A entrevista que o empresário e vice-presidente do Ciesp Fausto Cestari concedeu à televisão do jornal Repórter Diário é uma pérola de explicitude da indigência de autoridades públicas no enfrentamento da crise econômica sistêmica que impacta a Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC. Cestari é uma das lideranças do setor na região e, particularmente, atua no condomínio de indústrias do Polo de Sertãozinho, em Mauá. Ali temos a última reserva com potencial de competitividade industrial frente a outras fronteiras.
Pouca gente tem conhecimento de que há disponível para atividades produtivas à beira do trecho sul do Rodoanel nada menos que 12 quilômetros quadrados de área. Quase uma São Caetano. Tudo pertence a Mauá. Ou mais precisamente a especuladores imobiliários. Eles não estão nem aí com o andar da carruagem. Entra prefeito, sai prefeito e os desbravadores industriais do Polo de Sertãozinho desafiam todas as omissões do poder público.
A empreitada mais antiga e desgastante no campo de infraestrutura é a implantação da rede de esgotos naquele condomínio. Pode parecer anedota de mau gosto, mas é isso mesmo: as empresas consorciadas numa área territorial de Sertãozinho não contam com rede de esgoto da Sabesp. A demanda vem de longe. Empresas já se cotizaram para bancar parte dos custos, mas nem assim houve evolução. Em qualquer lugar do mundo que leva economia como atividade central de desenvolvimento econômico empreendedores são tratados com respeito e, principalmente, com respostas às demandas. Em Mauá, nada diferente dos demais municípios da região, que cada um se vire como pode.
Gambiarras já foram realizadas pelos empresários. Construíram fossas especiais para concentração de resíduos, mas a vida útil não é eterna em equipamentos improvisados de saneamento básico.
Pés atrás
Fausto Cestari disse ao entrevistador do Repórter Diário que está confiante no atendimento que recebeu do novo prefeito de Mauá, Atila Jacomussi, mas não foi além de adjetivos protocolares. Parece estar com os dois pés atrás. O passado condena os gestores de Mauá. O plano de implantação da rede de saneamento vem de um passado em que o orçamento da obra não passava de R$ 1,5 milhão e agora ultrapassa a R$ 4,5 milhões.
Talvez um estudo mais profundo que a rede proposta identificasse uma fissura muito mais grave nessa equação do relacionamento entre gestão pública e empreendedorismo em Mauá.
É inconcebível que passados anos e anos a Mauá dependente demais do Polo Petroquímico não caia na real de que precisa organizar-se para fazer de Sertãozinho muito mais que uma imensidão de potencialidades econômicas ao incrementar medidas que rompam os grilhões inclusive dos donos das terras que fazem daquele território campo de exploração.
Impostos progressivos
Impostos progressivos resolveriam a questão. Há limites a estabelecer em nome da responsabilidade social para acabar com a farra de milionários que sentam sobre posses materiais e não são incomodados com taxações mais justas.
A Província dos Sete Anões vive historicamente uma contradição que a torna incapaz de ser alçada a uma das prioridades quando se menciona qualquer coisa que lembre reestruturação do tecido econômico.
O capitalismo que forjou a mobilidade social destas terras, sobretudo a partir do desembarque da indústria automotiva, é observado com desdém pelos gestores públicos. Agora, somente agora, porque a água bate na bunda de todos, ou quase todos, porque as receitas municipais fazem água estrutural e circunstancial, ouve-se aqui ou ali algo no sentido de se aproximar dos empreendedores.
Mesmo assim são ações seletivas, direcionadas principalmente às grandes corporações. Caso das andanças de Orlando Morando em São Bernardo. As pequenas e médias seguem a via crucis de encarar a vida econômica como sobreviventes da espécie.
Entre o céu e o inferno
Quando num intervalo de 24 horas alguém assiste a gravações tão antagônicas em enunciados, não há como sair do estado de indignação para uma comemoração mesmo que, reconhecidamente, exceção à regra. Estou me referindo às entrevistas com Ailton Lima, secretário de Desenvolvimento Econômico de Santo André, e Fausto Cestari, dirigente do Ciesp do Estado e de Santo André e presidente da Aepis (Associação dos Empresários do Polo).
Assisti aos dois programas pedalando minha bicicleta ergométrica durante 60 minutos. Acho que meu rendimento sofreu alguns percalços durante o período em que Ailton Lima desfilou festival de demagogia em defesa de uma Santo André que já sumiu do mapa econômico há muito tempo. Mas Fausto Cestari, em seguida, me proporcionou a adrenalina que poderia vir a escassear.
Pena que Fausto Cestari seja um dos poucos protagonistas da vida econômica da região a manifestar-se sistemática e coerentemente sobre a realidade social e econômica. Fausto Cestari tem o lastro de um passado de envolvimento no Fórum da Cidadania, na Agência de Desenvolvimento Econômico e na Câmara Regional. E também no Clube dos Prefeitos, como secretário de Desenvolvimento Econômico de São Caetano. Aqui e ali, por força da representação institucional e também de confiança e expectativas traídas, pode até ter cometido um deslize ou outro na trajetória de interlocutor inteligente e prospectivo do desenvolvimento econômico da região. Entretanto, no conjunto da obra, é superavitário. Poucos têm o currículo de contestador de qualidade e reestruturador qualificado.
Despautério antigo
A reserva que especuladores imobiliários mantém na geografia de Mauá e suas peculiaridades desanimadoras no campo da infraestrutura de esgoto são a consagração do estado de desfaçatez institucional de um Município cuja maioria da população economicamente ativa desloca-se diariamente a outros endereços da região e também rumo a Capital.
Fosse transparente de verdade agora, já que antecessores não o foram no passado recente e remoto, a gestão do prefeito Atila Jacomussi formaria uma comissão de frente, uma força-tarefa para ser mais preciso, para iniciar uma reviravolta na ocupação daquela área que tem o Rodoanel na cara do gol em condições favoráveis como nenhum outro Município da região.
Entretanto, e lamentavelmente, o predomínio de interesses privados parece intocável. Aquela reserva de ouro a atividades produtivas que agreguem valor adicionado consistente é uma caixa-preta a envolver mandachuvas e mandachuvinhas que atravancam a vida do Município.
Enquanto isso, os jornais preferem dar destaque às fantasias de Orlando Morando sobre a Casa do Grande ABC, assunto sobre o qual trataremos nos próximos dias. A mistificação toma o lugar do planejamento regional desde que Celso Daniel se foi e muito antes de Celso Daniel chegar. Depois querem saber por que a Província degringola em mobilidade social, uma das faces mais visíveis da desindustrialização.
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