A cobrança de pedágio nos trechos oeste (já concluído) e sul (em fase de pós-embromação de obras para o deleite eleitoral) é uma crônica de pragmatismo anunciada que surpreende apenas quem é ruim da cabeça ao acreditar que o Estado em qualquer esfera ainda é capaz de grandes obras ou doente do pé de manter um romantismo ideológico e enviesado de que infra-estrutura de transporte não é seara para a iniciativa privada. Esquecem-se os puristas que até na pátria do capital, os Estados Unidos, as estradas estão sendo gradualmente levadas a regime de concessões, seguindo, aliás, tradicional modelo de sucesso na social-democrática Europa.
Não há mal algum em adotar qualquer modelo de privatização, se escancaradamente vinculado à livre-iniciativa, como o termo sugere, ou em forma de PPP (Parceria Público-Privada), que é privatização com prazo supostamente de validade.
O que precisa tanto o Rodoanel em seus vários trechos programados quanto qualquer outra obra que envolva o Estado é de participação de representações sociais no planejamento, na execução e na manutenção de critérios técnicos e financeiros que não sobrecarreguem os contribuintes além dos limites de ganhos obtidos com a obra. Traduzindo: o capitalismo que envereda por searas supostamente estatais não pode ser uma fera solta e predatória como tem sido tradição nestes trópicos.
Infelizmente, como esse pressuposto tem sido sistematicamente subvertido no País, haja vista o processo de privatização nos anos 1990, os resultados são sempre complicados em detrimento da sociedade.
Melhor alternativa
Para o Grande ABC tão afetado nos últimos 10 anos pela prioridade que se deu ao trecho oeste, a construção do trecho sul pela iniciativa privada é a melhor notícia possível.
Não que esse cinturão de logística que vai emoldurar a geoeconomia regional resolverá automaticamente todos os nossos problemas de competitividade. Nada disso. Pode, em determinadas situações geográficas, complicar ainda mais, porque facilitará para estranhos ao ninho regional o acesso ao segundo maior mercado potencial do País, o Interior paulista, e também ao Porto de Santos. Não há ganhos imensuráveis do trecho sul do Rodoanel para o Grande ABC sem que se ajustem os gargalos internos que desencadeiam no acesso ágil e rápido aos três pontos que serão reservados à intersecção da obra em Mauá e São Bernardo.
Entretanto, seguir indefinidamente com o marasmo de postergação seguida de postergação numa irritante sem-cerimônia de masturbação política seria o pior dos mundos.
Chega de esperar
Já escrevi tanto, mas tanto sobre o potencial de influência do trecho sul do Rodoanel na economia do Grande ABC que não vale a pena repetir alguns pontos. Resumidamente, reafirmo que não é possível mais esperar que algo de novidade haveria de ocorrer e, como cantamos a caçapa na Reportagem de Capa de outubro da revista LivreMercado, a privatização em forma de concessão está consumada no discurso do governador Cláudio Lembo que, de fato, se antecipou a uma determinação que o governador eleito José Serra anunciaria oficialmente em janeiro.
Aliás, sobre aquela Reportagem de Capa de LivreMercado, convido os leitores desta newsletter à releitura porque foi o trabalho mais completo que a mídia impressa já preparou sobre o assunto. Buscamos exemplos nacionais e internacionais de privatização e PPPs para provar que a retirada do Estado pesado e gastador das entranhas da obra não é um bicho-de-sete-cabeças que sirva de argumento de desfaçatez administrativa nem tampouco fere mesmo que levemente os interesses dos usuários do sistema viário das metrópoles.
A Linha Amarela do Rio de Janeiro, pedagiada, é exemplo metropolitano doméstico de que o que parece ofensivo à inteligência e ao bolso de fato se tornou resposta prática e econômica para o tráfego da antiga capital federal.
O ovo da serpente do sistema viário que envolve a Região Metropolitana de São Paulo não deve e não pode ser identificado e demonizado na adoção do modelo de privatização anunciado pelo governador do Estado.
Seria ingenuidade manter a ilusão de que o governo paulista em parceria com o governo federal comprometeria recursos orçamentários que ultrapassam R$ 3,5 bilhões. Esse é um conto do vigário manipulado à exaustão até que as eleições presidenciais esgotassem todas as forças.
Agora é hora de racionalidade. Nem Estado nem União contam com disponibilidade de caixa para fazer o que a livre-iniciativa é muito mais bem preparada e tem disposição para realizar. Cabe à sociedade evitar que o negócio não ultrapasse os limites de custo financeiro e benefício socioeconômico.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?