Economia

Continuamos a
perder consumo

DANIEL LIMA - 05/05/2001

O Grande ABC registrou nova queda no IPC (Índice de Potencial de Consumo) da Target Marketing. Desde que o primeiro estudo da década de 1990 foi lançado, em 1995, com base em dados de 1991, a região só acumula perdas, num ritmo sincronizado com outros indicadores econômicos, como o PIB (Produto Interno Bruto) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), conforme LivreMercado tem analisado minuciosamente há anos. Os dados confirmam as agruras socioeconômicas do Grande ABC. Nos últimos 11 anos os sete municípios da região perderam potencial de consumo equivalente a tudo que Santo André consumirá em 2001, ou seja, por volta de US$ 2,5 bilhões. Uma dinheirama que, traduzida em reais, significaria mais que quatro vezes o total dos orçamentos dos sete municípios locais. O próprio ranking da Target fornece outros tipos de comparação. A perda do Grande ABC nesse período (0,684 pontos percentuais) assemelha-se ao potencial de consumo atual da mineira Juiz de Fora e da piauiense Teresina. Mais? Piracicaba acrescida de Bauru e de Itapecerica da Serra. 

Até mesmo o título de terceiro mercado potencial de consumo no País atribuído ao Grande ABC não deve necessariamente ser festejado se o princípio de regionalidade que o caracteriza for estendido. A Grande Belo Horizonte, a Grande Curitiba, a Grande Porto Alegre e a Grande Salvador, que, como o Grande ABC, só existem como simbologia de regiões formadas por vários municípios geograficamente próximos, ultrapassariam individualmente como hipotética região o conjunto formado por Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Enfim, a região estaria ocupando o sexto lugar na classificação de potencial de consumo nacional. 

Poderio resistente 

O fato é que o Grande ABC continua poderoso, mesmo depois de anos seguidos de perdas econômicas ditadas pela descentralização industrial combinada com redução de emprego nas empresas que se mantiveram em território regional. Entretanto, como LivreMercado mostrou na edição de março ao analisar os números do PIB construídos pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), o fôlego do Grande ABC comparativamente a outros municípios e regiões brasileiras já não é o mesmo. Sexto colocado no índice de PIB brasileiro em 1970, quando sua força industrial parecia indestrutível, o Grande ABC caiu para o oitavo posto 26 anos depois, segundo dados do Ipea. Embora continue a apresentar riqueza superior a 19 Estados da Federação, a diferença entre o PIB do Grande ABC e o do total dos Estados que estão em posições inferiores reduziu-se à metade exatamente porque os adversários avançaram em velocidade muito superior.

Anteriormente, e também em séries históricas, LivreMercado apresentou inúmeros estudos sobre o desempenho do Grande ABC no ranking do ICMS, o imposto mais importante para os cofres estaduais e municipais porque se aproxima dos conceitos mais amplos utilizados tanto para a constituição do Produto Interno Bruto quanto para o Índice de Potencial de Consumo. Enfim, as vísceras de uma  realidade exaustivamente investigada por LivreMercado e que ainda contraria grupo cada vez menos numeroso de triunfalistas regionais estão indefensavelmente expostas. 

Mais de US$ 10 bilhões 

Tivesse mantido o mesmo Índice de Potencial de Consumo da Target registrado em 1991, o bolo de consumo do Grande ABC atingiria este ano US$ 10,904 bilhões, e não US$ 8,3 bilhões. Em 1991 o IPC da região representava 2,904% do IPC nacional, contra 2,220% deste 2001. Marcos Pazzini, executivo da Target,  projeta o IPC brasileiro para este ano em US$ 375,5 bilhões. Comparativamente à participação no IPC nacional do ano passado, o Grande ABC também acusa perda, já que registrou 2,280%. O Grande ABC perde individualmente em todos os municípios numa comparação de dados de participação de potencial de consumo entre o primeiro ano da década passada e o primeiro ano do novo milênio. A maioria dos municípios leva surra do tempo. Principalmente São Bernardo (de 1,004% para 0,784%) e Santo André (de 0,875% para 0,650%). São Caetano, que está comemorando melhoria no IPC de 2001 em relação ao IPC de 2000 (0,175% contra 0,164%), também desabou ao longo de 11 anos, pois obteve a marca de 0,251% em 1991. Diadema caiu de 0,323% verificado em 1991 para 0,253% este ano e Ribeirão Pires desceu de 0,108% para 0,082%. 

A situação do Grande ABC em termos de potencial de consumo é algo parecido com o desespero de um investidor em bolsa de valores que em 1991 resolveu aplicar US$ 100 milhões e, 11 anos depois, ao conferir a atualização dos valores, teve a desagradável surpresa de que só estavam disponíveis US$ 76,5 milhões, uma redução de 23,5%. 

Interiorização econômica

Os  20 primeiros colocados do ranking do IPC da Target demonstram uma linha praticamente uniforme de perdas dos  municípios que o compõem. O resultado decorre da interiorização da economia brasileira, sobretudo do setor industrial. Integrado em larga escala por municípios sedes de regiões com características metropolitanas, os 20 maiores IPCs do Brasil não poderiam mesmo ficar imunes à descentralização. 

Mas nem tudo é semelhança entre esses locais. O grau de perdas é variado. Conjuntamente, São Paulo, Osasco, Guarulhos e os municípios que formam o Grande ABC perderam mais em potencial de consumo do que Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Recife, por exemplo. Em vários casos a comparação entre 1991 e 2001 é decidida em míseros pontos depois da vírgula, mas que representam uma soma considerável porque para cada ponto percentual estão envolvidos US$ 3,75 bilhões. O caso da cidade de São Paulo é outro: caiu de 16,12% para 11,28%, o que significa baixa de 30%. O Grande ABC perdeu 23,3%. Mais que o Rio de Janeiro (18,3%), Belo Horizonte (19%), Brasília (0,9%), Curitiba (4,7%) e Porto Alegre (8,6%). 

A soma dos IPCs dos principais municípios da Grande São Paulo dá bem idéia do quanto a principal região metropolitana do País perdeu economicamente com a descentralização da produção. Em 1991, segundo a Target, São Paulo, Grande ABC, Guarulhos e Osasco, juntos, atingiam IPC de 20,7%. Em 2001 alcançam apenas 14,88%, ou seja, 29% menos. Traduzindo em dinheiro: de cada US$ 100 que esse conjunto de grandes municípios consumiam em 1991, restaram apenas US$ 71 para ser consumido agora. 

Cotação flutuante

O Índice de Potencial de Consumo de US$ 375,5 bilhões  previsto para este ano no Brasil está ancorado na cotação de R$ 1,985 para cada dólar, explica Marcos Pazzini. Isso significa que, na medida em que o dólar subir ou descer em relação ao real, as contas precisariam ser refeitas. Pelo menos três situações isoladas mas influentes entre si elevaram internamente a cotação da moeda norte-americana no mês passado, arremessando-a para muito além da cotação da Target: a Argentina vivia o que parecia ser o ápice de uma crise econômica que encontra na paridade do peso-dólar séria ameaça de desestabilidade; o Senado brasileiro agitava-se com a violação do painel eletrônico de votação; e o refluxo da economia dos Estados Unidos depois de uma rotina de crescente avanço. Em outros tempos, quando a globalização dos negócios não alcançava o mesmo grau de agilidade e interatividade propiciada pela combinação de informática e telecomunicações, o efeito de situações isoladas, embora potencialmente conectivas, não seria tão contaminador. 

De qualquer forma, seja qual for o valor do dólar em relação ao real, a essência do estudo da Target Pesquisas e Serviços de Marketing não sofre desvio de interpretação. A empresa organiza os dados com base no suporte de instituições oficiais de informação (IBGE, Fundação Seade e Fundação Getúlio Vargas, entre outras) e as análises ainda contam com reforço do banco de dados de LivreMercado. 

Ritmo parecido

O Índice de Potencial de Consumo da Target diferencia-se no período analisado e também na metodologia das informações que geraram o comportamento do PIB (Produto Interno Bruto) produzido pelo Ipea, órgão do Ministério do Planejamento, conforme análise divulgada nas edições regional e estadual de LivreMercado de abril. Mesmo assim, o estudo de Marcos Pazzini, que abrange os últimos 11 anos de potencial de consumo, e as avaliações do Ipea no período de 1970-1996 revelam desenlace nitidamente convergente. Apesar de o impacto de perdas da Grande São Paulo ser menos pronunciado no ranking de consumo quando comparado com a produção de riquezas, que é o conceito do PIB, registra-se o deslocamento do dinheiro para novas áreas paulistas. Ganharam especialmente as regiões administrativas de Ribeirão Preto, Sorocaba e São José dos Campos e também a Região Metropolitana de Campinas. 

Nas edições regional e estadual de abril, LivreMercado mostrou a evolução do PIB do Grande ABC em relação ao Estado de São Paulo e ao Brasil, além de internamente, no período da pesquisa do Ipea. Constatou-se que entre 1970 e 1996 o Grande ABC caiu de 4,57% para 2,85% na participação nacional (diferença de 37,6%) e de 11,46% para 7,20% na participação estadual (menos 37,1%). Já o Estado de São Paulo se manteve praticamente invulnerável no mesmo período, pois em 1970 representava 39,88% do PIB nacional e registrou 39,56% em 1996. Esse resultado se deve ao crescimento da participação do Interior (todos os municípios menos a Grande São Paulo e a Baixada Santista). O interior teve participação relativa de 34% no PIB paulista, em 1970, aumentada para 45,8% em 1996, contra refluxo de 66% para 54,2% da Grande São Paulo de 39 municípios e da Baixada Santista. 

A cidade de São Paulo, que caiu fortemente no IPC da Target entre 1991 e 2001, também desabou no PIB do Ipea. Em 1970 o centro de uma metrópole de quase 18 milhões de habitantes gerava riquezas equivalentes a 18,6% do PIB brasileiro, contra 14,36% de 26 anos depois -- uma baixa de 22,8%. A queda foi menor que a do Grande ABC, entre outros motivos, porque São Paulo conseguiu amortecer parte do tranco da perda industrial com o desenvolvimento de setor terciário voltado também para o turismo de negócios, consultorias especializadas, mercado financeiro e diversidade de áreas de entretenimento que são apenas expectativa ou investimentos ainda pouco representativos na região. 

Liderança da Grande Campinas

Uma nova comparação sobre o comportamento do PIB entre regiões paulistas tomando como base período mais restrito e recente dos números do Ipea  -- os últimos 11 anos da pesquisa, em vez de todo o período de 26 anos --  mostra que a tendência de interiorização está ainda mais forte. Enquanto a Região de Campinas cresceu 33% durante os 11 anos finais da pesquisa do Ipea, a Região Metropolitana de São Paulo e a Região Metropolitana da Baixada Santista apresentaram evolução de 19,5% -- de US$ 129 bilhões para US$ 160 bilhões. No período, a RM de Campinas foi a área que menos cresceu entre as regiões mais importantes do Estado de São Paulo. A Região Administrativa de São José dos Campos avançou 51%, a RA de Sorocaba evoluiu 77% e a RA de Ribeirão Preto saltou 78% de 1985 a 1996. 

Isoladamente da Grande São Paulo, o conjunto de sete municípios do Grande ABC mantém praticamente inalterada a riqueza dos últimos 11 anos dos estudos do Ipea. Em 1985 a região somava US$ 21,198 bilhões de PIB (cotação paritária com o real) e em 1996 caiu para US$ 21,360 bilhões. Um quadro de deterioração da qualidade de vida se for considerado o crescimento demográfico no período. Já a cidade de São Paulo conseguiu elevar em 26% o PIB nesse mesmo período, saindo de US$ 85,3 bilhões para US$ 107,6 bilhões. O resultado é modesto perto de outros municípios paulistas. Ribeirão Preto cresceu 82,5%, Jundiaí 51,7%, Jacareí 57,4%, Suzano 48,7% e Taubaté 68,8%, entre os vários exemplos de localidades próximas da Capital que receberam investimentos industriais que deserdaram da Capital e do Grande ABC, principalmente. 



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