São Bernardo nunca foi tão agressiva na oferta de vantagens fiscais, motivada pela necessidade de inverter a mão das deserções que atingiram o parque automotivo e inspirada pela perspectiva dos benefícios do Rodoanel. Tanto que a Administração formatou sistema de benefícios tributários de causar inveja aos municípios mais audaciosos do Interior. A chamada Lei de Incentivos Seletivos foi aprovada pela Câmara Municipal em agosto do ano passado e está pronta para instalar a cidade em novo patamar de atratividade e competitividade, nas palavras do prefeito William Dib. E, o que é mais importante: sem risco de redução da arrecadação, conforme reza a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A constatação de que a Lei de Incentivos agrega potencial para turbinar o desenvolvimento da capital econômica do Grande ABC ficou clara para os participantes do seminário Caminhos do Desenvolvimento, realizado em novembro no Hotel Pampas Palace. William Dib e a secretária Maria Alice Bergamo destrincharam a novidade para os cerca de 100 empreendedores que lotaram o auditório e também para os demais componentes da mesa de apresentação: Rogelio Golfarb, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Milton de Castro, diretor do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), Adalberto Nadur, diretor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Fernando Longo, então titular da Secretaria Estadual de Turismo, além de Ermírio Yamada, executivo da Siscon, empresa que se instalou graças aos benefícios.
A Lei de Incentivos é abrangente. Contempla indústrias, estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. Nos três casos, são beneficiados tanto empreendimentos novos quanto em expansão. A redução de impostos para indústria e comércio está subordinada ao incremento do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Já prestadoras de serviços usufruem de abatimento no ISS (Imposto Sobre Serviços) em troca de investimentos em terreno, equipamentos, execução de obras, elaboração de projetos, modernização tecnológica, entre outros.
Como vai funcionar
A secretária Maria Alice Bergamo exemplifica. Se uma nova indústria gera R$ 300 mil de ICMS, 80%, ou R$ 240 mil, são traduzidos em benefícios tributários na esfera municipal. Isto é: se o valor do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) for R$ 350 mil, a empresa paga R$ 110 mil. O índice de 80% vale para os cinco primeiros anos de atividade. Entre o sexto e o 10º ano a base de cálculo cai para 40%; ou seja, a empresa abate R$ 120 mil em impostos municipais com base na continuidade da geração de R$ 300 mil de ICMS. O exemplo deixou alguns integrantes da platéia estupefata. “Assim o Estado de São Paulo inteiro vai querer vir para São Bernardo” — comentou Valter Moura Júnior, presidente do Núcleo de Jovens Empreendedores da Acisbec (Associação Comercial e Industrial de São Bernardo).
No caso de uma empresa industrial ou comercial já instalada e que resolva ampliar atuação, a lógica é a mesma sobre a produção — e o ICMS — adicional. A diferença está na base de cálculo, de 100% nos cinco primeiros anos e 50% nos cinco anos seguintes. Ao conceder vantagem ainda maior para as empresas já instaladas, os técnicos da Prefeitura derrubaram a tese segundo a qual municípios industrializados não poderiam oferecer incentivos para novas empresas sob pena de comprometer a competitividade das que chegaram antes.
Além de IPTU e ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Intervivos), ampla grade municipal de taxas é passível de redução ou abatimento em troca de acréscimo de ICMS, altamente influenciado pelo Valor Adicionado.
O caso de empresas prestadoras de serviços é ligeiramente diferente. Primeiro, técnicos da Prefeitura verificam os investimentos materiais relacionados no protocolo de intenção de incentivos. Feita a confirmação, empresas usufruem de abatimento no ISS (Imposto Sobre Serviços) por 60 meses, de acordo com tabela decrescente que contempla 80% de desconto no primeiro ano e 20% nos últimos 12 meses. “O ISS que deixarmos de pagar será revertido em postos de trabalho” — expôs Ermírio Yamada, diretor da Siscon, empresa especializada em recuperação de crédito que se instalou no Rudge Ramos, em março último, atraída pela Lei de Incentivos. A Siscon investiu R$ 3 milhões e criou 200 empregos em São Bernardo, mas pretende chegar a 600 postos de trabalho ao final de 2008 porque telemarketing é intensiva em recursos humanos.
Devolvendo recursos
Locadoras de veículos e prestadoras de serviço de transporte, logística e armazenagem dispõem de condição especial: a Prefeitura devolve 20% do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) por meio de abatimento no ISS — ou melhor, 20% da metade que cabe à Prefeitura na partilha com o governo do Estado. A Administração distribuiu cartilhas com a síntese da Lei de Incentivos e enxertos do texto legal, mas transformou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em balcão de esclarecimento por reconhecer a complexidade do tema e por entender que casos especiais, como de empresas que atuam ao mesmo tempo como indústrias e prestadoras de serviços, exigem abordagem individualizada.
O prefeito William Dib não esconde entusiasmo com o fruto do trabalho conjunto entre as secretarias de Finanças e Desenvolvimento Econômico. “Se essa lei fosse criada por qualquer cidade do Interior, teria espaço garantido no Jornal Nacional. Mas São Bernardo e o Grande ABC só viram manchete em tragédias” — desabafa. O prefeito reforça o fato de a legislação bonificar empresas sem comprometer a arrecadação. “Como não há renúncia tributária, não infringimos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, não se trata de guerra fiscal porque o sistema não está baseado na redução de alíquotas” — enfatiza.
“O Rodoanel e as 26 intervenções viárias que serão tocadas com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) consolidarão São Bernardo como a melhor esquina do Brasil, mas isso não significa que devemos nos acomodar e deixar de atuar em outras frentes” — lembra William Dib.
Não é à toa que o presidente da Anfavea e o diretor do Sindipeças compuseram a mesa ao lado do prefeito e da secretária de Desenvolvimento. Montadoras e autopeças são os principais protagonistas da deserção industrial e da desindustrialização que atingiram o Grande ABC principalmente durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Montadoras intensificaram instalação de fábricas em outros Estados impulsionadas por incentivos fiscais e tributários, embora o papel do sindicalismo não possa ser minimizado. Autopeças espremidas pela abertura alfandegária sem salvaguardas mimetizaram o comportamento das montadoras com transferência de parte significativa de produção e emprego para regiões mais competitivas.
“São Bernardo está dando uma lição ao Brasil em matéria de desoneração fiscal” — comentou Rogelio Golfarb, presidente da Anfavea. “O incentivo pode amenizar o custo trabalhista maior que nas outras regiões brasileiras” — observou Milton de Castro, do Sindipeças, ao apontar o ponto sensível das empresas que representa. Milton de Castro sugeriu que a Secretaria de Desenvolvimento promova o mesmo seminário de esclarecimento na sede do Sindipeças, numa operação coordenada para trazer parte das empresas que se foram.
“São Bernardo tem o terceiro PIB (Produto Interno Bruto) do Estado e o 12º do País. Mesmo com tal posição não deixa de se movimentar em favor do desenvolvimento” — observou Adalberto Nadur, diretor da Fiesp.
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