região marchava em ritmo de tartaruga, com 3,4% de VSO. Já em junho deu uma melhorada e chegou a 6,2%. A média histórica da região, segundo o dirigente, é de 15%. Ainda há muita lenha a queimar para chegar ao ponto desejado. Quem sabe quando Mauá, Diadema e São Caetano (que juntamente com Santo André e São Bernardo integram a pesquisa da Embraesp) tirarem o zero de lançamentos do placar, a melhora será mais consistente.  



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