A planta Anchieta da Volkswagen do Brasil continua subindo o tom da qualificação da mão-de-obra na luta contra o tempo para se tornar competitiva. Mesmo tropeçando em altos salários na comparação com concorrentes -- o que levou o comando de Recursos Humanos a repetir o alerta de que a anabolizada folha anual de R$ 1,1 bilhão pode limitar as ambições de uma fábrica em franca reestruturação --, a unidade São Bernardo mantém a marcha de aprimoramento do capital humano. Fechou em dezembro parcerias com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para as áreas de robótica e de controladores lógicos programáveis, além da Fundação Casemiro Montenegro Filho, ligada ao ITA de São José dos Campos. O Instituto Tecnológico Aeroespacial vai desenvolver tecnologia de alta velocidade de corte de usinagem para a ferramentaria.
O esforço para abordar de frente o preparo dos 17 mil funcionários de São Bernardo prossegue neste início de 2001 com outros dois centros de ensino peso-pesados dando mão forte à pioneira planta da Volks no Brasil, datada de 1959. A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) será chamada para desenvolvimento nas áreas de eletrônica e controle dimensional. A Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), por sua vez, vai ser incumbida dos mestrados dos engenheiros da Volks, além de trabalhos e treinamento na área de energia que otimizem o consumo e harmonizem-se com a causa do meio ambiente. "Todos os projetos estarão se consolidando no primeiro trimestre deste ano" -- anuncia Clébio Ribeiro, gerente de Qualificação e Geração de Competências.
Dieta emagrecedora
A planta Anchieta passa por rigorosa dieta de emagrecimento físico. Precisa perder de um terço a 50% do 1,1 milhão de metros quadrados de construção e substituir essa gigantesca massa de concreto por processos tecnológicos enxutos e vigorosas injeções cerebrais de conhecimentos. Tudo para sair de um modelo fabril considerado ultrapassado, montador de veículos antigos como Kombi, Santana e Gol, e se credenciar à plataforma de modelos mundiais da marca a partir de 2002 com o PQ24. Segundo o presidente Herbert Demel, apenas para produção da nova família de carros estão previstas 2,5 milhões de horas de treinamento. Somente o programa de educação, formação profissional e treinamento em novas tecnologias vai absorver R$ 18 milhões neste e no próximo ano.
Outros R$ 3,5 milhões serão colocados em quatro CTTAs (Centros de Treinamento de Tecnologias Avançadas). Como diz o nome, vão reciclar 6,5 mil profissionais das áreas de pintura, estamparia, armação de carrocerias e montagem final. O CTTA de pintura foi ativado em dezembro e os outros três estão programados ao longo deste ano.
Não é pequena a movimentação na fábrica Anchieta nem minúsculos os recursos. Dos R$ 3,5 bilhões que a marca injeta no Brasil em cinco anos, R$ 1,6 bilhão é para a planta veterana de São Bernardo. Para se ter idéia da aposta na reestruturação, a ferramentaria que acaba de ser contemplada pelo convênio com o ITA ia simplesmente fechar há três anos. Hoje, é a segunda melhor do grupo em nível mundial (só perde para a Audi alemã), habilitando-se a fazer serviços para outras fábricas da marca. Está acoplando três equipamentos high-speedy NC (Comando Numérico) 10 vezes mais rápidos do que as 14 NC que integram as 80 máquinas da ala. "Todo o perfil da ferramentaria começa a mudar. Horistas que antes poliam a mão estampados e moldes vão para a frente do planejamento comandar botões de computadores" -- anima-se o gerente Wagner de Souza. Cada nova hight-speedy deve elevar em 30% a produtividade. A função do ITA será atacar a qualidade por meio de estudos e otimização dos 1,1 mil funcionários na área de usinagem.
Programação curricular
Um fato inovador que a Volkswagen introduz nos novos cursos é sua participação direta na programação curricular. Funcionários são treinados para as exatas características da marca, o que significa mais do que tradicionais cursos sob medida. Também avança no perfil do conhecimento. Saem os cursos técnicos e entra em cena a capacitação tecnológica. Não por acaso a Volks buscou a fundação ligada ao prestigiado ITA, que há 10 anos faz o elo universidade-empresa em busca de competências tecnológicas específicas para clientes, acentua o reitor Omar Abusamra.
Como se vê, não se trata só de treinamento operacional, mas de reestruturação cultural e tecnológica de uma fábrica que terá mais de 400 robôs, índice de automação de 60% e que precisa justificar por que foi eleita pela matriz uma das três no mundo para montar o aguardadíssimo mundial PQ24, ao lado das plantas espanhola e tcheca. O CTTA de pintura recém-inaugurado, por exemplo, traz não apenas apresentação de novas tecnologias, mas treinamento comportamental sobre segurança e saúde na empresa, trabalho em equipe e aperfeiçoamento da qualidade.
Os seis laboratórios foram equipados pelos próprios fornecedores de tintas, casos de Renner, Henkel, Basf, PPG, 3M e Tirreno. Com isso, a Volks quer que os empregados aprendam na prática a trabalhar com equipamentos e processos que serão instalados na área, como troca automática de tintas (hoje a pintura é feita manualmente) e novo polimento para preparar as carrocerias e as câmaras com jatos de ar ionizado, entre outros.
Mirando em São José
A força-tarefa da Anchieta mira-se na caçula da marca no Brasil em São José dos Pinhais, no Paraná, onde faz o Golf e o Audi A3. Uma dúzia de fornecedores dentro da planta se incumbe da co-montagem dos veículos dentro de uma fábrica sem paredes, com processos totalmente integrados e automatizados e mão-de-obra altamente qualificada. Enquanto na Anchieta apenas 35% dos horistas têm Ensino Médio completo, no Paraná todos os 2,3 mil funcionários foram admitidos com esse pré-requisito. A Anchieta já foi pior. Por volta de 1994, metade do chão-de-fábrica sequer havia concluído o antigo Primeiro Grau. Agora 84% têm pelo menos essa escolaridade.
A área construída da Volks/Audi ocupa 210 mil dos dois milhões de metros quadrados do terreno, ou menos de 10%. A Anchieta chegou a ter 1,1 milhão de concreto sobre dois milhões de metros quadrados de terreno. Dentro do que batizou de Masterplan, já derrubou quase meia centena de prédios, galpões e anexos, está finalizando novo posto de combustível em substituição aos quatro existentes, abriu estacionamentos internos para funcionários com carros e trouxe o pátio de ônibus para dentro da planta, a fim de encurtar caminhadas de até 1,5 quilômetro quando o desembarque era do lado de fora.
Os 1,2 mil caminhões que abastecem diariamente a empresa também ganharão portaria exclusiva e toda a área administrativa, que se dividia com o Núcleo Jabaquara, na Capital, foi trazida para São Bernardo. A planta, que já empregou 37 mil pessoas, fez acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos para redução de mil empregos por ano por meio de aposentadorias e desligamentos voluntários.
Pressão sindical
É por isso que o vice-presidente de Recursos Humanos, Fernando Tadeu Perez, se declara decepcionado com as pressões sindicais que voltaram à carga a partir da greve e dos 10% de aumento salarial sentenciados pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo no dissídio de novembro. Perez repetiu o que havia dito a LivreMercado: as fábricas paulistas, particularmente do Grande ABC, se inviabilizarão se não diminuir a distância em relação a salários de outros Estados, que chegam à metade da média de R$ 1,7 mil de São Bernardo. Perez teme que, depois de sair do armário da falta de modernidade, a Volks Anchieta seja engolida pela folha de pagamentos.
Fusão mundial
A fusão mundial da Daimler-Benz com a Chrysler Corporation, anunciada há dois anos, consolidou-se em dezembro último no Brasil sob nova denominação da Mercedes-Benz de São Bernardo, rebatizada DaimlerChrysler do Brasil. Ben van Schaik continua na presidência da nova empresa e reafirmou os R$ 600 milhões em investimentos reservados até 2003 para as fábricas de caminhões e ônibus da marca no Grande ABC, onde também produz eixos, motores e componentes industriais. São Bernardo será o QG da nova corporação, com a supervisão das plantas de Campinas e de Juiz de Fora (MG) e também da Chrysler de Campo Largo (PR).
A Ford, por seu lado, inicia oficialmente neste dia 15 as operações de caminhões em São Bernardo transferidas do Ipiranga, na Capital, onde encerrou as atividades após 47 anos. A princípio, metade do contingente de 1,1 mil será aproveitada e outra metade está sendo incentivada com demissão voluntária. Na área de comerciais, São Bernardo concentrará a linha Cargo, F-250 e picape Courier, que já era montada ao lado dos automóveis Ka e Fiesta. Com a conclusão este ano da fábrica de Camaçari na Bahia, onde vai manufaturar a linha Amazon, que começa com subcompactos, é muito provável que São Bernardo se concentre nos comerciais e os baianos fiquem com os automóveis. Em dezembro, 50% das instalações da Bahia estavam concluídas.
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